sexta-feira, 7 de maio de 2010

sobre 'O Morro dos Ventos Uivantes' - 1 de 2







sobre O Morro dos Ventos Uivantes
(Wuthering Heights, 1847)
da autora britânica Emily Brontë (1818-1848)

O Clássico do Amor enquanto Obsessão

1 de 2

O Clássico enquanto realidade concentrada em si-mesma tem como característica um certo mundo limitado, com personagens emaranhadas em egoísmos, caídas nas masmorras do solipsismo, sem comunicação possível, às voltas com problemas íntimas, mais do que problemas 'sociais'. Ainda que toda psicologia seja social (o indivíduo vive num coletivo) o Clássico do Romantismo é tão 'psicologista' que faz o/a Leitor/a esquecer o 'mundo lá fora', a não ser quando realmente essencial para a trama.


A ênfase no psiquismo das Personagens tem tanta importância que o social e o descritivo se encontram condicionados aos 'estados de espírito' (ou digamos, humour) das pessoas em conflitos, num ponto de partida que levará aos romances psicológicos do século 20, tais como aqueles de Henry James, Knut Hamsun, Marcel Proust, Virginia Woolf, ou Clarice Lispector. A percepção de que não havia realmente um indivíduo (ou seja indivisível) mas uma 'pluralidade' de reações e até personalidades que se manifestavam numa única pessoa.

Também pode-se fazer uma leitura 'moral' dos romances clássicos do século 19, onde as histórias de excessos, ambição, paixões, adultério, etc, sempre acabam em tragédia. Assim, há toda uma 'moral da história', onde o leitor – e principalmente, a leitora – é aconselhado/a a ser honesto/a, moderado/a, discreto/a, resignado/a, fiel, etc., senão poderá sofrer um fim trágico igual ao do ambicioso Julien Sorel, do vingativo Heathcliff, da infiel Madame Bovary, da apaixonada Anna Karenina, do megalomaníaco Raskolnikov, etc., que viveram 'fora das regras' e pagaram por este 'desvio' com a própria vida.

Pagar com a própria vida é uma 'imagem' forte. Algo de sacrifício por amor – ou por vício. Algo de redenção – morrer em lugar do(s) outro(s). Algo de perder-se em busca de um além (da vida, da realidade, etc). Sofrer de amor e morrer. A paixão avassalacora que ousa contra tudo e incendeia-se, a consumir-se nas próprias chamas. As imagens fortes, os amores pungentes, as personagens passionais – tudo o que se espera de uma obra romântica, ao estilo de Lord Byron: amores não correspondidos, casais obrigados a se separarem, famílias rivais. Ingredientes disponíveis desde “Tristan e Isolda” ou “Romeu e Julieta”.

As imagens em Wuthering Heights são fortes, pungentes, carregadas de uma atmosfera romântica gótica, trêmula sob os ventos uivantes que assombram os recém-chegados. Ou o recém-chegado, o Sr. Lockwood, o novo inquilino. A narração em 1a pessoa, feita pelo Sr. Lockwood, ressalta este efeito. O vento uivante a sacudir as janelas, o clamor da ventania a invadir a casa antiga, no alto do monte. As dimensões das colinas e campinas, a atmosfera em turbulências a humilhar a presença humana. Há um mundo lá fora, com certeza. Mas as descrições são psciológicas – refletem as angústias pessoais, subjetivas.

Sr. Lockwood explica o adjetivo “wuthering” no nome da residência do Sr. Heathcliff, “'soprante'/'uivante' sendo um significativo adjetivo provinciano, a descrever o tumulto atmosférico que nesta estação se apresenta como um tempo tempestuoso.” (“'wuthering' being a significant provincial adjective, descriptive of the atmospheric tumult to which its station is exposed in stormy weather.” cap. I, p. 20)

A descrição minuciosa do casarão de Wuthering Heights cria a atmosfera e o cenário onde ocorreu todo o drama. “Ocorreu”, pois a narrativa aborda um passado que condiciona o sofrimento presente das personagens. Estas têm descrições do caráter e do físico, mente e corpo, de forma direta, como seres num palco. Depois as ações mostrarão que não são exatamente o que parecem – ou demasiadamente o que parecem.

