sábado, 11 de dezembro de 2010

sobre Contos de Terror - de Edgar Allan Poe (3:3)









Sobre os Contos de Terror
do escritor norte-americano Edgar Allan Poe
(1809-1849)

literatura de terror
horror fiction

Quando o terror jaz no inexplicado



p3


The Masque of the Red Death


Aqui a fantasia gótica não poupa o leitor. Tudo é sinistro, angustiante. A praga, a peste, a epidemia lastra-se sobre um reino. A peste chamada “red death” - morte rubra – devasta um país, os domínios do Príncipe Prospero (há uma personagem de Shakesperare com nome igual. Vide “The Tempest”)


A morte rubra devastava o país. Nenhuma pestilência tinha sido antes tão fatal, ou tão horrível. Sangue era seu avatar e seu símbolo – a vermelhidão e o horror do sangue. Sobrevinham dores agudas, e uma súbita vertigem, e então um sangramento pelos poros, até a decomposição.” (“The "Red Death" had long devastated the country. No pestilence had ever been so fatal, or so hideous. Blood was its Avatar and its seal -- the redness and the horror of blood. There were sharp pains, and sudden dizziness, and then profuse bleeding at the pores, with dissolution.”)


Os nobres abandonam a plebe ao terror da peste. Não se importam muito com 'bem-estar coletivo' (aliás, isso é invenção pós-Iluminista) e querem mais é se proteger, perder-se em devassidão – tal uma corte romana, enquanto Nero incendeia Roma – do que lutar contra a propagação da calamidade. O povo que se vire.

Assim os cortesão não hesitam em se abrigar junto ao Príncipe, que promete diversão num magnífico baile.

“Era uma cena voluptuosa, aquela mascarada. Mas primeiramente deixe-me descrever os aposentos onde acontecia. Eram sete – uma suíte imperial. Em muitos palácios, de qualquer modo, tais suítes formam uma longa e contínua perspectiva, enquanto portas dobradiças deslizavam de volta quase até às paredes ao alcance, assim a visão da completa extensão é raramente impedida. Aqui o caso era bem diferente; como se esperaria da paixão que o duque tinha pelo que era bizarro. Os aposentos eram tão irregularmente dispostos que a visão apenas abarcava um pouco de cada vez. Após certa distância havia uma virada brusca e um novo efeito. À direita e à esquerda, no meio de cada parede, uma longa e estreita janela gótica vislumbrava o corredor mais próximo o qual seguia as sinuosidades da suíte. Estas janelas eram de vidro tingido cuja cor variava de acordo com a tonalidade predominante das decorações do aposento para o qual se abria.”
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(“It was a voluptuous scene, that masquerade. But first let me tell of the rooms in which it was held. There were seven -- an imperial suite. In many palaces, however, such suites form a long and straight vista, while the folding doors slide back nearly to the walls on either hand, so that the view of the whole extent is scarcely impeded. Here the case was very different; as might have been expected from the duke's love of the bizarre. The apartments were so irregularly disposed that the vision embraced but little more than one at a time. There was a sharp turn at every twenty or thirty yards, and at each turn a novel effect. To the right and left, in the middle of each wall, a tall and narrow Gothic window looked out upon a closed corridor which pursued the windings of the suite. These windows were of stained glass whose color varied in accordance with the prevailing hue of the decorations of the chamber into which it opened.”)
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Cada vitral com uma cor, cada salão decorado com uma cor singular, cada jogo de luz ampliando os efeitos da orgia e da luxúria. A decoração, o luxo, a devassidão tudo parece debochar o sofrimento dos plebeus, dos camponeses, da população abandona ao terror da peste lá fora. Os nobres se divertem enquanto Roma pega fogo. Nada mudou.

“Mas estes outros aposentos eram densamente ocupados, e nestes pulsava febrilmente o coração da vida. E a festa seguia em turbilhão, até que começaram a ressoar as badaladas da meia-noite no relógio.” (“But these other apartments were densely crowded, and in them beat feverishly the heart of life. And the revel went whirlingly on, until at lenght there commenced the sounding of midnight upon the clock.”)

