domingo, 20 de março de 2011

sobre ORLANDO - de Virginia Woolf (2:2)





Sobre “Orlando” (Orlando – A Biography, 1928)
da autora inglesa Virginia Woolf (1882-1941)


A Criação Literária enquanto ânsia de Imortalidade


2:2


De volta ao lar na Inglaterra, agora uma nobre que atrairá certamente muitos pretendentes, Orlando encontra-se entre a liberdade e os convencionalismos, entre o que aprendeu com os ciganos e a cultura inglesa.

O mundo inglês da época – passagem dos séculos 17 e 18 – é emoldurado com as referências aos poetas Marlowe, Shakespeare, Ben Johson, Milton – além dos eventos históricos, com referências a peste negra, ao Grande Incêndio (Great Fire, 1666), a reforma de London, no fim do século 17, quando se inaugura a 'grande metrópole' ( enquanto a de Lisboa seria em meados do século 18, sob direção do ministro Marquês de Pombal, e Paris em meados do século 19, sob direção do prefeito Haussmann)

Desta época é a célebre Cúpula de São Paulo (pelo arquiteto Christopher Wren) em London, em 1667, ou seja, após o Grande Incêndio , como um marco da nova arquitetura e do novo expansionismo global. Afinal, não havia mais Grande Armada espanhola, os holandeses estavam fora do jogo, e os franceses seriam derrotados em uma guerra de sete anos e dois continentes (no mais, Napoleão ainda não surgira...)


As referências culturais são novamente literárias – “Orlando” é um romance sobre um 'viciado em literatura', um doente das Letras, como sabemos. Temos referências aos poetas Addison, Dryden e Pope que viveram entre a Restauração (no século 17) e a Era Augustana (no século 18) Época em Já se fazia sentir a importância – isto é, a influência! - da obra de Shakespeare. Orlando reconhecer que “uma singela canção de Shakespeare tem feito mais pelos pobres e pelos perversos do que todos os pregadores e filantropos em todo o mundo” (“A silly song of Shakespeare's has done more for the poor and the wicked than all the preachers and philanthropists in the world.” p. 158)

Em semelhante elogio à obra shakespeariana, o reconhecimento dos literatos da Era Isabelina – tão desprezada pelo poeta-crítico Greene (que logo reaparecerá para assombrar-nos novamente!) - mostra o quanto a literatura e o olhar crítico sobre a obra literária pode ser mutável. A Literatura pode ser aqui simbolizada pelo próprio (ou própria) Orlando, que vive em constante mudança – de estilo e de gênero sexual.

Aliás, as relações entre Orlando e o Arquiduque (antes, a intrometida Arquiduquesa!) evidenciam as relações formais entre uma dama e um nobre, com todo um jogo social de etiqueta e formalismo, pois há toda uma padronização do comportamento sexual. Orlando precisa fugir às convenções, para fugir às propostas casadouras do nobre. Ele oferece fortunas, criados, feudos, títulos. Mas mostra-se incapaz de entender a independência de Orlando. (Afinal, o que os homens entendem de 'independência' feminina?)

Mas Orlando 'escapa' aos padrões de homem e mulher. Vive uma ambiguidade, sem se definir. Afinal, o sexo (a genitália) não define a sexualidade. “E aqui pareceria que de alguma ambiguidade em seus termos de modo que ela estava censurando ambos os sexos, como se não pertencesse a nenhum; e realmente, por algum tempo, ela parecia vacilar; ela era homem; ela era mulher; ela conhecia os segredos, compartilhava as fraquezas de cada um. Era o estado mental o mais confuso e vertiginoso que pode haver.”
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And here it would seem from some ambiguity in her terms that she was censuring both sexes equally, as if she belonged to neither; and indeed, for the time being, she seemed to vacillate; she was man; she was woman; she knew the secrets, shared the weakness of each. It was a most bewildering and whirligig state of mind to be in. p. 145


