sábado, 6 de novembro de 2010

sobre A Abadia de Northanger (de Jane Austen)







sobre “A Abadia de Northanger” (Northanger Abbey)(1817/18)
de Jane Austen (1775-1817)

O sinistro enquanto fruto da imaginação

O romance Abadia de Northanger foi escrito pela inglesa Jane Austen em 1798, foi revisado em 1803, e entregue a um editor, porém só foi publicado em 1817/18, portanto, pouco antes do conto de Hoffmann (Klein Zaches) e do romance de Mary Shelley (Frankenstein).

Aqui a Autora mostra o quanto foi influenciada pelos romances góticos do século 18 – principalmente a Sra. Radcliffe (de “Os Mistérios de Udolpho”), mas com uma leitura meio irônica,meio pastiche – onde o 'romance ri do romance', quando temos toda uma “ironia romântica”, sem qualquer pintura singela, mas tal um riso abafado, ou um humor inglês mais sutil.

Desde a primeira frase sabemos qul o tratamento dispensado pela Narradora/ Autora a protagonista, a 'heroína', “Ninguém que tivesse visto Catherine Morland em sua infância teria suposto que nasceu para ser uma heroína.” (“No one who had ever seen Catherine Morland in her infancy would have supposed her born to be an heroine.” cap. I)

Uma heroína? Afinal, o que faz alguém ser especial – a ponto de ser 'protagonista'? Catherine sequer é inteligente, ou se destaca por talento. O que ela gosta de fazer? Ora, ela dedica-se a LER e FANTASIAR. (Assim, D. Quixote, Madame Bovary, dentre outros, arruinados por suas obsessivas leituras)

Outro fanático por livros é aquele livreiro catalão, piromaníaco e homicida, no conto “Bibliomania” (“Bibliomanie”, 1836) de Flaubert (mais conhecido pela Sra. Bovary e outros romances realistas,mas que, na juventude, cultivou a narrativa gótica)
.
para ler “Bibliomania” (Flaubert)
http://escritoriodolivro.com.br/leitura/flaubert.html
http://jb.guinot.pagesperso-orange.fr/pages/bibliomanie.html
.

Catherine Morland não é má e muito menos boa, tem bom temperamento, não era teimosa ou caprichosa. É uma mocinha de província – igual a Emma Bovary! - que se dedica às mais variadas leituras. Fábulas de Esopo, poemas do Reverendo Thomas Moss, do poeta neo-clássico A . Pope, do 'graveyard poet' Thomas Gray, do poeta James Thompson, “Camilla” de Frances Burney (1752-1840), e claro, peças de Shakespeare (Othelo, Measure for Measure, Twelfth Night).


Sim, Catherine era uma leitora, não uma autora. “Embora ela não pudesse escrever sonetos, ela se obrigava a lê-los.” (“for though she could not write sonnets, she brought herself to read them”) A Narradora não hesita em se dirigir à/ao Leitor/a, que deve sempre ser bem informado, “pode-se afirmar, para melhor informação do leitor” (“it may be stated, for the reader's more certain information” ) ou capaz de bons julgamentos, “que o leitor deva ser capaz de julgar” (“that the reader may be able to judge”)

Tanto Catherine quanto a mãe são ingênuas, indefesas quanto a crueldade dos poderosos, nobres pervertidos. (Imagine-se então os 'heróis byronianos'...)

Esta ingenuidade é contrabalanceada pela capacidade de imaginação – Catherine está sempre pronta a idealizar – por exemplo, sobre o charmoso Sr. Tilney,

“Este tipo de modo misterioso, que está sempre pronto a tornar-se um herói, jogou um vívido fascínio na imaginação de Catherine ao redor de sua pessoa e de seus modos, e aumentava a ansiedade dela em saber mais sobre ele.” (“This sort of mysteriousness, which is always so becoming in a hero, threw a fresh grace in Catherine's imagination around his person and manners, and increased, and increased her anxiety to know more of him.” cap. V)

Aqui temos um romance que fala de romances – as muitas leituras da heroína. E um romance que se revolta contra os romances que ironizam os romances. “Sim, romances; pois eu não adoto aquele costume pouco generoso e nada gentil e tão comum em romancistas, que é de degradar com suas censuras desrespeitosas os variados estilos,” (“Yes, novels; for I will not adopt that ungenerous and impolitic custom so common with novel-writers, of degrading by their contemptuous censure the very performances, [...]” cap. V)

