quinta-feira, 12 de maio de 2011

sobre 'Fundação e Império' (Foundation) - de Asimov (2:3)











sobre “Fundação” (“Foundation”)(1942, 1951, 1955)
obras (Trilogia e série) do autor Isaac Asimov
(URSS, 1920-EUA,1992)


Literatura enquanto relatos de tempos futuros






2:3


Fundação e Império / Foundation and Empire

Parte I


Estamos diante do duelo entre a Fundação em plena ascensão e o Império em decadência. O segundo livro da Trilogia começa com a figura do eficiente General Bel Riose, originário do planeta Siwena, que já aparecera antes – aquela visita de Hober Mallow a um velho refugiado político, cerca de 4 décadas antes.



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Aqui aparece a figura de Ducem Barr, o filho de Onum Barr, o refugiado (Ver a Parte V, 9, de “Foundation”). Ducem acredita que não há Magos estelares, aqueles poderosos 'feiticeiros' da Fundação. Apenas acontece que nos mundos bárbaros a alta ciência se tornou para eles uma forma de magia. Tal foi a decadência após a fragmentação do Império! Todo o conhecimento científico se perdeu, e somente a Fundação pôde resguardar os dados, as pesquisas, ao criar a Enciclopedia Galáctica.


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Os cidadãos do planeta Siwena, o povo de Onum Barr, foram humilhados, saqueados e escravizados pelos vice-reis imperiais. Aliás, Riose é um dos últimos imperiais, ao ser um General do último Imperador forte, Cleon II.

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O desejo, a ambição do General recuperar para o Império os sistemas solares da Periferia – que se 'desligaram' do centralismo desde as revoltas de Anacreon, três séculos antes. Riose procura os Magos, ou seja, os sábios da Fundação (a Primeira Fundação) que possuem armamentos poderosos, e campos-de-proteção eletromagnéticos-atômicos pessoais!

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Resumo: no início do segundo livro temos os resumos dos eventos do primeiro livro, é um recurso sempre utilizado pelo Autor – funciona aqui como uma espécie 'flashback' – para re-situar o Leitor na cronologia da série.

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Riose está estupefato com o orgulho dos cidadãos comuns da Fundação. A ideia de vitória, de evolução, da criação de um novo Império. “Os maiorais nada dizem. Eles falam apenas de negócios. Mas eu conversei com pessoas comuns. Eu absorvi as ideias do povo comum; este 'destino manifesto' deles, a pacífica aceitação deles quanto a um grande futuro. Eis uma coisa que não pode ser ocultada; uma otimismo universal que eles sequer tentam ocultar.” (“The officials said nothing. They spoke business exclusively. But I spoke to ordinary men. I absorbed the ideas of the common folk; their 'manifest destiny', their calm accpetance of a great future. It is a thing that can't be hidden; a universal optimism they don't even try to hide.” p. 21)

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O poder do general – aliás Governador militar de Siwena – é subordinado ao poder do Imperador, que bem desconfia de militares arrivistas. Afinal, Riose é um jovem general que sonha com novas conquistas para o Império – e glória para o seu nome. Ou seja, a ambição de um general conquistador. (O problema em Roma era que tais generais geralmente davam um golpe e se tornavam eles-mesmos os próximos Imperadores. Não seria diferente na História Galáctica...) A questão é saber se Riose é um proto-general romano, um pretenso Napoleão. Um obcecado com conquistas – ou um obcecado com o trono imperial?

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O próprio Imperador pouco sabe sobre a Fundação – que durante três séculos se tornou independente. É o Secretário quem deve revirar os arquivos. “Não há registro sobre isso [a Fundação], Senhor. Procurei nos arquivos cuidadosamente. A área da Galáxia indicada se encontra dentro da antiga província de Anacreon, que ao longo de dois séculos se entregou aos saques, barbarismo e anarquia. Não há qualquer planeta conhecido como Fundação no província, de qualquer forma. Há uma vaga referência a um grupo de cientistas que foram enviados para aquela província um pouco antes de se separarem de nossa proteção. Eles foram preparar uma Enciclopedia. Creio que eles a chamavam Fundação Enciclopedia.”
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There is no record of it, sire. I have searched the archives carefully. The area of the Galaxy indicated falls within the ancient province of Anacreon, which two centuries since gave itself up to brigandage, barbarism, and anarchy. There is no planet know as Foundation in the province, however. There was a vague reference to a group of scientists sent to that province just before its separation from our protection. They were to prepare an Encyclopedia. I believe they called it the Encyclopedia Foundation.” pp. 27-28


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O General Riose aprisiona um mercador, que pouco acredita no tal 'Plano de Seldon', afinal um homem de negócios é um pragmático, não se preocupa com 'idealismos' – ou com coisa de políticos. O mercador não se preocupa com guerras entre forças imperiais e da Fundação – não importa quem vença, o vencedor vai precisar dos mercadores para manter as rotas de comércio. Devido a sua profissão, o mercador é indiferente a 'nacionalismos', o que lhe interessa é o lucro. “Faríamos um melhor negócio com o Império. Sim, faríamos; e sou um homem de negócios. Se o Império trouxer mais lucro, estou com ele” (“We'd make a better deal with the Empire. Yes, we would; and I'm a man of business. If it adds up to a plus mark, I'm for it.”p. 35)

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Os Mercadores usam a própria ambição de Riose contra ele-mesmo, quando aproveitam a divisão de interesses dentro do Império: o Imperador desconfia dos poderes ampliados dos Militares – assim como, em Roma, César foi um militar e um dos que sufocaram a República Romana, assim como, séculos depois, Napoleão sufocaria a Revolução Francesa. Ver o tópico Bonapartismo.