Orlando tem o pragmatismo masculino e a sensibilidade feminina. É externamente uma mulher, mas ainda conserva intimamente as lembranças das vivências de homem. O que não é de se estranhar - pois somos assim. Masculinos-femininos em sensíveis contradições. “Pois aqui novamente nós chegamos a um dilema. Apesar de diferentes, os sexos se misturam. Em cada ser humano há uma vacilação de um sexo a outro, e frequentemente é apenas as roupas que mantêm a aparência de macho e fêmea, enquanto por baixo é bem oposto do que se mostra por cima. [...] Pois havia nela [Orlando] esta mistura de homem e mulher, um sendo predominante e então o outro, que frequentemente dava uma mudança brusca em seu comportamento.”
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For here again, we come to a dilemma. Different though the sexes are, they intermix. In every human being a vacillation from one sex to the other takes place, and often it is only the clothes that keep the male or female likeness, while underneath the sex is the very opposite of what it is above. [...] For is was this mixture in her of man and woman, one being uppermost and then the other, that often gave her conduct an unexpected turn.” pp. 171-72


Orlando é um ser deveras ambíguo – hoje diríamos “andrógino”, “Se, então, Orlando era mais homem ou mulher, é difícil dizer e não pode ser decidido.” (“Whether, then, Orlando was most man or woman, it is difficult to say and cannot now be decided.” p. 172-73) e por isso encontrava-se sempre deslocada na vida social de London sob a Rainha Anna I, pelos idos de 1712, início do século 18, em meados do qual teremos as obras de Henry Fielding (“Joseph Andrews” e “Tom Jones”) e Samuel Richardson (“Pamela” e “Clarissa”) que podemos comparar (quanto às influências) com obras de Jane Austen (enquanto esta se dedica a descrever bailes, casais e as noções de etiqueta social...)

Sabemos bem que “Orlando” não é romance “realista”, está mais para 'simbolista'. A realidade da narrativa é mera 'miragem' – “Fazer um relato verdadeiro sobre a sociedade londrina, desta época ou de qualquer outra, está além dos poderes do biógrafo ou do historiador. Apenas aqueles que pouco precisam da verdade, e nem a respeitam – os poetas e os romancistas – podem confiar-se em fazer isso, pois este é um dos casos onde a verdade não exsite. Nada existe. A coisa toda é miasma – uma miragem.”
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To give a truthful account of London society at that or indeed at any other time, is beyond the powers of the biographer or the historian. Only those who have little need of the truth, and no respect for it – the poets and the novelistas – can be trusted to do it, for this is one of the cases where the truth does no exist. Nothing existis. The whole thing is a miasma – a mirage. p. 175


Assim é alegoricamente descrita a vida de Orlando na Era Augustana - pós-Restauração e antes da Guerra dos Sete Anos (1756-63) e da Revolução Francesa (1789-99) – quando a Grã-Bretanha toda poderosa estendia seu Império por todo o globo – tendo 'colônias de povoamento' no Canadá e nas Austrália – além de Nova Zelândia – e 'colônias de exploração' no Egito e Sudão, na África do Sul, na Índia e na Birmânia, além de dominar o comércio com sua marinha mercante.

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mais sobre as épocas nos videos
(inglês)
http://www.youtube.com/watch?v=juTfMyB52fQ
http://www.youtube.com/watch?v=juTfMyB52fQ
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filmes
Cromwell (1970)
http://www.youtube.com/watch?v=ps8i34jLFXc
Restoration (1995)
http://www.youtube.com/watch?v=yyRDbRjtcD8&feature=related
Barry Lindon (1975)
http://www.youtube.com/watch?v=qfvCjLgbpy0
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Em paralelo ao contexto literário segue o contexto histórico. Este paralelo é evidenciado em algumas passagens, onde a ironia desmascara os convecionalismos. Um exemplo: a função reprodutiva da mulher. A fertilidade do povo inglês seria um dos motivos para a expansão do Império! O Império é fruto do excedente populacional que precisava de outros territórios – ora, os ingleses foram certamente rápidos em conquistarem seu 'espaço vital'. [Coisa que os alemães tentaram fazer no início do século 20 e foram derrotados duas vezes pelos mesmos ingleses!]