Por exemplo, a descrição física do Sr. Heathcliff : “Ele é um cigano de pele escura na aparência, com modos e vestes de um fidalgo: isto é, tão fidalgo quanto são os muitos proprietários rurais: antes um desleixado, talvez, ainda que não levando a mal a sua negligência, pois ele é uma figura altiva e de boa aparência; e um tanto sombrio.” (“He is a dark-skinned gipsy in aspect, in dress and manners a gentleman: that is, as much a gentleman as many a country squire: rather slovenly, perhaps, yet not looking amiss with his negligence, because he has an erect and handsome figure; and rather morose.” p. 21)

Adjetivos são importantes, aqui. 'slovenly': desleixado, relaxado ; 'morose': deprimente, sombrio ; assim o novo inquilino observa o senhorio da propriedade rural. Ao seu lado, o servo Joseph, um 'cão de guarda' fiel, é 'hale and sinewy', isto é, robusto e vigoroso, e 'well braced', de braços fortes.

A solidão é um 'lugar comum' no ambiente soturno, o próprio narrador (Sr. Lockwood) confessa-se um 'retraído', “Eu confesso com vergonha – retraído friamente em mim-mesmo, tal um caracol; a cada olhar afastado com frieza e mais distante; (...) Por tal curiosa virada de ânimo eu ganhei a reputação de insensível; quão imerecido, em solidão eu posso apreciar.”(“I confess it with shame – shrank icily into myself, like a snail; at every glance retired colder and farther; (...) By this curious turn of disposition I have gained the reputations of deliberate heartlessness; how undeserved, I alone can appreciate” cap. I, p. 21)

O modo de Narrativa não é um detalhe numa Obra deste porte. No modo onisciente, de 3a pessoa, o Narrador saberia demais, e despertaria pouca 'simpatia'. Não que o/a Leitor/a deva 'gostar' do Narrador, mas ter uma relação de 'crença' que não seja apenas condescendência. A Narrativa em 1a pessoa, quando a Voz sofre também nas tessituras do enredo, cria uma 'empatia' maior. Esta Narração em 1a pessoa destaca-se nos exemplos 'góticos' de “Frankenstein”, “Dracula”, e nos contos de E A Poe. (Em breve, um ensaio sobre cada obra...)

A reclusão do Sr. Heathcliff mantida pelos cães nada amistosos, “Não sabemos como receber visitantes”, ele diz. Realmente Heathcliff tem 'cara de poucos amigos' e dá uma lição de misantropia no recluso inquilino. O Sr. Lockwood tece comparações entre ele mesmo e o Sr. Heathcliff quanto ao quesito 'misantropia',”Estou perplexo em quão sociável eu venho me sentir em comparação com ele.” (“It is astonishing how sociable I feel myself compared with him.” cap. I, p. 23)

A Narração – que além de Lockwood – tem outras 'vozes' apresenta outros recursos. Descrições subjetivas, fala rural, imprecações. A fala rústica de Joseph, o criado, vem representar o 'dialeto rural' inglês do século 19. Onde 'nobbut' é 'nobody' ; 'niver mend' é 'nevermind'... Muitas vezes difícil e incompreensível para leitores do english padrão.

Lockwood, logo na primeira visita, encontra a beleza reprimida e o jovem humilhado: Cathy 'the little witch' e Hareton Earnshaw. Ela não é a filha do proprietário, e muito menos ele, Hareton, que não quer ser tratado como se fosse um criado. Estas estranhas personagens vai despertar a curiosidade do novo inquilino e gerar a narrativa – quando ele, Lockwood ouvir os eventos narrados por Nelly, ou que Nelly ouviu narrados por outros criados. É um jogo de 'vozes narrativas' um tanto confuso. E não há Narrador onisciente. Mesmo o Sr. Lockwood se deixa envolver, não se pode confiar nele.