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Interessante que quanto mais 'político' e 'sociológico' segue o enredo, menos encontramos descrições – incluindo de batalhas – pois apenas colhemos menções e referências nos diálogos – bem ao contrário de Star Wars, que, sendo um filme, sempre mescla diálogos com cenas de batalhas estrelares.

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O patrício de Siwena – que já eliminara um vice-rei umas quatro décadas antes – não hesita em atentar contra o general conquistador – mas e o mercador? É mesmo mercador? Quem é o audacioso Lothan Devers?

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Os fugitivos da nave-capitânia seguem para Trantor, o planeta-cidade, a capital do Império Galáctico. Eles esperam conseguir uma audiência com o Imperador – e assim denunciar as conspirações do General e do Secretário Imperial Brodrig.

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Em Trantor, o patrício siweniano Barr e o mercador Devers não conseguem a audiência com o Imperador Cleon II, quando pretendiam acusar o 'jogo duplo' dos súditos imperiais Riose e Brodrig. Mal se aproximam das autoridades competentes, os dois 'subversivos' são rastreados pela Polícia Imperial e somente resta fugir.

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Independente do que possam fazer o patrício e o mercador, em suas aventuras em Trantor ou no hiperespaço – a guerra acabou. Afinal, o Imperador já desconfiava das ambições de seu General e das 'jogadas' de seu Secretário e decide intervir no avanço da guerra antes que o General seja vitorioso. Enquanto isso, começa a revolta em Siwena, que passa do domínio do Império para a hegemonia da Fundação.

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Só resta aos navegantes retornar para Terminus, onde são condecorados. Mas Barr explica que nada do que fizessem poderia mudar os acontecimentos – já calculados pelas equações psicohistóricas. Seria a 'mão morta' de Seldon agindo três séculos depois – um conjunto de equações em sequência que constitui tudo um Plano. Agora elucidado pelo estudioso Ducem Barr.

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Por exemplo, a questão do imperador forte e do general forte – única conjugação de eventos que ameaça e ao mesmo tempo protege a Fundação. “Podemos ver agora que o pano-de-fundo social do Império faz as guerras de conquista impossíveis para este. Sob imperadores fracos, este [o Império] é dividido por generais competindo por um trono sem valor e certamente fatal. Sob imperadores fortes, o Império está congelado num rigor paralítico no qual a desintegração aparentemente cessa por um momento, mas apenas com o sacrifício de toda expansão possível.

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“Um general fraco nunca poderia nos ameaçar, obviamente. Um general forte durante o tempo de um Imperador fraco nunca poderia ter nos ameaçado, também; pois ele teria voltado seus exércitos para um alvo mais proveitoso. Os eventos têm demonstrado que três em cada quatro Imperadores dos últimos dois séculos foram generais rebeldes e vice-reis rebeldes antes de serem Imperadores.”

“Assim é apenas a combinação de um Imperador forte e um general forte que pode ameaçar a Fundação; pois um Imperador forte pode não ser destronado facilmente, e um general forte é forçado a seguir para além das fronteiras.

“Mas, o que mantem o Imperador forte? O que mantem Cleon forte? É óbvio. Ele é forte porque não permite súditos fortes. Um cortesão que se torna muito rico, ou um general que torna-se muito popular é perigoso. Toda a recente história do Império prova que para um Imperador inteligente basta ser forte.

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“We can see, now, that the social background of the Empire makes wars of conquest impossible fo it. Under weak Emperor, it is torn apart by generals competing for a worthless and surely death-bringing throne. Under strong Emperors, the Empire is frozen into a paralytic rigor in which disintegration apparently ceases for the moment, but only at the sacrifice of all possible growths.”
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“A weak general could never have endangered us, obviously. A strong general during the time of a weak Emperor would never have endangered us, either; for he would have turned his arms towards a much more fruitful target. Events have shown that three-fourths of the Emperors of the last two centuries were rebel generals and rebel viceroys before they were Emperors.
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“So it is only the combination of strong Emperor and strong general that can harm the Foundation; for a strong Emperor can not be dethroned easily, and a strong general is forced to turn outwards, past the frontiers.
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“But, what keeps the Emperor strong? What kept Cleon strong? It's obvious. He is strong, because he permits no strong subjects. A courier who becomes too rich, or a general who becomes too popular is dangerous. All the recent history of the Empire proves that to any Emperor intelligent enough to be strong.”
pp 61 / 62

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Então o Imperador resolve parar o avanço do General Riose e abafar as glórias do possível 'general rebelde' que pode ameaçar o soberano. General que ironicamente nem era rebelde, tendo tão-somente obedecido 'até bem demais' as ordens do soberano! (No Império Romano do Oriente, ou Bizantino tal conjuntura ocorreu com o Imperador Justiniano e o General Belisário, no século 6 d.C., fato histórico que certamente influenciou o Autor.) Afinal, as leis da Psicohistória mostram o quanto personalidades determinam eventos, e complexos sociais-políticos-econômicos determinam personalidades. Para as equações são necessárias características de indivíduos cujas decisões atuam sobre aglomerados, estes estatisticamente previsíveis.


No momento em que as forças imperiais abandonam a Periferia, e Siwena entra em acordo com a Fundação, pode-se se perguntar se a Fundação tem inimigos. Afinal, o Império – após Cleon II – mergulha em guerras civis e não será ameaça à Fundação. A Periferia está 'pacificada' pela hegemonia da tríade Ciência-Religião-Comércio com centro na própria Fundação. Nenhum inimigo?