Fertilidade da qual Orlando ainda não participa – recém-empossada em sua condição de mulher e futuramente esposa. A dama-leitora-escritora povoa o mundo não de crianças, mas de floreados literários. “A vida de uma mulher comum era uma sucessão de partos. Ela se casava aos dezenove anos e ela tinha quinze ou dezoito filhos até aos trinta anos; pois eram abundantes os gêmeos. Assim o Império Britânico veio a existir; e assim – pois havia uma umidade incessante; e esta se infiltra nas penas de escrita do mesmo modo que invade o madeiramento – as sentenças ficam inchadas, os adjetivos se multiplicam, os poemas se tornam épicos, e pequenas ninharias que antes ocupavam uma coluna estavam agora enchendo enciclopédias de dez ou vinte volumes.”
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The life of the average woman was a succession of childbirths. She married at nineteen and had fifteen or eighteen children by the time she was thirty; for twins abounded. Thus the British Empire came into existence; and thus – for there is no stopping damp; it gets into the inkpot as it gets into the woodwork – sentences swelled, adjectives multiplied, lyrics became epics, and little trifles that had been essays a column long were now encyclopaedias in ten or twenty volumes. p. 207

O Império se expande! Enquanto os capitães e marinheiros dominam o mundo, as senhoras tomam chás em cenas de salão : esperam-se os 'witties' ou 'mots', os ditos espirituosos num verdadeiro o jogo de salão – é toda aquela a etiqueta social também a ser tematizada por Proust na obra prolixa “Em Busca do Tempo Perdido”, na passagem do século 19 para o 20.
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sobre os autores mencionados
http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Dryden
http://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Addison
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexander_Pope

e
http://en.wikipedia.org/wiki/Henry_Fielding
http://en.wikipedia.org/wiki/Samuel_Richardson
http://en.wikipedia.org/wiki/Jonathan_Swift
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Os poetas da Era Augustana cultivavam uma poesia classicista e racionalista, sem ilusões (ilusões estas que nutrem o Romantismo e o Simbolismo...) e esquecem que a vida pode ser um amontoado de sensações e ilsuões. O poeta é o ser que anda a destruir ilusões – talvez para inventar outras, como diria um Nietzsche. Daí o perigo de se acompanhar um poeta – ainda mais depois da cena hilária, quando o poeta Pope lança aos convivas três 'mots' – isto é, ditos espirituosos - numa única noite!

Os estilos literários de Pope (em “Rape of the Lock”), de Addison (em “Spectator”) ou de Swift (em “Gulliver's Travels”) são comentados e parodiados com graça e muita ironia – afinal, a literatura aqui se debruça sobre a própria arte literária, e eis um assunto que a Autora domina. O quanto os poetas e literatos são egocêntricos e ao mesmo temo carentes de nossa atenção. O quanto as obras valem mais do que os autores – tão humanos quanto nós somos, e nada mais.


Assim também os literatos críticos – dois nomes surgem aqui: Dr. Johnson (1709-84) e seu biógrafo James Boswell (1740-95) - em cenas prosaicas e cotidianas. Assim também os reis, com sua Corte, e seus convivas, e suas amantes, todos estão na perspectiva do olhar de Orlando – existem como numa espécie de cenário – aliás, cenários que a protagonista vai atravessando, sem se apegar, ao longos dos séculos.

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mais sobre os literatos críticos
http://en.wikipedia.org/wiki/Samuel_Johnson
http://en.wikipedia.org/wiki/James_Boswell
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O tempo passa, a literatura se renova, a cada novo estilo em cada novo 'espírito de época' – agora em pleno 'fog' (névoa úmida e sombria) londrino (aliás, nada de romântico, visto ser resultado da poluição) na passagem do século 18 para o 19, na hoje chamada Revolução Industrial.