É a própria narração – enroscada na subjetividade – que gera a 'atmosfera gótica', quando Lockwood adentra o casarão e, abrigado no quarto, descobre (entre os livros de Catherine) as notas de diário, com descrição narrativa de cenas do cotidiano. O diário é também uma 'narrativa em 1a pessoa' – e com os mesmos efeitos dos contos de Poe – o que vem gerar os pesadelos depois narrados,

“O que mais poderia ter causado a mim tão terrível noite? Não me lembro de outra que sirva de comparação desde que eu fui capaz de sofrer.”(“What else could it be that made me pass such a terrible night? I don't remember another that I can at all compare with it since I was capable of suffering.” cap. III, p. 34)

O pesadelo de Lockwood com o fantasma de Cathy – o grito atrai a presença soturna do Sr. Heathcliff, “Quem mostrou ao Sr. este quarto?” e o inquilino precisa enfrentar o insociável Sr. Heathcliff irritado com o 'hóspede' (cap. III, p. 39)

Em epigramas, reconhece o Sr. Lockwood, que “um homem sensível deveria encontrar companhia suficiente consigo mesmo” (“A sensible man ought to find sufficient company in himself”)

“Quão variáveis somos!” desabafa o recluso Sr.Lockwood, determinado a evitar o contato social, mas a tentar conversação com a criada, Ellen Dean, que mora há 18 anos na Granja Cruz dos Tordos (Thrushcross Grange) Por qual motivo terá Heathcliff alugado a Granja e decidido morar na Colina dos Morros Uivantes (Wuthering Heights), que é consideravelmente inferior quanto a comodidade?

Mas a criada Nelly, ou Sra. Dean, aconselha o Sr. Lockwood a ficar longe do Sr. Heathcliff, “Áspero igual lâmina de serrote, e duro igual pedra de amolar! O melhor é não lidar com ele.” (“Rough as a saw-edge, and hard as whinstone! The less you meddle with him the better” cap. IV, p. 43)

Podemos comparar a voz narrativa de Lockwood com a moça preceptora no clássico sombrio de Henry James, “The Turn of the Screw” (A Volta do Parafuso), que leva o enredo para o subjetivismo, onde tudo pode não passar de uma ilusão, uma alucinação. A figura de Heathcliff existe para o/a Leitor/a apenas nas falas de Nelly (e de depois carta de Isabella, falas da criada Zillah) e na escrita do Sr. Lockwood. Há todo um filtro de 'subjetividade'.

Desde o início, a chegada de Heathcliff causa desequilíbrio na família Earnshaw – os filhos Hindley (14 a) e Cathy (10 a) passam a disputar o afeto dos pais.

Com a morte do Sr. Earnshaw, Hindley – que sempre odiou Heathcliff – passa a humilhar o 'filho adotivo' explicitamente, o que gera todo o rancor de Heathcliff, que vai crescer com dureza de coração e profunda amargura, “ele cresceu amargurado a remoer as injúrias” (“he grew bitter with brooding over these injuries” p. 46) Assim Heathcliff não era grato ao pai adotivo, era um menino insensível, “he was not insolent tho his benefactor, he was simply insensible.” (p. 47)

Quando Nelly descreve a menina Cathy, curiosa quanto ao novo menino na família, os adjetivos apresentam uma criança inquieta, em travessuras, falando, cantando, praguejando, mas com olhos acessos, sorriso amável, ágil e desafiadora. E muito afeiçoada a Heathcliff. (“She was much too fond of Heathcliff. The greatest punishment we could invent for her was to keep her separate from him: yet she got chided more than any of us on his account.” cap. V, p. 49)

No cap. VI quando o Sr. Earnshaw morre (dois ? três? anos após a adoção de Heathcliff) o jovem Hindley (18 a ?) volta para casa, com uma 'esposa', Frances (união que o pai certamente não teria aprovado...) Jovem, complexada, cheia de temores. Percebe-se que Nelly não se simpatiza com a recém-chegada. “Nós, em geral, não toleramos estranhos aqui, a menos que eles nos tolerem primeiro.” (“We don't in general take to foreigness here, Mr. Lockwood, unless they take to us first.” cap. VI, p. 51)