A heroína de um romance não deve falar mal da heroína de outro romance – temos toda uma tese em DEFESA do romance (que na érpoca se afirmava em relação ao poema – ou poema-narrativo, ao estilo byroniano – pois “parece ser quase geral o desejo de degredar a capacidade e de subvalorizar o trabalho do romancista” (“there seems almost a general wish of decrying the capacity and undervaluing the labour of the novelist,[...]” cap. V)

E qual romancista é o centro do canône de Catherine? A Sra. Radcliffe, Ann Radcliffe, a célebre autora de “Os Mistérios de Udolpho” (e também de “O Italiano”/ The Italiano), citada entre os clássicos da literatura gótica – numa época de reação ao neo-classicismo da Augustan Age (época literária situada entre Milton e Blake, segundo a Crítica). Ao longo da narrativa encontramos várias referências e citações dos romances góticos – Udolpho, principalmente. Velhos castelos e ruínas são o 'sonho de consumo' de Catherine.


Os romances epistolares também podem ser destacados. Citemos alguns. “História de Sir Charles Grandison” de Samuel Richardson, além do fracês “As Relações Perigosas”, depois, no século 19, temos “Frankenstein” e “Dracula”.

The Mysteries of Udolpho (1794)
http://www.artandpopularculture.com/The_Mysteries_of_Udolpho
.
romances em forma de cartas ('epistolares')
http://www.artandpopularculture.com/Epistolary_novel


Assim, para a fantasiosa Catherine, a leitura é consolo, é prazer. “mas enquanto eu tenho o Udolpho para ler, sinto como se ninguém pudesse me aborrecer.” (“but while I have Udolpho to read, I feel as if nobody could make me miserable.” (cap. VI) Se há alguém que despreze romances, este é o Sr. Thorpe, irmão de outra leitora, a Srta. Isabelle. Ele não hesita em declarar que “Udolpho! Ó céus! Eu não, nunca leio romances; tenho mais o que fazer.” (“Udolpho! Oh, Lord! Not I; I never read novels; I have something else to do.” cap. VII)

Ainda que ele reconheça a Sra. Radcliffe, “Não, se eu for ler algo, será algo da Sra. Radcliffe; as novelas dela são bem divertidas; compensa ler; têm bastante naturalidade e são bom entretenimento.” (“No, if I read any, it shall be Mrs. Radcliffe's; her novels are amusing enough; they are worth reading; some fun and nature in them.” cap. VII)

Os capítulos se preenchem com cenas de bailes, inquietações e paixões de mocinhas, cenas de sociedade, devaneios juvenis, comuns em outros romances de Austen (ver “Razão e Sensibilidade” [“Sense and Sensibility”, 1811], “Orgulho e Preconceito” [“Pride and Prejudice”, 1813], “Persuasão” [“Persuasion”, 1818], (no Brasil, temos os romances de Joaquim Manuel de Macedo, “A Moreninha” e “O Moço Loiro”, e de José Alencar, “Lucíola” e “Senhora”, dentre outros) Percebe-se a ironia no baile – onde a 'heroína' Catherine encontra o Sr. Tilney.

Mas o interessante é que a realidade é sempre reinterpretada pelas fantasias de Catherine – o mundo é revestido por um olhar sonhador, e assim como a narradora refere-se a protagonista como 'my heroine' e às fantasias dela como 'her folly'. Nada discreta a narração, pois a Autora pretende tematizar a posição da MULHER na sociedade, numa época em que a consciência feminista se erguia, lembrando que uma das primeiras autoras feministas foi a mãe de Mary Shelley, a Sra. Mary Wollstonecraft (1759-1797).

Quando Catherine recebe convite para 'passeios', excursões pelos campos, pensa logo nas paisagens dos romances – o sul da França, as campinas da Itália – ou nos castelos antigos, “Por outro lado, o prazer de explorar um edifício igual ao de Udolpho, que na fantasia dela o Castelo Blaize podia representar, a ponto de ser um contrapeso tão bom a ponto de consolá-la por quase nada.” (“On the other hand, the delight of exploring an edifice like Udolpho, as her fancy represented Blaize Castle to be, was such a counterpoise of good as might console her for almost anything.” cap. XI)

Catherine sempre a pensar em castelos, arcadas, ruínas, armadilhas, alçapões, passagens secretas, e quando sai em passeios, ou com os irmãos Thorpe, ou com os irmãos Tilney, ela sempre pensa no 'sul da França” ou nas campinas da Itália, e não porque tenha viajado para o exterior, mas porque ela LEU num romance. “Não, eu apenas queria dizer que li sobre isso. Sempre vem a minha mente aquele país no qual viajaram Emily e seu pai, no Mistérios de Udolpho.” (“No, I only mean what I have read about. It always puts me in mind of the country that Emily and her father travelled through, in The Mysteries of Udolpho.” cap. XIV)