Orlando escreve poesia lírica romântica, em sua característica de exaltação à Natureza, com toques de meditação ou tons fúnebres – com relação tanto com os Graveyard Poets quanto com os ultra-românticos – basta comparar versos de Wordsworth, Keats e Byron com aqueles de Thomas Gray, Edward Young ou Robert Blair.

Mas uma questão prosaica, cotidiana, não permite o pleno lirsmo de Orlando: a questão do casamento. Afinal, ela sendo uma mulher não é de 'bom tom' ficar sem marido. Orlando hesita sempre, em plena perplexidade diante da importância que as outras mulheres concedem ao sagrado matrimônio.

Estamos (ela está) na época (nos preâmbulos da Era Vitoriana) de Jane Austen e das irmãs Brontë, além de Mary Wollstonecraft (a mãe de Mary Shelley, autora de “Frankenstein”), George Eliot e George Sand (escritoras com pseudônimos masculinos!), logo tudo faz sentido. A visão da mulher independente começa a surgir, algo que hoje chamamos de 'feminismo'.

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mais sobre as autoras
Jane Austen, irmãs Brontë, George Eliot, George Sand,
a feminista Mary Wollstonecraft
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Jane_austen
http://pt.wikipedia.org/wiki/Emily_Brontë
http://pt.wikipedia.org/wiki/Charlotte_Brontë
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Mary_Wollstonecraft
http://pt.wikipedia.org/wiki/George_Eliot
http://pt.wikipedia.org/wiki/George_sand
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Mas Orlando acaba se entregando a um Outro: o inusitado navegante Marmaduke Bonthrop Shelmerdine, que estabelece para si mesmo um objetivo na vida: cruzar o Cabo Horn, no extremo sul da América do Sul. Ponto geográfico remoto, meio às tomentas, como um símbolo do que sobrou de 'aventura' para os 'lobos do mar'.

Assim, mal encontrando-se casada, Orlando se percebe longe da proteção masculina (ou o que quer que isso signifique) e vive assim uma 'saudade' ou uma ansiedade pelo bem-estar alheio: a visão de um barquinho no lago do parque é um símbolo do barco onde o marido-marujo viaja no oceano agitado.

Enquanto o marido viaja pelos mares, Orlando se entrega a alguns versos acrescentados em seu secular poema “The Oak Tree”, ou O Carvalho, inspirado sob uma árvore desta espécie, ainda durante o reinado da Rainha Elizabeth. Em cada época ela assimila um tom estilístico e o poema sofre 'reformas', novas correções, estende-se, ou sofre cortes. Será a obra a 'imortalizar' a protagonista?

“Ela voltou-se à primeira página e leu a data, 1586, escrita com sua prórpia mão de menino. Ela tinha trabalhado neste poema por quase três séculos então. Já era tempo de finalizar. Enquanto ela começava se voltando e folheando e lendo e saltando páginas enquanto lia, o quão pouco ela tinha mudado em todo este tempo. Ela tinha sido um rapaz melancólico, apaixonado pela morte, como os rapazes são; e então ela havia sido amorosa e vistosa; e então ela tinha sido eufórica e satírica; e às vezes ela tentava prosa e às vezes ela tentava drama. Ainda através de todas estas mudanças ela tinha se mantido, ela refletia, fundamentalmente a mesma, Ela tinha o mesmo temperamento meditativo, o mesmo amor por animais e pela natureza, a mesma paixão pelo país e pelas estações.”
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She turned back to the first page and read the date, 1586, written in her own boyish hand. She had been working at it for close on three hundred years now. It was time to make an end. Meanwhile she began turning and dipping and reading and skipping and thinking as she read, how very little she had changed all these years. She had been a gloomy boy, in love with death, as boys are; and then she had been amorous and florid; and then she had been sprightly and satirical; and sometimes she had tried prose and sometimes she had tried drama. Yet through all these changes she had remained, she reflected, fundamentally the same. She had the same brooding meditative temper, the same love of animals and nature, the same passion for the country and the seasons. pp. 213-214
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Este 'diagnóstico' ds mudanças estilísticas de orlando parece-se muito com as mudanças da própria Literatura Inglesa ao longo dos séculos! Ora soturna, ora satírica; ora animada, ora depressiva. Dedica-se ora aos dramas, ora ao épico, ora aos poemas, ora ao romance. Dependem muitos os 'espíritos de época' e das mútuas influência entre os autores. Entre os séculos 16 e 17 a literatura se exibia em dramas ; nos séculos 17 e 18 viviam o tom épico e o classicismo; nos séculos 18 e 19 entregava-se ao sentimental, ora exaltado ora sombrio e melancólico; no fim do 19 e início do 20 testemunhava as crises de identidades dos sujeitos burgueses, com ênfase ora num realismo (contexto social) ora num psicologismo (o sujeito consciente-inconsciente).