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E quanto a Segunda Fundação? Aliada ou concorrente? Onde estará? O que significa 'no outro extremo da Galáxia'? Ou 'fim das estrelas' (Star's End)?

E os inimigos internos? Os ambiciosos, os antidemocráticos? Não serão eles aqueles que vão implodir a Fundação?


Parte II


É bom não cantar vitória antes da hora. O título da Parte II já atrai dúvidas e suspeitas: o que é isso de “Mulo”?

O fato é que aprecem em cena uma noiva e um noivo. Um casal recém-casado rumando para Haven, o planeta-natal do noivo. A noiva aqui – Bayta – é a primeira personagem feminina de destaque – após 250 páginas, no meio do Livro II – numa galeria de vultos masculinos: Seldon, Hardin e Mallow.

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Também é a primeira vez que o Narrador focaliza vidas pessoais de 'cidadãos comuns' – e não políticos ou cientistas ou mercadores – e o estilo é mais descritivo, mais psicológico, visto que o foco é um casal em viagem de núpcias (ou 'lua de mel'), onde o noivo é um provinciano, filho de mercador, enquanto a noiva é uma filha da Fundação, uma descendente de Mallow.

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Os modos dos mercadores – os desbravadores do Meio-Oeste? - destoam dos modos da Fundação – os WASP da costa leste? - em muitos trechos, Fundação é demasiadamente norte-americana. Isto é, percebe-se a autoria norte-americana – enquanto numa obra de Sci Fi seria interessante uma 'universalização' até porque trata-se de povos de pelo menos 40 mil anos no futuro, espalhados por toda a Galáxia...


Percebe-se que tanto os Fundacionistas quanto os Mercadores compartilham a confiança-devoção em Seldon. (Afinal, o autor do 'destino manifesto' / 'manifest destiny' da Fundação, ou seja, a formação do Segundo Império.)

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Recapitulando. Passaram-se 300 anos após o início do Plano de Seldon e ainda não se visualiza qualquer era de prosperidade – ao contrário: continua a fragmentação, as guerras, etc. O 'milenarismo' de Seldon não se concretiza? Em que ponto a fragmentação será contida e se poderá iniciar a nova centralização?

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Estamos num dia de comemoração do dia de nascimento de Hari Seldon assim como se lembra do Thanksgiving Day, do Dia da Ação de Graças. Em momento tão solene, como se fosse um almoço de Natal, Bayta aponta os defeitos da política da Fundação: inércia, despotismo, força, má distribuição de renda, etc. Ou seja, justamente o que enfrentava o mundo nas décadas de 1930 e 1940. E ainda se acreditava na Democracia...

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Nas palavras de Bayta, “Bem, parece-me que a completa essência do Plano de Seldon era de criar um mundo melhor que o antigo do Império Galáctico. Que estava se desfazendo, aquele mundo de três séculos atrás, quando Seldon primeiro estabeleceu a fundação – e se a História diz a verdade, estava decaindo devido a tripla doença da inércia, do despotismo e da má-distribuição dos bens do universo.”

Ela continua: “Se a história de Seldon é verdadeira, ele preveu o completo colapso do Império através das leis da psicohistória, e foi capaz de prever os necessários trinta mil anos de barbarismo antes do estabelecimento de um novo Segundo Império para restaurar a civilização e a cultura para a Humanidade. Era o objetivo pleno de todo o trabalho de sua vida ao estabelecer tais condições poderiam garantir um rejuvenescimento mais rápido.”

O quão determinísticos são as ciências historiográficas? Bayta esclarece mais, “As leis da história são tão absolutas quantos as leis físicas, e se as probabilidades de erro são maiores, é apenas porque a história não lida com tantos humanos quanto a física lida com átomos, assim as variações individuais contam muito. Seldon previu uma séries de crises através de mil anos de crescimento, cada uma delas forçaria a um novo desvio de nossa história numa trilha pré-calculada. Foram assim as crises que vieram – e assim uma crise deverá vir agora.

O problema é quando a fundação repete os erros do Império decadente, segundo Bayta, “Agora! Há quase um século desde a última, e neste século, cada vício do Império tem se repetido na fundação. Inércia! Nossa classe dirigente não conhece outra lei; nenhuma mudança. Despotismo! Eles conhecem apenas uma regra; a força. Má-distribuição! Eles conhecem apenas um desejo; o manter o que é deles.”

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“Well, […] it seems to me that the whole essence of the Seldon's Plan was to create a world better than the ancient one of the Galactic Empire. It was falling apart, that world, three centuries ago, when Seldon first established the Foundation – and if history speaks truly, it was falling apart of the triple disease of inertia, despotism, and maldistribution of the goods of the universe.”
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“If the story of Seldon is true, he foresaw the complete collapse of the Empire through his laws of psycho-history, and was able to predict the necessary thirty thousand years of barbarism before the establishment of a new Second Empire to restore civilization and culture to humanity. It was the whole aim of his life-work to set up such conditions as would insure a speedier rejuvenation.
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“The laws of history are as absolute as the laws of physics, and if the probabilities of error are greater, it is only because history does not deal with as many humans as physics does atoms, so that individual variations count for more. Seldon predicted a series of crises through the thousand years of growth, each of which would force a new turning of our history into a pre-calculated path. It is those crises which direct us – and therefore a crisis must come now.
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“Now!” she repeated forcefully. “It's almost a century since the last one, and in that century, every vice of the empire has been repeated in the Foundation. Inertia! Our ruling class knows one law; mo change. Despotism! They know one rule; force. Maldistribution! They know one desire; to hold what is theirs.”
p. 69


Os chefes da Fundação enriquecem – enquanto os mercadores perdem lucros. Daí surgir a desarmonia entre os dois grupos – que na época de Hardin (dois séculos antes) faziam parte do mesmo propósito, da mesma estratégia: a hegemonia da Fundação nos sistemas solares da Periferia.