Hindley não hesita em rebaixar Heathcliff à serviçal. E Heathcliff tolera tudo, pois tem Cathy ao seu lado. Prometem ser obstinados e selvagens. Sofrem, mas se consolam juntos. (“Heathcliff bore his degradation pretty well at first, because Cathy taught him what she learnt, and worked or played with him in the fields. They both promised fair to grow up as rude as savages;” cap. VI, p. 52)

Surge a primeira referência à Thrushcross Grange, Granja Cruz dos Tordos, a residência dos Linton (a mesma mansão alugada ao Sr. Lockwood, a ouvir a narração de Nelly) É ali que Cathy e Heathcliff encontram os irmãos Edgar e Isabella. Crianças comportadas e mimadas, totalmente diversos dos 'rústicos' habitantes do Morro dos Ventos Uivantes. Heathcliff admira o estilo de vida menos opressivo dos Linton. Mas não significa que sinta inveja dos Linton!

Os Lintons se assustam ao reconhecerem Cathy correndo pelos campos em companhia de um 'cigano'. Acolhem a moça, mas expulsam o 'adotado'. O mundo dos 'bem nascidos' a excluir, a segregar – e depois sofrerá as consequências! Quem pratica violência se arrisca a sofrer violência.

Com o tempo, Cathy a conviver mais com os Lintons, numa atmosfera mais 'refinada' do que aquela de Wuthering Heights, seu modo de viver se modifica. Cathy aceita a paixão de Edgar Linton e assim magoa o irascível Heathcliff. Mas Cathy não sabe ser feliz: teme a felicidade! Imagina-se 'feliz' com Edgar – vida cômoda, normal, etc – e teme justamente esta vida! Cathy quer o romantismo selvagem dos ventos uivantes.

Para Cathy o inquieto Heathcliff é sua 'alma gêmea' – a parte indomada que poderá trair o marido. Mas ao ouvir – de forma sorrateira – a conversa de Cathy e Nelly, na qual se decide pelo casamento com Edgar, o atordoado Heathcliff imediatamente abandona Wuthering Heights.

No cap. X o Sr. Lockwood está doente, e chama Nelly para continuar a triste história da família de Wuthering Heights. A narrativa prossegue, com um tom ressentido por parte da criada. “Bem, nessa travessia contamos é conosco mesmos. Os bons e generosos são apenas mais egoístas que os que dominam.” (“Well, we must be for ourselves in the long run; the mild and generous are only more justly selfish than the domineering;” p. 89) Mesmo os 'mocinhos' são difíceis de admirar. Nelly descreve o egoísmo da vida íntima de Catherine e Edgar. [Assim são os gentleman! Vinte e quatro horas observados e invejados por seus serviçais!]

Heathcliff retorna depois de 3 anos. Distinto e civilizado – e de tal forma que até surpreende o 'gentleman' Linton. Heathcliff retorna, aluga um quarto em Wuthering Heights, empresta dinheiro a Hindley (cada vez mais arruinado) e continua a visitar Catherine. Ao mesmo tempo, Isabella, a irmão de Edgar, sente-se atraída pelo excêntrico visitante. Catherine avisa à Isabella, e pede ajuda a Nelly, “Diga a ela o que Heathcliff é: uma criatura não regenerada, sem fineza, sem educação: um ermo árido de ervas daninhas e pedrs cortantes.”(“Tell her what Heathcliff is: an unreclaimed creature, without refinement, without cultivation: an arid wilderness of furze and whinstone.” cap. X, p. 97) Sabendo da paixão de Isabella, o ambicioso Heathcliff já arquiteta planos para seduzir a herdeira dos Linton, enquanto Nelly desconfia e pressente o 'pesadelo': a vingança do humilhado 'filho adotivo'.