E a heroína descobre que o herói também adora ler romances, e tece um elogio aos leitores e as obras (principalmente os títulos da Sra. Radcliffe). E passam a comparar Ficção com a História ( na época se divulgava 'romance histórico' com as obras de Sir Walter Scott). Os ficcionistas apenas confessam mais imaginação que os historiadores – afinal, a História é também narrativa. Uma reeleitura do passado é sempre excitante. Ver o sucesso de romance histórico, que no século 19 foi cultivado por Balzac e Victor-Hugo, dentre outros; quando no século 20 temos a obra de Maurice Druon sobre a Guerra dos Cem Anos (a Saga dos Platagenetas ou Os Reis Malditos) e de Christian Jacq sobre o antigo faraó Ramsés.
.
Mais sobre Sir Walter Scott
http://en.wikipedia.org/wiki/Walter_Scott
sobre Maurice Druon
http://en.wikipedia.org/wiki/Maurice_Druon
sobre Christian Jacq
http://en.wikipedia.org/wiki/Christian_Jacq
.

Mas é preciso a instrução – e bom gosto – para usufruir a leitura. Ainda que uma mulher educada não fosse tão elogiada quanto uma mulher bonita, sedutora. É a crítica da Autora Austen contra a criação da mulher enquanto bibelô, enquanto beleza estilizada, não ser de pensamento, e sempre dependente do 'saber' do homem. E o fato de Catherine ser 'letrada', fã de literatura é um fato que não a torna mais atrativa – é preciso se vestir bem, dançar bem, ser simpática, isto é, viver no mundo das aparências.


O que é difícil quando a mente dos jovens – principalmente a fos jovens ingleses de classe média alta na referida época – é povoada de fantasias, aspirações, desejo de aventuras semelhantes aquelas dos tomances lidos. E eles se entregam ao flerte e esperam viagens pelos campos em carruagens abertas, a nutrir paixões e a esperar o pretendente ou a noiva. Assim os vários possíveis casais em cena. Temos o interesse de Catherine por Henry Tilner, o interesse de Isabelle Thopre por James Morland, e o interesse de John Thorpe por Catherine – eis o leitmotiv da narrativa. Laços amorosos. A escolha do parceiro (e da parceira) através do filtro do 'amor idealizado'.

Finalmente, no capítulo XVII, Catherine é convidad para visitar a propriedade dos Tilney. A chamada Abadia de Northanger. “Estas foram palavras arrepiantes, e excitou os sentimentos de Catherine ao ápice do êxtase.” (“Northanger Abbey! These were thrilling words, and wound up Catherine's feelings to the highest point of ecstasy.” cap. XVII) Assim, Catherine mal pode esperar para conhecer a Abadia, onde encontrará as ruínas e o mistério, além do amado Henry Tilney.

A mocinha fantasia sobre as 'úmidas passagens' e 'celas estreitas e capelas arruinadas', tal como imagina a partir de tantas leituras. Ao contrário de Catherine, a Srta. Isabelle é de 'espírito pragmático', não se levando tanto pelas leituras, mas preferindo os flertes, e quando vai se casar ela pensa bem nos recursos para se viver – e não só de amor, como dizem os romancistas. A mesma Isabelle que se mostra volúvel, inconstante, em 'flerte' mesmo nas vésperas do noivado. (Em Dracula, encontramos a caprichosa Lucy, cercada de pretendentes...)

No capítulo XX, finalmente Catherine percorre as 30 milhas entre a pousada em Bath e a Abadia de Northanger. As ironias da Autora não poupa as despedidas, os detalhes da viagem, a timidez da 'heroína'. Enquanto Henry ironiza as fantasias de Catherine sobre a Abadia. Ele brinca com as tantas fantaisa que a mocinha formou após tantas leituras (com 'gloomy passages', 'gloomy chambers', 'funereal appearance', 'violent storm', 'vaulted room, total darkness') e ela exclama, “Oh! Sr. Tilney, que assustador! Até parece coisa de livro!” ("Oh! Mr. Tilney, how frightful! This is just like a book!” cap. XX)

Realmente, a ansiedade de Catherine é imensa, e a descrição da abadia imaginada é estilizada, onde as cenas góticas idealizadas parodiam a própria descrição gótica, entre a prosa e a poesia, “e à cada curva da estrada era esperada com solene temor a visão de maciços muros de pedra cinzenta, se elevando meio ao bosque de antigos carvalhos, com os útlimos raios do sol brincando em belo esplendor sobre as altas janelas góticas.” (“and every bend in the road was expected with solemn awe to afford a glimpse of its massy walls of grey stone, rising amidst a grove of ancient oaks, with the last beams of the sun playing in beautiful splendour on its high Gothic windows.” cap. XX)