Todo o baile de máscara pretende ocultar o terror – mas o terror se manifestará dentro do palácio. Um vulto não convidado – aliás, um ser indesejado – virá 'divertir' no baile. O ápice é justamente o ressoar das batidas do relógio – a pre-anunciar um evento trágico - “foram doze badaladas a soar no relógio” (“there were twelve strokes to be sounded by the bell of the clock”)

As fantasias grotescas são um sarcasmo ao terror da peste. Aliás, a 'Peste' é encarada como outro mascarado, outro fantasiado, como se a Peste mesma se convidasse!

“Mas o mascarado foi longe demais ao assumir o tipo da Morte Rubra. A gesticulação borrifada de sangue – e sua fronte, com todas as feições estava salpicado de terror escarlate.” (“But the mummer had gone so far as to assume the type of the Red Death. His gesture was dabbled in blood – and his broad brow, with all the features of the face, was besprinkled with the scarlet horror.”)

O sarcasmo da fantasia é sarcasmo diante da indiferença dos nobres com o terror dos plebeus. A Morte, the grand leveller, a grande niveladora, não pode deixar que os nobres se livrem assim tão facilmente do destino comum – afinal de contas, a Morte não distingue classe social.

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para ler Máscara da Morte Rubra
no original
http://www.online-literature.com/poe/36/

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The Masque of the Red Death
na Cultura
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para ouvir
http://www.youtube.com/watch?v=UjrLFW0Y50I&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=LDxjXG84a9w&feature=related
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em español
http://www.youtube.com/watch?v=SICyoXyshQc&feature=related
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video
http://www.youtube.com/watch?v=m1NWXq7Hy90
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animation
http://www.youtube.com/watch?v=iLZ1EYuSNYQ&feature=related

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William Wilson


Novamente um conto em 1ª pessoa, o narrador-personagem é pouco confiável. Mas só temos a versão dele – uma parte dele – afinal ele parece ser duplo – existem duas partes dele mesmo – dois William Wilson. Ele depara-se com um outro garoto que se apresenta como o mesmo nome - e até a mesma face, mesmos gestos. Uma obsessão em ser William Wilson.

Quando o conto é intitulado “William Wilson” o Wilson-narrador quer contar a estória do outro-Wilson, mas é contando a própria estória é que sabemos quem ele é – ou diz ser. O título é, portanto, ambíguo. Qual William Wilson? O original ou o sósia? Quem é sósia de quem?

É um nome fictício, ele esclarece. Não quer envergonhar a família – ele que provem de uma raça de temperamento excitado e imaginativo. Ele igualmente é um inquieto, mas tende ao sadismo, ao exercer poder, ao dominar. Ele mesmo revela ao tendência à perversão – onde os outros homens foram gradativamente, ele afunda de só vez – segue aquele 'impulso de perversidade' que tanto causa infortúnio entre os narradores-personagens de “O Coração Denunciador”, “O Gato Preto”, e o próprio “Impulso de perversidade”.

“Em geral os homens descem pouco a pouco. De minha parte, num instante, todas as virtudes caíram do corpo como se fosse um manto. De uma crueldade comparativamente trivial eu passei, com um passo de gigante, às devassidões de um imperador romano Heliogabalus. Que oportunidade – que acontecimento levou-me à coisas perversas, sejam pacientes comigo enquanto eu relato.
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(“Men usually grow base by degrees. From me, in an instant, all virtue dropped bodily as a mantle. From comparatively trivial wickedness I passed, with the stride of a giant, into more than the enormities of an Elah-Gabalus. What chance -- what one event brought this evil thing to pass, bear with me while I relate.”)

Agora que William Wilson está diante da morte, ele resolve confessar – eis o relato que temos de uma vida de luxúria, jogatina, egoísmo, e tudo assombrado pela figura de um duplo – tal qual no conto “O Elixir do Diabo” de Hoffmann, onde há a figura do sósia, o Doppelgänger. Com o seu relato, Wilson espera a nossa piedade – que reconheçamos que as circunstâncias são mais fortes que a vontade humana – ele não seria assim tão culpado.