A Narrativa de Wuthering Heights mostra uma variedade interessante de 'mise en scene', onde temos a Voz Narrativa do Sr. Lockewood a reproduzir a Voz narrativa de Nelly Dean, que por sua vez reproduz as Vozes narrativas de Cathy, Heathcliff e Isabella. Não temos um Narrador 'confiável', que tudo sabe, mas 'testemunhas oculares' (tanto Nelly quanto Isabela) que são registradas pelas notas do Sr, Lockwood, o 'Narrador-mor'.

Então, se temos uma carta de Isabella, o esquema básico seria: a carta dentro da narrativa de Nelly, por sua vez dentro da narrativa/escrita do Sr. Lockwood. Não temos a carta de Isabella diante dos olhos, mas o relato de um relato, o que o Sr. Lockwood lembra do que Nelly lembra da carta lida.

Nelly lembra que a 'estória' é longa (p. 139) E é triste, “My history is dree”, ao que Lockwood responde, “Dree, and dreary!”

No cap. XIV Heathcliff ironiza a paixão/idealização de Isabella, que fugiu com ele, “Isabella tinha a louca ideia de que eu era herói de romance ('hero of romance', p. 135) A Srta. Isabella não quer acreditar que Heathcliff seja 'mau' e vingativo como todos afirmam. E se revolta contra os conselhos de Nelly. “Quanta maldade sua em querer me convencer de que não há felicidade no mundo!” (“What malevolence you must have to wish to convince me that there is no happiness in the world!” cap. X, p. 99) [O que a leitura não causava de dano às pobres mocinhas do século 19! Hoje em dia são os filmes piegas, os romances apimentados e as novelas globais!]

Depois da fuga, Isabella percebe o quanto foi enganado pelo 'heróico' Heathcliff. E escreve uma longa carta para a Srta. Dean. Quanta diferença no 'tom', nada mais de desafio, apenas lamúrias.
“Será o Sr. Heathcliff um homem? Se sim, ele é louco? E se não, ele é um demônio? Eu não direi as razões das perguntas; mas, eu te imploro para que explique, se puder, com o que eu casei (...)”
Is Mr. Heathcliff a man? If so, is he mad? And if not, is he a devil? I shan't tell my reasons for making this inquiry; but, I beseech you to explain, if you can, what I have married (...)” cap. XIII, p. 124)

Isabella realmente não acreditava na maldade de Heathcliff, visto que ela se deixou levar por uma 'idealização' do 'mocinho' – então, depois das expectativas frustradas, ela se arrepende de haver fugido com o 'vilão'. O próprio Heathcliff não hesita em ironizar a 'mocinha ingênua', “Ela me imaginava como um herói de romance”, só não diz quais romances. Ele seria facilmente identificado com um personagem byroniano, muitas vezes 'anti-herói', tal um Don Juan...

“Ela abandonou a todos devido a um ilusão,” ele respondeu; “de imaginar em mim um herói de romance, e esperar ilimitadas indulgências de minha devoção de cavalheiro.”
She abandoned them under a delusion,” he answered; “picturing in me a hero of romance, and expecting unlimited indulgences from my chivalrous devotion.” (cap. XIV, p. 135)

Interessante que o simples fato de surgir este 'hero of romance' na fala de Heathcliff explicita a presença da Metalinguagem. Afinal, estamos lendo um Romance onde Heathcliff é o (anti)herói! A leitura de outros romances influenciam as personagens de um romance – que o/a Leitor/a precisa julgar 'reais', esquecer que não passam de 'heróis de romance'! Um romance criado a partir das leituras de romances? Certamente, visto a precocidade da Autora Emily Brontë, que certamente não teve experiência de vida para 'vivenciar' ou 'presenciar' eventos semelhantes, para registrar ou se inspirar.

As tragédias se sucedem, com as brigas de Heathcliff e Edgar por causa de Cathy e Isabella, depois, já adoentada, Catherine recebe a notícia da 'fuga' de Isabella com o Sr. Heathcliff (muito interessado na herança da Miss Linton...) Mas a 'fuga' dura muito pouco. Heathcliff – dois meses depois – volta à Wuthering Heights – e deseja rever Catherine. Ele não hesita em pressionar a criada Nelly (a mesma que narra tudo ao Sr. Lockwood) para que ela possa 'facilitar o acesso' à mansão dos Lintons.