Mas diante da Abadia, ao se proteger da chuva, Catherine não tem qualquer experiência lúgubre. Evidencia-se que há toda uma distância entre o IDEALIZADO e o VIVIDO. Há uma Abadia na fantasia – e uma Abadia real. É a partir do capítulo XXI que o/a leitor/a adentra as experiências da curiosa e singela Catherine nas dependências da antiga Abadia. Toda a narrativa estará impregnada de estilística gótica a ressaltar parodicamente o estilo das gothic novels do século 18 – excessivas, irracionais, afetadas.


“Her fearful curiosity was every moment growing greater; and seizing, with trembling hands, [...]”

“The night was stormy; the wind had been rising at intervals the whole afternoon;”

“Catherine, as she crossed the hall, listened to the tempest with sensations of awe;”

A Abadia seguramente resguarda lembranças de “situações atemorizantes e cenas horríveis (“dreadful situations and horrid scenes”) mas Catherine, na verdade, não quer se assustar. “Ela desprezou os medos sem sentido de uma fantasia fútil, e começou, com a mais feliz indiferença, a preparar-se para dormir.” (“She scorned the causeless fears of an idle fancy, and began with a most happy indifference to prepare herself for bed.” cap. XXI)


Mas a abadia golpeada pela tempestade de fim de tarde, não deixa de ser assustadora, ainda mais para uma mocinha impressionável dada à imaginações,

“Catherine, em dado momento, ficou imóvel de tanto terror.” (“Catherine, for a few moments, was motionless with horror.”) e também, “Uma violenta rajada de vento, elevando-se com súbita fúria, deu mais horror ao momento. Catherine tremeu dos pés à cabeça.” (“A violent gust of wind, rising with sudden fury, added fresh horror to the moment. Catherine trembled from head to foot.”)

A ironia está jsutamente no descompasso entre o fantasiado e o vivenciado – o que Catherine imagina ser um velho manuscrito, folhas soltas de um diário de uma freira de outrora – não passa de um rol de roupa, ou uma conta de veterinário. O choque é a desilusão. O Gótico só existe mesmo nas leituras, nos romances? Ela percebe. “Nada poderia ser mais claro que o absurdo de suas fantasias de agora.” (“Nothing could now be clearer than the absurdity of her recent fancies.” cap. 22)

Catherine começa a fantasiar sobre o General e a falecida esposa – por que a morte precoce? Por que a Sra Tilney era infeliz? O marido seria dominador, até cruel? A mocinha compara o General ao vilão Conde Montoni de “Mistérios de Udolpho”. Ela passa, assim, a interpretar a realidade ainda sugestionada pelas leituras. Basta uma olhada no vocabulário 'sombrio' dos capítulos 20 a 23,

'rich in Gothic ornaments', 'gloomy aspect', 'delightful melancholy', 'dreadful scene', 'stings of conscience', 'gloomy workings of a mind', 'strange unseasonableness', 'wanton cruelty', 'barbarous proceedings', 'dreade figure of the general', 'terror upon terror', 'proofs of the general's cruelty'

Diante de tal montante ficcional, o papel de Henry Tilney é de iconoclasta das superstições e vem destruir as fantasias lúgubres de Catherine – ele mostra que o horror não é mais possível na 'época civilizada' em que vivem (deevido a educação refinada inglesa, certo?) “A nossa educação nos prepara para tais atrocidades?” (“Does our eduation prepare us for such atrocities?” cap. XXIV)

Ora, e não será a própria Inglaterra um cenário para o Jack The Ripper? Para os mistérios e assassinados desvendados por Sherlock Holmes? Para as duas caras do Dr. Jekyll-Sr. Hyde?

sobre Jack, o Estripador
http://en.wikipedia.org/wiki/Jack_the_Ripper
.

As estórias macabras não ocorrem apenas na idade Média ou na Europa latina/ mediterrânea – como querem os clássicos gothic novels “O Monge” / The Monk (de Matthew Gregory Lewis) ou “O Italiano” (de Ann Radcliffe) – mas podem ocorrer no cenário brumoso da grande London – Stevenson e Oscar Wilde que o digam.

O ápice da paródia gótica é encontrada nos capítulos mais 'góticos' – XX a XXIV – não mais do que 5 num total de 31 capítulos, mas concentram toda uma influência estilística de meio século 18, que influenciariam os demais autores até os nossos dias – daí referirmos a uma 'tradição gótica' mesmo na 'ironia romântica' – mesmo num Edgar Allan Poe ou num Álvares de Azevedo – que não ignora o gótico, mas o re-atuliza.