Temos referências ao 'espírito de época' – algum tipo de pós-romantismo, apesar de não conhecermos qualquer simbolismo inglês – mas influenciado pelos românticos – agora 'clássicos'! Assim lembramos dos poetas da Natureza, Coleridge e Wordsworth; e das odes que singularizaram o poeta Keats. É um romantismo mais de 'lembrança' do que de vivência.

Temos as presenças de alguns contrastes, por exemplo, a descrição da Natureza em contraponto à invenção da locomotiva, ou o recolhimento no ato da Escrita (vejamos as irmãs Brontë e a norte-americana Emily Dickinson) em contraponto com o tumulto da metrópole (retratada nos romances de Dickens). Temos os manuscritos, os in-fólios em contraste com a produção em série de livros (agora de vários autores).

Mas o desejo de Orlando – agora num miríade de autores! - é e sempre foi o de ser lida. Que autor escreve para encher as gavetas? Pois, ela carrega consigo o manuscrito, escrito e reescrito durante uns três séculos! O manuscrito que clama por leitores!

“O manuscrito que repousava sobre o seu coração se agitava e batia como se fosse uma coisa viva, e, o que era deveras estranho, e mostrava o quanto havia de simpatia entre eles, Orlando, inclinando a cabeça, podia decifrar o que ele dizia. Ele queria ser lido. Devia ser lido. Ele morreria em seu peito se ele não fosse lido.”
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The manuscript which reposed above her heart began shuffling and beating as if it were a living thing, and, what was still odder, and showed how fine a sympathy was between them, Orlando, by inclining her head, could make out what it was that it was saying. It wanted to be read. It must be read. It would die in her bosom if it were not read. p. 245
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A literatura vitoriana com Dickens e George Eliot (além da influência francesa com George Sand) tem um momento de glória na prosa, o que ofuscou um tanto a presença dos poetas – não exatamente famosos quanto os românticos da geração anterior. Há boa poesia na Era vitoriana com a presença do casal Robert e Elizabeth Browning e o poeta Tennyson (famoso pelo poema épico “A Carga da Brigada Ligeira” / The Charge of the Light Brigade, 1885)

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mais sobre os poetas vitorianos
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfred_Tennyson
http://pt.wikipedia.org/wiki/Elizabeth_Barrett_Browning
http://pt.wikipedia.org/wiki/Elizabeth_Barrett_Browning
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sobre o romancista Charles Dickens
http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Dickens
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Então reaparece a figura do Crítico (o poeta-crítico Nick Greene, que surge e desaparece no Cap. 2) enquanto o literato conservador que sempre elogia o passado – se na época de Shakespeare ele elogiava os clássicos romanos e gregos, agora, no século 19, ele elogia o consagrado clássico Shakespeare!