Os mercadores murmuram contra a hegemonia da Fundação – mas não podem se rebelar, abertamente. Afinal, rebelar-se sem apoio contra a Fundação? Contra o inexorável Plano de Seldon? O próprio Devers, o mestre-mercador, desafiou os chefes da Fundação e acabou nas minas de escravos (cerca de 80 anos antes dos eventos deste capítulo)


É a autoconfiança dos líderes da Fundação que leva aos excessos – centralismo, corrupção, despotismo. Os descontentamento será facilmente 'manipulado' por um inimigo: o tal Mulo.


Quem é o Mulo? Uma espécie de humano mutante. Uma espécie de Napoleão mesclado com Hitler. Um poder (militar? espiritual? psicológico?) não previsto pelo Plano de Seldon. Tanto Napoleão quanto Hitler ganharam ajuda de algumas 'quinta-colunas' dentro dos países que pretendiam dominar. Povos e exércitos que não queriam lutar contra eles. Vejamos os italianos diante das tropas francesas comandadas por Napoleão, ou vejamos as tropas francesas diante das tropas alemãs-nazistas.

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É atrás deste novo 'senhor-da-guerra' - que derrota exércitos inteiros simplesmente porque os defensores mudam de lado! - que segue o casal em lua-de- mel rumo ao planeta Kalgan, onde pretendem descobrir mais sobre o Mulo, cujo nome verdadeiro ninguém conhece (nem o Narrador). Kalgan é um planeta de praias, esportes, tipo planeta-de-veraneio, tipo as cidades tropicais de Miami, Acapulco, Rio de Janeiro...

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Os Prefeitos criam 'dinastias' e sufocam as 'eleições livres' – ou seja, é a morte da democrática Fundação e o início de uma galeria de ditadores. Assim explica-se que o Prefeito Indbur III seja filho do Prefeito Indbur II que é filho do Prefeito Indbur I. É como se agora o Prefeito tivesse um protocolo de monarca! Onde ficou o republicanismo? A Fundação se iguala assim aos reinos de Anacreon, Korell, Smyrno, Siwena, ou seja, bárbaros e antidemocráticos.


O casal encontra o bobo (clown) do poderoso Mulo – o palhaço se nomina grandiloquente “Magnifico Giganticus” - que foge das forças de segurança. O bobo logo atrai as simpatias da jovem esposa Bayta. E é mesmo um bobo muito 'sabido', parece mais aquele Bobo de “King Lear” ou o Primeiro Coveiro de “Hamlet” (ambas são obras de Shakespeare), com todo um saber que parece deslocado, a causar um estranhamento.


Qual o objetivo dos Mercadores ao desejarem um 'contato com o poderoso 'warlord' Mulo? É que a Federação dos Mercadores contava com o apoio do novo militarista para enfraquecer a Fundação – e assim retirar os prefeitos-tiranos do poder, e reinstaurar a Democracia. O caso é que os tiranos acreditam que não é possível derrotar a Fundação, devido a inexorabilidade do Plano de Seldon. As Elites da Fundação se julgam invencíveis porque a Fundação é invencível ! O Plano de Seldon seria assim a proclamação de um glorioso “destino manifesto”, como já vimos.


E as Elites não hesitam em culpar os 'democratas' por espalharem dissidências e derrotismo. (Na França de 1940, os comunistas foram rotulados de dissidentes, que levaram à derrota dos franceses diante dos nazistas alemães) Mas os Mercadores não querem derrotar a Fundação, mas esmagar a tirania. Uma guerra civil é tramada nos subterrâneos. E o Mulo é hábil em explorar estas dissidências dentro da hegemonia da Fundação (Mercadores X Elites) e quando a guerra começa, o 'mutante' ataca tanto as forças da Fundação quanto da Federação dos Mercadores.


Alguns Mercadores percebem que não é possível se aliar ao Mulo contra os prefeitos-tiranos – mas antes devem (em nome da Fundação, não das Elites) combater o mutante. (O próprio 'Mulo' assim se intitula por ser um híbrido, tal a mula, no cruzamento entre cavalo e burra, égua e burro, que não deixa descendente fértil. Ou seja, se o Mulo for detido, não deixará descendente para estabelecer uma Dinastia...)


Em momento de crise, como esta agora, são necessários as mentes bem pensantes. Eis que a Fundação tem uma – apenas uma. Ebling Mis lembra-me muito o jeito intelectual-libero-pensatore, outsider-esquerdista, cientista-louco de Doc (do romance “Cannery Row”, de Steinbeck). E o psicólogo deseja examinar o 'clown' mais de perto – afinal, assim saberemos mais sobre o tal Mulo (que simplesmente não aparece na narrativa, é sempre alguém se referindo a ele, nunca ele mesmo em cena...)

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Para melhor interagir com o 'paciente', o psicólogo usa um instrumento musical que emite ondas luminosas, imagens tridimensionais, um tal 'Visi-Sonor', mistura de teclado, sintetizador e projetor de imagens, para que o clown possa relaxar e aceitar o 'interrogatório'. O que presenciamos -a partir da perspectiva de Bayta – é um show musical e imagético, numa cena descritiva-onírica.


“Um pequeno globo de cor pulsante crescia num jorro rítmico e explodiu no meio do ar em gotas disformes que girou acima e caiu como raios curvilíneos em padrões entrelaçantes. Eles se aglutinaram em pequenas esferas, nenhuma semelhante em cor – e Bayta começava a descobrir coisas.