Impulsivo, Heathcliff invade os aposentos de Cathy, e enfrenta os ressentimentos dela. Heathcliff insiste que ela 'se matou' ao desprezar o 'amor' que prometiam eternamente um ao outro.
Ouvindo semelhante sucessão de tragédias, o Sr. Lockwood se impressiona com a longa e sofrida narrativa da decadência das famílias Earnshaw e Linton. Ellen diz que a história é 'dree', i.e., terrível, desoladora, tenebrosa, e o Sr. Lockwood concorda, “Tenebrosa, e assustadora!”
My history is dree, as we say, and will serve to while away another morning.”
Dree, and dreary! I reflected as the good woman descended to receive the doctor; and not exactly of the kind which I should have chose to amuse me.” (cap. XIV, p. 139)

O Sr. Lockwood pode até achar a história 'nada divertida', mas não hesita em escrevê-la, a partir das narrativas de Elle – é uma narrativa sempre dentro da outra, e tudo sob o pseudônimo 'Ellis Bell', usado pela Autora Emily Brontë.

Ainda mergulhada na demência, Cathy vem a morrer, o que precipita o irascível Heathcliff num furor apaixonado contra o céu e a terra. É a invocação ultra-romântica e gótica do Amante que perde o ser amado – e até deseja que a morta venha assombrar sua morada, o Morro dos Ventos Uivantes. (A partir do ultra-romantismo, do 'sentimento gótico' seguiu-se a estruturação do Romance de Terror, segundo ainda veremos)

Mas ele sabe que pouco antes de morrer Cathy dera à luz a menina Catherine (a mesma que o Sr. Lockwood encontra nas primeiras cenas do romance)

Isabella não acredita que os mortos voltam do túmulo. Senão Cathy poderia testemunhar a trágica cena da luta entre Heathcliff e Hindley, “É bom que as pessoas realmente não se levantam de seus túmulos, ou, na noite passada, ela [Cathy] teria testemunhado um cena repulsiva!” (“It's well people don1t really rise from their graves, or, last night, she might have witnessed a repulsive scene!” (cap. XVII, p. 158)

As personagens se percebem numa rede trágica tecida desde a chegada de Heathcliff.
"At the Grange, every one knows your sister would have been living now
had it not been for Mr. Heathcliff. After all, it is preferable to be
hated than loved by him. When I recollect how happy we were--how happy
Catherine was before he came--I'm fit to curse the day
." (cap. XVII, p. 159)

Assim, Isabella desabafa ao Sr. Hindley Earnshaw, e em seguida é expulsa pelo irado Heathcliff, “Suma da minha frente!” (“Get up, and begone out of my sight!”) Então, Isabella acaba por fugir rumo a Granja da Cruz dos Tordos, onde Nelly a recebe, a ouvir toda a narrativa que acabamos de ler. A Sra. Dean se assusta com a tentativa frustrada de Hindley de assassinar Heathcliff.

Isabella não permanece na Granja, pois ainda teme uma visita de Heathcliff. Então ela resolve se mudar para o sul, próximo a London, onde vai nascer o filho, chamado de Linton. Sabemos depois que Isabella morre quando o filho já é um rapaz de 12 anos.

Após a morte de Hindly Earnshaw, aos 27 anos, devido a bebida e a amargura, Heathcliff vinga-se sobre o orfão Hareton, filho de Hindley e Frances, o último dos Earnshaw. No final do cap. XVII, o advogado do Sr. Linton declara, “Hareton seria pouco mais que um mendigo.” (“Hareton would be found little else than a beggar.” p. 163)

Enquanto isso, na Granja (Thrushcross Grange) passam-se doze anos sem sobressaltos – Edgar Linton cuida da filha Catherine, a única a trazer um raio de sol à casa desolada (“She was the most winning thing that ever brought sunshine into a desolate house.” cap. XVIII, p. 165) Isabella escreve a Edgar Linton, a solicitar que o irmão cuide do menino Linton, também filho de Heathcliff.