Além do mais, agora, no século 19, literatura é outro produto, é status-quo, nada mais daquela, digamos, Arte pela Arte que exigiu a dedicação de literatos iluminados. Agora, a literatura é motivo para autores escreverem sobre autores, para editores selecionarem autores, para autores criarem obras populares e gerar lucro em grandes edições.

Literato dentro da mente de literato – a literatura faz auto-análise? - um enigma que atravessa o romance Orlando: quem era o poeta que Orlando viu quando era menino? Ver cap. 1, p. 22.; cap. 2, p. 75; Sentado, pensativo com uma pena em mãos. Não exatamente um nobre. Sério e marcante, não? Para ser lembrado durante toda uma vida de quase 4 séculos? Seria... seria William Shakespeare?! “Ou seria Sh – p - re? (pois quando falamos nomes que profundamente reverenciamos nós nunca falamos os nomes por inteiro)” (Or was it Sh - p – re? (for when we speak names we deeply reverence to ourselves we never speak them whole) p. 281)

Shakespeare : o enigma central do romance? Fato que o scholar Harold Bloom adoraria! Afinal, parece que – em muitos momentos – Orlando é uma homenagem a literatura inglesa PÓS-era isabelina, o que vale dizer PÓS-Shakespeare!

Uma digressão: sobre enigmas em livros, recordo-me agora de “Ulisses” de James Joyce. Ao longo do calhamaço há uma pergunta que não quer se calar: quem é o senhor de capa de chuva, o impermeável (macintosh) que o Sr. Bloom (o protagonista do romance, não o scholar) viu no cemitério durante o enterro do Sr. Paddy Dignam no episódio 6? é apenas uma brincadeira com o leitor? Ou faz alguma diferença?

Avancemos. O capítulo final de “Orlando”, cujo enredo já se situa na atualidade (no caso, a década de 1920, com o 'biógrafo' datando dois momentos da 'redação', no capítulo II é 1º de novembro de 1927, e no capítulo VI é 2 de março de 1928, ou seja, quatro meses para concluir a escrita), o estilo já é do psicologismo moderno – materializado nos 'romances psicológicos' - que imortalizou a própria Virginia, além de Catherine Mansfield e a ucraniana-brasileira Clarice Lispector. Na Poesia o estilo é encontrado nos versos de Marianne Moore, Elizabeth Bishop, Sylvia Plath, Hilda Hilst (na primeira fase) dentre outras. Um lirismo de investigação do que seria o 'Eu' : um desejo de dizer-se? uma obsessão? Uma ilusão?

Quantas 'pessoas' eram a jovem (35 anos? 350?) Orlando? (Pergunta que o poeta Fernando Pessoas devia se fazer diariamente... Também o poeta brasileiro modernista Mário de Andrade confessava que “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta”... ) Ela se sente múltipla, e logo cansa de 'Eu' já muito usado, apresentado aos outros...
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“Então ela chamava ainda hesitando, como se a pessoa que ela quisesse não estivesse lá, 'Orlando?' Pois se haviam (por ventura) setenta-e-seis diferentes tempos estão tiquetaqueando na mente de uma vez, quantas diferentes pessoas não haveriam lá - os céus nos ajudem! - todos tendo alojamento num momento ou outro no espírito humano? Algumas pessoas dizem duas mil e cinquenta-e-dois. Assim é a coisa mais usual do mundo que uma pessoa chame, ainda mais sozinha, Orlando (se este for o nome) querendo dizer, Venha, venha! Estou cansada deste eu particular. Eu quero outro.”
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Then she called hesitatingly, as if the person she wanted might not be there, 'Orlando?' For if there are (at a venture) seventy-six different times all ticking in the mind at once, how many different people are there not – Heaven help us – all having lodgment at one time or another in the human spirit? Some say two thousand and fifty-two. So that it is the most usual thing in the world for a person to call, directly they are alone, Orlando? (if that is one's name) meaning by that, Come, come! I'm sick to death of this particular self. I want another. p. 277
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Numa estilística inovadora e ousada para a época, as personagens eram descritas (pouco reveladas) de 'dentro para fora', onde o mundo psíquico tem predominância sobre o 'mundo observável', e a (assim denominada) Realidade se fragmenta em 'subjetivismos' – a um 'mundo' para cada ser que o 'observa'. Mais 'sintomático' do estilo seria o romance da própria Viriginia, “The Waves”, de 1931.