Ela notava que fechando os olhos os padrões de cores se faziam mais claros; que cada pequeno movimento da cor tinha seu pequeno padrão de som; que ela não podia identificar as cores; e, ao fim, que os globos não eram globos mas pequenas figuras.

[…]

Um cintilante carpete projetou-se ao redor, girando, tecendo uma teia sem-substância que engolfava todo o espaço, e disto luminosos tiros golpearam acima e se ramificaram em árvores que entoavam uma música própria.

Bayta sentou-se aconchegada. A música ondulava ao redor dela em voos rápidos e líricos. Ela alcançava além para tocar um frágil árvore e espículas em florescência flutuavam abaixo e desvaneciam cada um claro e diminuto tilintar.

A música fragmentou-se em vinte címbalos, e diante dela uma área se inflamou num jorro e caiu em cascata em invisíveis passos no colo de Bayta, onde transbordou e floresceu em rápida corrente, erguendo-se a faísca ardente até a cintura, enquanto através de seu colo havia uma ponte-arco-íris e sobre esta as pequenas figuras -”

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“A little globe of pulsing color grew in rhythmic spurts and burst in midair into formless gouts that swirled high and came down as curving streamers in interlacing patterns. They coalesced into little spheres, no two alike in color – and Bayta began discovering things.
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She noticed that closing her eyes made the color pattern all the clearer: that each little movement of color had its own little pattern of sound; that she could not identify the colors; and, lastly, that the globes were no globes but little figures.
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Little figures; little shifting flames, that danced and flickered in their myriads; that dropped out of sight and returned from nowhere, that whipped about one another and coalesced then into a new color.

[…]

A glittering carpet shot out and about, whirling, spinning an insubstancial web that engulfed all space, and from it luminous shoots stabbed upward and branched into trees that sang with a music all their own.
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Bayta sat inclosed in it. The music welled about her in rapid, lyrical flights. She reached out to touch a fragile tree and blossoming spicules floated downwards and faded, each with its clear, tiny tinkle.
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The music crashed in twenty cymbals, and before her an area flame up in a spout and cascaded down invisible steps into Bayta's lap, where it spilled over and flowed in rapid current, raising the fiery sparkle to her waist, while across her lap was a rainbow bridge and upon it the little figures -”
pp 107-08


O talentoso bobo sempre se mostra modesto e até auto-depreciativo, com seu nome pomposo “Magnifico”, sempre a provocar um sentimento que temos diante dos 'menos favorecidos', dos disformes, dos 'deficientes' – a nossa simpatia, piedade, comiseração, sentimento de culpa. Assim, tanto Bayta quanto Mis incentivam o talento de Magnifico – ele pode ser um, digamos, pop-star. Sendo um pop-star, o Bobo (mas será mesmo um 'bobo'?) pode emocionar plateias inteiras com sua música-espetáculo.


Enquanto isso as Elites da Fundação acreditam na invencibilidade (assim como acreditavam-se os franceses em 1940, e depois os alemães em 1941/42, até El Alamein e Stalingrad ) ainda mais quando os Mercadores resolvem declarar guerra ao Mulo – ou seja, a dissidência de ontem torna-se a coalização de agora (qualquer semelhança com a 'aliança estranha' dos Aliados – anglo-saxões e russos soviéticos – na II Guerra Mundial é mera coincidência? Lembramos que os 'contos' de Fundação foram escritos na segunda metade dos anos 40...)


As forças do Mulo avançam sobre os mundos dos Mercadores e ameaçam um cerco ao planeta Terminus – assim como planejara um século antes o General Bel Riose, do decadente Império Galáctico – enquanto as Elites aceitam que há realmente uma crise prevista por Seldon e esperam 'o cofre do tempo' (Time Vault) se abrir para nova mensagem do fundador-mor. A figura de Seldon aparece pela quinta vez, tal como fizera antes, a explicar alguns acontecimentos e prever a vitória da Fundação. E agora diante da ameaça do Mulo?


Mas as dissidências continuam – por exemplo, a estratégia de guerra – entre Mercadores e as Elites da Fundação. Ainda mais quando as forças dos Mercadores apresentam mais vitórias do que as da Fundação. Por que? As naves da Fundação se rendem por traição dos oficiais! Ou seja, as batalhas são vencidas pelo derrotismo dos defensores – a própria descrença na vitória diante do poderio do invasor. Como podem os Mercadores confiarem nos oficiais da Fundação? (Ver o caso da expansão do nazismo na Europa, desde meados dos anos 30 até o ápice do hitlerismo em 1943)


Enfim, a figura de Seldon: mas eis a decepção. O que ele agora 'prevê' é a dissidência – que se concretiza em guerra civil – entre as Elites e os Mercadores. A guerra civil teria aumentado o nível de democracia, etc. Após a guerra civil, o novo fôlego democrata, a Fundação se renovaria – e como inimigo apenas o Império decadente. E nenhuma palavra sobre o 'Mulo' ! O mutante que é uma variação, e causa uma variação... ele não foi previsto pelas equações da Psicohistória!


Seldon não previu o Mulo, mas a guerra civil – que quase se concretizou. Enquanto isso o pânico se alastra e Terminus sofre o primeiro ataque. O Mulo será mesmo o conquistador da Fundação, a tal 'invencível'? De fato é assim. Após a queda da Fundação, o Mulo se volta contra as forças da Federação dos Mercadores Independentes. (O Mulo cria uma 'realidade alterada' no mundo das equações de Seldon – onde após a guerra civil a Fundação retornaria aos ideais democráticos de um século e meio antes.)