Quando Edgar vai visitar a irmã Isabella, numa visita que dura três semanas, a menina Catherine ultrapassa os limites da Granja e vai até o Morro dos Ventos Uivantes. E a mocinha conhce Hareton, então com dezoito anos. Ele detesta ser tratado como se fosse um servo, ou criado, tendo crescido tão ressentido quanto Heathcliff cresceu! Não que o rapaz sofresse maus tratos fisicamente, mas era tratado como um doméstico, não sabendo ler nem escrever. Enquanto, na Granja dos Lintons, Catherine era sempre mimada e adulada, jamais estaria preparada para o rancor de Hareton. Ela se ofende com a grosseria do rapaz – que dizem ser primo dela. Mas, a pedido de Ellen, ela nada comenta com o pai Edgar.
Mas, o 'mal está feito'. Heathcliff fica sabendo que o filho será trazido para a casa dos Lintons. Assim, o anti-herói não demora em exigir a guarda do menino, que não viverá no luxo dos Lintons, mas na aspereza do turbulento casarão no alto do Morro. Heathcliff se refere ao filho como a uma coisa, da qual ele tem a posse. “Ele é propriedade minha.” Enquanto, Linton, então com treze anos, sequer sabia algo sobre o pai. “Minha mãe nunca me disse que eu tinha pai.”

“É pior do que eu esperava”, diz Heathcliff ao notar o quanto o rapaz é franzino e tímido, tal qual a mãe Isabella. Será desprezado na vida rude no Morro dos Ventos Uivantes. Mas Heathcliff promete a Ellen que o rapaz Linton será o herdeiro da fazenda. “Além do mais, ele é meu, e eu quero o triunfo de ver meu descendente legítimo dono desta propriedade” (“Besides, he's mine, and I want the triumph of seeing my descendent fairly lord of their estates.” cap. XX, p. 180)

Enquanto Hareton cresce ressentido e ignorante, Linton fica mais doentio, irritável, egoísta. (“I divined from this account, that utter lack of sympathy had rendered young Heathcliff selfish and disagreeable, if he were not so originally.” cap. XXI, p. 182) Por outro lado, Heathcliff tem interesse em que a jovem Cathy (então com dezesseis anos) tenha contato com o seu filho Linton. Planeja um casamento entre os primos. “Meu plano é tão honesto quanto possível. Vou revelar-te tudo, ele disse. Os dois primos devem se apaixonar, e se casarem. Estou agindo com generosidade para com o teu patrão [Edgar]: a filha dele não teria esperanças, e segundo meu desejo ela seria co-herdeira com Linton.”

'My design is as honest as possible. I'll inform you of its whole
scope,' he said. 'That the two cousins may fall in love, and get
married. I'm acting generously to your master: his young chit has no
expectations, and should she second my wishes she'll be provided for at
once as joint successor with Linton
.' (cap. XXI, p. 185)

Notamos logo um contraste – e também a jovem Cathy – onde Hareton é forte, robusto, saudável – e ignorante; enquanto Linton é educado, mas é doentio, fraco, mimado. Temos uma repetição: no início tínhamos Catherine entre o educado Edgar e o rústico Heathcliff. Agora temos Cathy, a filha, entre Linton e Hareton.

Edgar explica à filha Cathy os planos ambiciosos de Heathcliff. Ela parece não acreditar (tal qual a ingênua Isabella!) Ela se impressiona com o desejo de vingança do novo proprietário de Wuthering Heights. Contudo, Cathy envia carta a Linton – e inicia-se a correspondância. A distância – a proibição de se verem – aumenta a afeição entre os primos. Cathy já diz que 'ama' o primo.

Com a interrupção da correspondência, agora é Linton quem está 'morrendo' de paixão. Heathcliff acusa a mocinha (Cathy) de brincar com o coração de Linton.

Continua...

jan – mar/10
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