“A morte se aproxima; e a sombra que a anuncia lança uma entorpecente influência sobre o meu ânimo. Eu espero, ao passar este vale obscuro, pela simpatia – Eu quase disse piedade – de meus semelhantes. Eu ficaria satisfeito se eles acreditassem que eu tenho sido, em alguma medida, o escravo das circunstâncias além do controle humano. Gostaria que eles procurassem por mim, nos detalhes eu apresento, algum pequeno oásis de fatalidade meio a um deserto de erros.”
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(“Death approaches; and the shadow which foreruns him has thrown a softening influence over my spirit. I long, in passing through the dim valley, for the sympathy -- I had nearly said for the pity -- of my fellow men. I would fain have them believe that I have been, in some measure, the slave of circumstances beyond human control. I would wish them to seek out for me, in the details I am about to give, some little oasis of fatality amid a wilderness of error.”)

Assim, Wilson oscila entre um certo cinismo e uma esperança de piedade alheia. Mas é difícil ter piedade diante do sofrimento de Wilson. Ele era perverso sabendo que era perverso - e tendo prazer – até que encontrou um rival – alguém que estava à altura – e interferia para 'salvá-lo' : outra não era a origem de tanta curiosidade – e mal-estar – diante do outro Wilson. Pois era como a encarnação de uma 'boa consciência' – o Outro Wilson alertava quando Wilson estava sendo um 'mau garoto'.

Na escola, Wilson passa a reconhecer a existência de um 'rival'. Rival que seria um irmão gêmeo – enquanto os outros garotos até acham que o rival seria o 'melhor amigo' de Wilson – afinal, não eram inseparáveis. Essa ironia é não pode deixar de ser uma outra fonte de angústia.

“Ainda que este acontecimento não deixasse um vívido efeito sobre a minha imaginação desordenada, ainda foi evanescente quanto vívido. Por algumas semanas, realmente, ocupei-me em aguda inquirição, ou envolto em nuvem de mórbida especulação. Eu não pretendia disfarçar de minha percepção a identidade do singular indivíduo que assim perversamente interferia nos meus negócios, e atormentava-me com seus insinuantes conselhos. Mas quem e o que era este Wilson? - de onde ele surgira? - e o quais eram seus objetivos?”)
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(“Although this event failed not of a vivid effect upon my disordered imagination, yet was it evanescent as vivid. For some weeks, indeed, I busied myself in earnest inquiry, or was wrapped in a cloud of morbid speculation. I did not pretend to disguise from my perception the identity of the singular individual who thus perseveringly interfered with my affairs, and harassed me with his insinuated counsel. But who and what was this Wilson? -- and whence came he? -- and what were his purposes? “)


O sósia – o Doppelgänger – de Wilson não hesita em alertar o 'mau garoto', o jovem devasso, ao sussurrar ditos morais em seu ouvido, como se uma parte de Wilson se destacasse para ser seu super-Ego sempre alerta – ou uma real projeção do super-Ego – na forma de um outro-Eu, com características moralmente positivas.

Assim como Dorian Grey – no romance de Oscar Wilde – transfere a feiúra do vício para o retrato – que envelhece, enquanto o 'original' fica jovem – aqui William Wilson transfere o 'positivo' para o outro-Wilson, que passa a ser um imperativo categórico ambulante, enquanto Wilson é um perverso sem escrúpulos. Um imperativo a insinuar conselhos – que nunca são considerados, seguidos.


Sobre o 'Imperativo Categórico' em Kant
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Imperativo categórico é um dos principais elementos da
filosofia de Immanuel Kant. Sua ética e moral têm como base esse preceito. Para o filósofo alemão, imperativo categórico é o dever de toda pessoa de agir conforme os princípios que ela quer que todos os seres humanos sigam, que ela quer que seja uma lei da natureza humana.
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Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Imperativo_categórico


O ódio de Wilson é justamente ter um outro-Eu que é sensato, moderado, bom. Virtuoso é o outro-Eu que desafia a perversidade do 'original' – é como se ele tivesse um bom irmão que a qualquer momento fosse delatar as travessuras aos pais distraídos. E então Wilson precisaria prestar contas.

O 'duplo' vem desmascarar o narrador – que usa o nome de William Wilson.