Quando o planeta Terminus se rende sem lutar, apenas o planeta Haven resiste à expansão do Império do Mulo. Deve o planeta mercantil continuar a resistência? Ou se render tal como fizeram as forças da Fundação? O casal Toran e Bayta logo fogem – e não demora muito para que ela, Bayta, se torne conhecida – mas não tão 'popular' – em Haven, agora sob ataque.


Mas o derrotismo também se alastra em Haven! A produção bélica é insuficiente, o moral é baixo, existem dissidências. Por quanto tempo Haven continuará a ser uma Stalingrad? Único planeta na Periferia a não cair sob poder dos ambicioso Mulo, mas por quanto tempo? Nada adianta ter tropas e armas, se não há ânimo e crença na vitória...! (Sentimento belicioso que os oradores, warlords, sabem incentivar no povo, vide um Mussolini, um Hitler, um Churchill, um De Gaulle, etc)


Após a perda doo 'poder profético' de Seldon – que nunca poderia prever um ser mutante – os cidadãos da Fundação (e também os Mercadores) passam por um momento de frustração e insegurança, pois esqueceram o 'pensamento independente', e autonomia de ação – passaram a crer na própria religião que inventaram, onde Seldon figura como um... profeta!


Já psicólogo Mis não tem certeza que o Mulo seja mesmo um mutante – e que a Fundação deva ser mesmo derrotada – pois não acredita na invencibilidade do 'warlord': seria mais uma tática de propaganda. O poder do Mulo poderia ser meramente técnico – não mental – tipo uma máquina com radiação capaz de causar depressão mental, e assim tirar o ânimo dos inimigos. Afinal, a Fundação pouco resistiu – traição?


Desde que o Mulo prometesse garantir as propriedades das Elites, estas passariam a aceitar o poderio alienígena – independente da resistência do povo (qualquer semelhança com as 'quintas colunas' do fascismo-nazismo é mera coincidência?) E agora: onde está a Segunda Fundação? Questão que é essencial tanto para o conquistador quanto para os poucos resistentes. Dentre estes últimos os democratas do subterrâneo, os subversivos antes 'caçados' pelos Prefeitos e agora 'rastreados' pelos oficiais do Mulo.


Dentre os conspiradores um ao menos nós conhecemos. O Capitão Han Pritcher, que não aceita a hegemonia do Mulo, assim como não aceitava antes a dinastia dos Prefeitos-tiranos. Resistir ao Mulo – será isso possível? Assim como muitos democratas, socialistas e até comunistas trocaram de lado e seguiram o Führer Hitler em suas conquistas – pelo menos até 1943 – assim todos os opositores passam de inimigos a 'convertidos' do Mulo – que, certamente, sabe fazer seguidores...!


A conversão ao Mulo não é racional – é de todo emocional: aqueles que odiavam o Mulo, os que emocionalmente eram inimigos, passam a idolatrar o Mulo – é questão de converter o sinal negativo (a aversão) em positivo (a adoração). O ex-capitão, o militar da Inteligência, agora é um conspirador, com nova identidade – um simples operário numa fábrica de armamentos. Pronto para um ação conspiratória: um atentado contra o próprio Mulo !


Mas atentar contra a pessoa do Mulo mudaria alguma coisa? Afinal, o sistema é mais complexo que um indivíduo (Matar Hitler, como desejavam alguns oficiais alemãs, seria acabar com o Nazismo? Será que o Conde Stauffenberg pensou nisso?) Mas o Mulo ocupa mesmo o Palácio do Prefeito? O Mulo que é 'modesto' – nunca aparece em público, não faz pronunciamentos. Pois, o homem-bomba Pritcher adentra os jardins do Palácio-Prefeitura e pretende se explodir junto o odiado Mulo. Mas Pritcher encontra um tão somente vice-rei...


O vice-rei (ninguém menos que o 'warlord de Kalgan', o primeiro derrotado pelo mutante) ironiza a tentativa de atentado – já informado pelos espiões – e revela que o Mulo sabe reconhecer as qualidades dos inimigos e – tal um Big Brother, do 1984 de Orwell – 'converte' o talentoso adversário em eficiente seguidor!


Até porque a conquista da Fundação é apenas mais um passo para o conquistador – ele deseja imperar sobre toda a Galáxia! Um novo império – e 700 anos antes da 'profecia' do Plano de Seldon! Mas a que preço? A não-democracia, a ditadura do mutante que controla emoções, a submissão irracional de sistemas planetários inteiros! Até dos mundos dos mercadores – os últimos resistentes. Inclusive Haven, de onde fogem o casal e o psicólogo Mis, levando junto o clown do Mulo.


Em pleno “Interlúdio no Espaço”, temos a descrição de batalha espacial ao estilo que seria famoso no cinema com o sucesso de Star Wars e Star Trek (séries inclusive ironizadas pelo Autor Asimov que não perdoava o dramatismo, os excessos da space opera (ópera-espacial), e o som de disparos de laser, além de explosões no espaço, fenômeno absurdo visto que no quase-vácuo não há propagação de som, nem se inflamam os incêndios...) quando a imprensa do Mulo anuncia a derrota dos planetas dos Mercadores – Iss, Mnemon, Haven. Este último, sem luta.

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Mais sobre o sub-gênero Space Opera
http://pt.wikipedia.org/wiki/Space_opera


Enquanto os planetas Iss e Mnemon suportaram a luta por uns três meses -tanto Terminus quanto Haven caíram sem qualquer resistência significativa. Por que? O tal raio de 'Depressor de Vontade' não foi usado em Iss e Mnemon do jeito que foi usado em Terminus e Haven?