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Mais sobre as autoras mencionadas
http://pt.wikipedia.org/wiki/Katherine_Mansfield
http://pt.wikipedia.org/wiki/Clarice_Lispector
http://pt.wikipedia.org/wiki/Marianne_Moore

http://pt.wikipedia.org/wiki/Elizabeth_Bishop
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sylvia_Plath
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hilda_Hilst
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filme baseado na vida de Sylvia Plath
http://www.youtube.com/watch?v=zpvEwrXYLGI&feature=related
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sobre The Waves (1931)
http://en.wikipedia.org/wiki/The_Waves
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mais sobre o romance psicológico
http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=337&Itemid=2


Percebemos que o psicologismo se nutre bastante de um tipo de Idealismo – aquele mesmo de alguns contos de Jorge Luís Borges, que oscilam entre o onírico e o possível. A busca de um mundo do sensível onde se situa o Eu nem sempre 'lúcido', nem sempre 'coerente'. O mundo é algo em si-mesmo? Ou é tal como aparece para um Eu qualquer?

O mesmo Idealismo presente em certos 'princípios' do Existencialismo, mais precisamente na chamada Fenomenologia (os estudos de Husserl e do discípulo Heidegger, que atualizam a platônica distinção entre Ser e Aparência – que tem encantado tanto os místicos, os gnósticos, os kabalistas, os esotéricos em geral – entre o Mundo-em-si e o Mundo-para-quem-o-ver.

Como já vimos, o Realismo (com seu materialismo) pretende mostrar o Mundo em si, enquanto coisa (enquanto Kant já dizia que o se vê é o 'fenômeno', nunca o 'nômeno', a coisa-em-si.) Já o Simbolismo (com seu idealismo) pretende mostrar o mundo enquanto sensação, enquanto 'fenômeno' mesmo, sendo um mundo-para-a-Consciência (assim como encontramos nos escritos de Husserl, Sartre, Merleau-Ponty)

O Existencialismo pretende evitar o Solipsismo do Eu enquanto o único 'foco' da Realidade – 'o que Eu vejo é o mundo' – com a ideia de o Eu ser construído pela interação com os Outros, o Eu-para-o-Outro (ainda que “o inferno sejam os outros”) assim temos não solipsismo, mas Alteridade.
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Texto interessante sobre a Questão da Individualidade
(questão frágil tanto sob os interesses da 'direita' quanto da 'esquerda')
http://www.ssrevista.uel.br/c_v1n1_individualidade.htm
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mais sobre a
Fenomenologia
na
Wikipedia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fenomenologia
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Mas como seria o mundo sem o olhar humano? As coisas sem os olhos humanos que podem 'humanizar' pedras e objetos? A coisa-em-si pode se manifestar? Como são as coisas sem os olhares da consciência?

Temos uma parte de To The Lighthouse (Parte 2, O Tempo passa) onde a casa desabitada é atravessada pelo facho de luz do farol, enquanto os cômodos com seus móveis lá permanecem abandonados à própria decadência. A voz narrativa apresenta um mundo sem a presença humana, seria mais uma 'casa desumanizada', não passando de uma coisa, uma ruínas em potencial. A casa só é humana com uma função humana, ou seja, quando é justamente habitada.