“Eu fugia em vão. [...] E de novo e de novo, em secreta comunhão com meu próprio espírito, eu perguntaria 'quem era ele? - de onde ele surgira? E quais eram os objetivos dele?” (“I fled in vain. [...] And again, and again, in secret communion with my own spirit, would I demand the questions 'who is he? - Whence came he? - and what are his objects?”)

Que inimigo é este tão próximo? Tão empenhado em seguir e desmascarar? Não tem outra coisa para fazer senão 'patrulhar' a vida de Wilson? É esse terror que angustia o narrador – como poderia existir alguém dedicado plenamente a 'reproduzir' os passos de outra? Os gestos, as palavras? O outro Wilson não tinha vida própria? Não tinha carreira? Não tinha ambições?

Mas mal sabia William Wilson que o seu pior inimigo era ele mesmo, pois ao 'acertar as contas' com o rival – ou sósia, ou duplo – ele golpeia o que resta de 'bom senso' nele mesmo – assim como Dorian Gray golpeará a si-mesmo quando apunhalar o retrato deformado! no romance de Wilde, meio século depois.

Eis o terror do encontro com o outro-Eu, “quando eu tropeçava no extremo do terror, ali a minha própria imagem.” (“as I stepped up to it in extremity of terror, mine own image”), pois “assim parecia ser, mas não era [uma imagem num espelho]. Era o meu antagonista – era Wilson, que então estava diante de mim nas agonias de morte.” (“thus it appeared, I say, but was not. It was my antagonist – it was Wilson, who then stood before me in the agonies of his dissolution.”)

Assim o narrador é confrontado com um outro-Eu, um Eu que 'insinuava conselhos', que desmascarava as ambições e perversidades de Wilson – alguém que o conhecia intimamente! Um outro-Eu que era uma imagem invertida num espelho inexplicável – fruto da duplicidade de consciência!

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William Wilson
na Cultura
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videos
http://www.youtube.com/watch?v=2QemjP8cQxA&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=iXDmKJD7tCg
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para ouvir
(auf Deutsch)
http://www.youtube.com/watch?v=X_283O0y-YM&feature=related


A Escrita de Edgar Allan Poe, sendo mais pensada numa totalidade de Forma e Efeito (como ele deixa claro em seu ensaio “A Filosofia da Composição” ), é mais que uma conseqüência das experiências reais vividas pelo ser humano, antes de ser o Artista, ‘fatos sublimados’ que estão além da ‘intenção autoral’. A importância da genialidade estaria justamente na superação dos traumas, no momento de repensá-los e retraduzí-los em Literatura. O ‘carimbo da genialidade’, o ‘estilo autoral’, estaria justamente no Texto, em sua semelhança com outros Textos do mesmo Autor.

Assim chegamos ao fim dessa saga entre alguns contos memoráveis do mestre do terror psicológico Edgar Allan Poe. São os contos de minha predileção - integram o Meu Cânone Ocidental – e são uma amostra da Obra – muito vasta para ser tratada num artigo – sequer numa série de artigos. Dissertações acadêmicas são escritas ano após ano sobre o Autor e jamais serão capazes de explicar os contos – muito menos delimitar as interpretações possíveis. Até porque os narradores – nossa única fonte de relatos – são demasiadamente suspeitos ou, como diria Nietzsche, são 'demasiadamente humanos'.



nov/10


Leonardo de Magalhaens
http://leoleituraescrita.blogspot.com/


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textos de Edgar Allan Poe
online
http://xroads.virginia.edu/~hyper/POE/contents.html
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blogs sobre E A Poe
http://www.houseofusher.net/index.html
http://blogdopoe.blogspot.com/

http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/autores/allan.htm
http://www.lpm-editores.com.br/blog/?p=3753
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Poe em español
http://www.youtube.com/watch?v=8Z-dwzClyLw
http://www.youtube.com/watch?v=9wTwFuhSgEU

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Poe em Deutsch
http://www.youtube.com/watch?v=ztHqoi4oS4U&feature=related
http://www.internetschriftsteller.de/halloween/edgar-allan-poe/der-rabe-edgar-allan-poe.html
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Programa Entrelinhas
em homenagem a Edgar Allan Poe
http://www.youtube.com/watch?v=SnX8t4BTjlw
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