A nave da Bayta e Toran – com Mis e Magnifico a bordo – segue para Trantor, a grandiosa capital do Império Galáctico. E atravessam o que sobrou deste Império decadente e fragmentado. Atravessam territórios de 'reinos' e 'autarquias' – uma galáxia agora 'feudal', cheia de retalhos e 'warlords'. Tal qual percebemos no final do Império Romano, após a invasão dos povos 'bárbaros'...


Uma nave de inspeção aborda a nave de Bayta – tanto Toran quanto o clown são levados. Mas será mesmo uma nave de inspeção? Ou uma nave da Fundação – e, portanto, sob controle do Mulo? Um encontro casual – ou uma perseguição através do hiperespaço? Então por que a nave de inspeção permite que a nave de Bayta siga adiante? Para saber o destino dos viajantes...?

Mas o clown Magnifico confessa ter reconhecido o Capitão Pritcher entre os membros da tripulação. Por que o capitão seguiria os fugitivos? Ou o capitão é quem suspeita que os outros o estão seguindo?


O que encontram no planeta-cidade Trantor? Apenas ruínas. Depois do 'Grande Saque', ocorrido 4 décadas antes, pois assim como Roma sofreu com os saques dos bárbaros, Trantor sofreu com os ataques das guerra civil, que obrigou o último Imperador a se refugiar no planeta batizado de Neotrantor.


Trantor que foi capital do Império durante uns 2 mil anos e foi destruída em apenas um mês! E o que sobrou do vasto Império? Vinte mundos agrícolas ao redor de Neotrantor, nova morada do Imperador senil e seu filho proto-déspota. O humilhado Dagobert IX ainda espera 'vencer' os líderes da guerra civil, acontecida meio século antes.


Para narrar toda esta história – cada vez mais agigantada e detalhada! - o Autor usa e abusa de flashbacks para situar o leitor no meio das ruínas que sobraram do 'Grande Saque' (mais ou menos 250 Era Fundacional). O planeta Trantor apresenta 'lacunas' na carapaça de metal – e passa a permitir as práticas agrícolas – grandes fazendas...


Não mais uma capital, mas um mundo agrícola, Trantor jaz no isolamento. O povo de Trantor passa a exportar metal, chapas de aço já moldadas, e assim a terra é recuperada, exposta ao sol e preparada para o cultivo. Grupos de fazendeiros se auto-organizam. Uma nova Idade Média, um novo feudalismo. Do complexo a queda, o retrocesso ao simples. Nem hidroponia pôde ser conservada. Apenas o cultivo direto da terra. Uma cultura patriarcal se restabelece – o ciclo se reinicia – onde o artesanal substitui o industrial do antigo mundo sofisticado.

Esta ideia do ciclo – sofisticação e queda, e recomeço, até nova sofisticação e queda – morte de uma civilização e início de outra – é um tema presente em outra obras do Autor, tais como Fim da Eternidade e Cair da Noite.

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Mais info em
http://pt.wikipedia.org/wiki/The_End_of_Eternity
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nightfall
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Os estrangeiros visitam as ruínas da Universidade – aliás bem mais conservada que as demais áreas bombardeadas durante a guerra civil. No silêncio das ruínas irá trabalhar o último psicólogo da Primeira Fundação, o agora febril Ebling Mis. Enquanto isso o casal mantem a humilde morada, e o clown passa o tempo na biblioteca – aliás, videoteca – onde 'lê' romances projetados em tela...


A febre de pesquisa do psicólogo Mis torna-se um 'fanatismo' de intelectual, concentrado inteiramente na leitura dos textos antigos (de 3 séculos antes) quando dos estudos de Hari Seldon. Enquanto isso Mis perde o vigor físico e quase nem reconhece o casal, pois o pesquisador passa muito mais tempo em companhia do clown.


Poderá o psicólogo encontrar os registros sobre a localização da Segunda Fundação? Enquanto isso, aparece o Capitão Pritcher, agora coronel no Exército do Mulo. Um exército de 'controlados emocionalmente' – oficias fanáticos e incapazes de trair o líder! (Eis um poder que Hitler adoraria ter! Afinal, ele nunca conseguiu controlar plenamente os próprios generais!)


Segundo as palavras do convertido coronel Pritcher, “Eu quero dizer que isto [o controle emocional] é uma coisa fácil para ele ao instilar num general capaz, digo, a emoção de completa lealdade ao Mulo e a completa crença na vitória do Mulo. Seus generais são emocionalmente controlados. Eles não podem traí-lo; eles não podem se desanimar – e o controle é permanente. Seus inimigos mais capazes tornam-se seus mais fiéis subordinados. O senhor-da-guerra de Kalgan entregou o planeta e tornou-se o vice-rei da Fundação. […] A dádiva do Mulo funciona ao reverso ainda mais efetivamente. Desespero é uma emoção! No momento crucial, os homens-chaves na Fundação – homens-chaves em Haven – desesperaram. Seus mundos caíram sem muita luta.”
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“I mean that it is an easy matter for him to instill into a capable general, say, the emotion of utter loyalty to the Mule and complete belief in the Mule's victory. His generals are emotionally controlled. They can not betray him; they can not weaken – and the control is permanent. His most capable enemies become his most faithful subordinates. The warlord of Kalgan surrenders his planet and becomes his voctory for the Foundation.” p. 154

O convertido Pritcher explica as estratégias do poderoso Mulo para unificar a Galáxia sob a hegemonia do mutante. Um novo Império construído em menos de uma década e 7 séculos antes do Segundo Império profetizado pelo Plano de Seldon. Mas Pritcher não convence os fugitivos, os último resistentes, que desafiam o próprio Mulo, pois guardam uma última esperança: a revanche da Segunda Fundação.