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traduções de trechos de To The Lighthouse
http://leoleituraescrita.blogspot.com/2010/11/rumo-ao-farol-virginia-woolf-trechos-1.html
http://leoleituraescrita.blogspot.com/2010/11/to-lighthouse-time-passes-trecho2.html
http://leoleituraescrita.blogspot.com/2010/12/to-lighthouse-trechos-virginia-woolf.html
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As ambiguidades afetivas e sexuais da protagonista se misturam com as ambiguidades da própria literatura – igualmente, digamos, bi-polar, ora exaltada,ora melancólica; ora dionisíaca, ora apolínea; ora classiscista, ora romântica. Ao mesmo tempo em que procura uma inovação em constante Mudança, a literatura assegura suas raízes na Tradição – muda apenas para continuar a mesma – adaptando-se às épocas – os contextos – de sua criação, a testemunhar os desassossegos humanos.

Inquietações estas mais sensíveis aos olhares e afetos dos literatos, dos poetas e dos romancistas, tal o talento de uma leitora-escritora Virginia Woolf (carregando em si-mesma as mesmas turbulências, até uma desistência de existir), que conseguem testemunhar o que jaz dentro, ou circula ao redor, trazendo à consciência o que é apenas um mal-estar, um desordenamento, uma quase-anomia. A perda das identidades – o que quer que seja isso 'Identidade' – ao longos dos séculos – desde Shakespeare? - é evidenciada nos escritos pela técnica psicologista onde as personagens são os espelhos que refletem as nossas íntimas suspeitas de que não somos exatamente quem pensamos ser.



mar/11


por Leonardo de Magalhaens

http://leoliteraturaescrita.blogspot.com/



links


REFERÊNCIA

WOOLF, Virginia. Orlando – A biography. London: Hogarth Press, 1960.




Notas


(1)Sobre as obras – e os 'narradores' - de Mary Shelley, Emily Brontë, Henry James e Machado de Assis, ver os meus ensaios anteriores, nos links,

http://meucanoneocidental.blogspot.com/2010/11/sobre-frankenstein-de-mary-shelley-13.html
http://meucanoneocidental.blogspot.com/2010/05/sobre-o-morro-dos-ventos-uivantes-1-de.html

http://meucanoneocidental.blogspot.com/2010/11/sobre-volta-do-parafuso-de-henry-james.html
http://leoleituraescrita.blogspot.com/2010/11/sobre-dom-casmurro-de-machado-de-assis.html


(2)vejamos alguns trechos de Igitur , obra poética em prosa, entre simbolista e soturna, do poeta francês Stéphane Mallarmé

I - A MEIA-NOITE
(fragmento)

Certamente subsiste uma presença de Meia-Noite. A hora não desapareceu por um espelho, não está oculta em tapeçarias, a evocar um mobiliário através de sua vazia sonoridade. Recordo-me que o seu ouro dissimularia, na ausência, uma jóia nula em fantasia, rica e inútil sobrevivência, a não ser que, na complexidade marinha e estelar de uma ourivesaria, se lesse o infinito acaso de conjunções.


Revelador da Meia-Noite, ele jamais, então, indicou semelhante conjuntura, pois aqui está a única hora que criou: e que, do Infinito, as constelações e o mar se separem, permanecidos, na exterioridade, recíprocos nadas, para lá deixar a essência, à hora unida, forjar o presente absoluto das coisas.


V - ELE SE DEITA NO TÚMULO

Sobre as cinzas dos astros, as indivisas da família, estava o pobre personagem, após haver bebido a gota de nada que falta ao mar. (O frasco vazio, visão, loucura, tudo o que resta do castelo?) O Nada tenho partido, resta o castelo da pureza.


(Do poema-prosa Igitur, ou A Loucura de Elbehnon, de Mallarmé)


Tradução: José Lino Grunewald



(3)Sobre a idealização lírica da Natureza, vejamos alguns versos de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)


Os poetas místicos são filósofos doentes, E os filósofos são homens doidos. Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem E dizem que as pedras têm alma E que os rios têm êxtases ao luar. Mas as flores, se sentissem, não eram flores, Eram gente; E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras; E se os rios tivessem êxtases ao luar, Os rios seriam homens doentes.
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