Mis explica porque a presença do Mulo causa um desvio no Plano de Seldon – é algo 'imprevisto', tal qual uma 'nova tecnologia', e não poderia ser equacionada. Afinal de contas, telepatia não está entre os 'talentos' humanos... Ou seja, não são as armas do Mulo – inventadas por cientistas humanos – mas a singular mente do mutante! (Assim como não foi apenas a Blitzkrieg, com seus blindados e aviões-de-mergulho, que possibilitou as primeiras vitórias alemãs, mas as 'quintas-colunas', exércitos inteiros que se rendiam ao poder carismático do Führer.)


O pesquisador, nas sombras da Biblioteca, não passa de um anêmico semi-louco, obcecado em reconstituir a Psicohistória de Seldon. E parece não sobreviver sem a presença do clown Magnifico. Todos esperam a localização da Segunda Fundação, que seria um reduto de psicólogos, pois se a Primeira Fundação é um mundo de cientistas, físicos, engenheiros, etc, a outra Fundação é uma imagem invertida: um mundo de 'técnicos' do poder mental. Poder mental: justamente o que torna o mutante 'singular' e desvia os cálculos estatísticos – é uma variável não previsível.


Se a Segunda Fundação não derrotar o Mulo – o que acontecerá? É o fim da hegemonia do Homo Sapiens – e a ascensão de uma classe de 'convertidos mentais' e de uma raça de descendentes do mutante Mulo. Mas sendo estéril, e não deixando descendentes, o Mulo ao morrer apenas deixará um um império sujeito à fragmentação do poder entre os interesses dos generais e os 'senhores-da-guerra' (warlords), tal como a História registra a fragmentação do império de Alexandre Magno (356 – 323 a.C.) devido as lutas entre os generais. Todo este 'futuro distorcido' arruinará o Plano de Seldon e abandonará a Galáxia aos horrores da Barbárie.


Em semelhante crise, Bayta passa a ficar paranóica, a andar armada, temendo a chegada do Mulo. É quando Mis descobre onde está a Segunda Fundação e vai revelar ao casal e ao clown. Mas imediatamente Bayta o fulmina! Será Mis o Mulo? Ou será Bayta uma 'convertida' do Mulo?


Não. Mis não é o Mulo – pois teria percebido a emoção de Bayta e impedido o disparo. O Mulo só pode ser o tal clown! Onde o palhaço se 'desmascarou'? Naquele episódio em Neotrantor, quando a música composta pelo Magnifico acabou por matar o Príncipe imperial. Matou com a música ou com a força da mente?



Mas o Mulo confessa uma fraqueza: quer ser compreendido, quer ser aceito, ele que é o exótico, o bizarro, que despreza porque é desprezado! E ele narra a própria história ao casal. De como descobriu o efeito emocional que causa nos demais humanos 'normais', quando ele passa a 'condicionar' as emoções alheias! Toran, assim, descobre que tem sido controlado emocionalmente desde o primeiro encontro 'casual' com o clown lá nas praias de Kalgan.


Controle emocional? Exato. Pois bem, os concertos pop de visi-sonor promovidos para o 'talentoso' Magnifico era uma excelente (ainda que primitiva) forma de 'controle emocional' (aliás, como se percebe em shows musicais, onde os fãs se exaltam ou se deprimem estimulados pela performance do(s) artista(s)). Acontece que os shows ajudam a promover o derrotismo diante das forças do Mulo.


Enquanto isso o Mulo 'ativava' as potencialidades intelectuais do psicólogo Mis. Assim como potencializou a mente dos técnicos que criaram novas máquinas de guerra para os exércitos em Kalgan.


O próprio Mulo explica como vê a mente dos humanos comuns, “A mente humana funciona com baixa eficiência. Vinte por cento é o gráfico básico. Quando, momentaneamente, há um relâmpago de poder maior é denominado premonição, ou discernimento, ou intuição. Descobri cedo como poderia induzir a um uso contínuo da alta eficiência cerebral. É um processo fatal para a pessoa afetada, mas é útil – O depressor de campo atômico que eu usei na guerra contra a Fundação foi o resultado de alta-pressão sobre um técnico de Kalgan. Novamente eu trabalhei através de outros.” Aqui ele se refere-se, obviamente, ao psicólogo Mis.
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The human mind works at low efficiency. Twenty per cent is the figure usually given. When, momentarily, there is a flash of greater power it is termed a hunch, or insight, or intuition. I found early that I could induce a continual use of high brain-efficiency. It is a killing process for the person affected, but it is useful – The atomic field-depressor which I used in the war against the Foundation was the result of high-pressuring a Kalgan technician. Again I work through others.” p. 170

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O Mulo potencializa a mente de Mis, ainda que o corpo do psicólogo se fragilize em estresse e anemia. E quase por um instante, o Mulo teria conseguido a localização da Segunda Fundação. O erro do Mulo foi não ter 'condicionado' as emoções de Bayta – pois ela não o rejeitou, ao contrário o aceitou, se apiedou, sendo simpática e amável com ele. Assim, o Mulo se apaixonou!


Por ação providencial de Bayta, o conquistador Mulo não sabe onde fica a Segunda Fundação, e por cautela (afinal, ele desconhece o inimigo) resolve voltar para o planeta Kalgan e estabilizar a ordem nos mundos já conquistados. A expansão de seu poder será momentaneamente contido – até que ele possa descobrir e dominar – ou exterminar – a Segunda Fundação.


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