No Capítulo XXV, sabemos de toda a desilusão da heroína Catherine Morland. “Acabaram-se as visões de romance. Catherine estava de todo acordada.” (“The visions of romance were over. Catherine was completely awakened.”) Pois a aventura de Catherine aqui é justamente o 'delirar', o 'imaginar'. “O absurdo da curiosidade e medo que ela tivera – poderiam ser esquecidos?” (“The absurdity of her curiosity and her fears – could they ever be forgotten?”) e, afinal de contas, a culpa é dela mesma, ela já tecia consigo todo o 'enredo' antes mesmo de chegar até a Abadia,

“e tudo havia se inclinado a um propósito de uma mente que, antes que ela entrasse na abadia, tinha o ímpeto de se assustar. Ele lembrava dos sentimentos de quando se preparava para conhecer a Northanger.” (“and everything forced to bend to one purpose by a mind which, before she entered the abbey, had been craving to be frightened. She remembered with what feelings she had prepared for a knowledge of Northanger.” cap. XXV)

O próprio Narrador (ou a própria Autora) 'faz o jogo' de Henry ao afastar o Gótico do cenário 'civilizado' da Inglaterra. Os 'horrores' das gothic novels só aconteciam mesmo em lugares tais como Itália, Suiça, ou sul da França – cenários de obras tias como “Marble Faun”, “Frankenstein” e “Mistérios de Udolpho”. Nada havia na velha e boa England relacionado à assassinatos cruéis ou poções venenosas. (É o velho sentimento inglês em contraponto ao “Continente', isto é, a Europa)


Com a desilusão, Catherine volta a 'vida comum', “As angústias da vida comum começaram logo a ocupar o lugar das preocupações dos romances.” (“The anxieties of common life began soon to succeed to the alarms of romance.” cap. XXV) As “angústias da vida comum” incluem o rompimento do 'affair' entre o irmão e a miga (a volúvel Isabelle) . O rompimento do compromisso angustia Catherine mais do que velhas ruínas e monges sinistros.

No final, ao ir embora da Abadia, Catherine repensa o desejo por ruínas, lugares sombrios, tudo fruto de letras dos gothic novels – da Sra. Radcliffe e outros imitadores,

“A dolorosa lembrança daquela mania tinha ajudado a nutrir e aperfeiçoar a única emoção que poderia vir de uma consideração do edifício. Que revolução em suas ideias! Ela, que tinha desejado tanto ir até a Abadia! Agora, nada havia de tão fascinante a sua imaginação que o não-pretendido conforto de uma casa paroquial bem-planejada, algo semelhante a Fullerton, mas ainda melhor:”

The painful remembrance of the folly it had helped to nourish and perfect was the only emotion which could spring from a consideration of the building. What a revolution in her ideas! She, who had so longed to be in an abbey! Now, there was nothing so charming to her imagination as the unpretending comfort of a well-connected parsonage, sometihing like Fullerton, but better: [...]” cap. XXVI)


Catherine vai embora, afasta-se da companhia dos Tilney, sem as despedidas de Henry e sujeita ao mal-humor do General. A mocinha teme ter 'ofendido' o oficial tão sério, o pai de Henry (mas tudo pode ser um mal-entendido) e vive uma noite de sono inquieto – o fim do idílio ? (As heroínas da autora Jane Austen sempre se defrontam com esses momentos de crise, quando se deparam com decisões – família, pretendentes, casamento – decisivos próprios da intimidade feminina.) A Autora ironiza justamente este retorno da heroína – de volta ao mundo real, não ao ficcional – com a plena quebra da 'convenção' romântica! Somente assim poderá ser resolvido o 'mal-entendido'.

Como percebemos, o romance Abadia de Northanger, de Jane Austen, ironiza o romance sombrio, ao parodiar o próprio formato de escrita de um romance sombrio, é o gótico pastiche contra o gótico clássico. Não que fosse apenas uma 'crítica', mas uma reação ao 'estilo da época' – se assim não fosse Austen não teria escrito a própria Obra com o próprio estilo (fenômeno que depois aconteceria com o escritor brasileiro Machado de Assis que superou o Romantismo e adentrou o Realismo, no propósito de estabelecer o próprio 'estilo autoral'.) De todo modo, a paródia de Austen não desprezou o estilo, e romances ainda mais sombrios foram escritos ao longo do século 19 e até no século 20.


set/out/10

por
Leonardo de Magalhaens
.

Um comentário:

  1. Leonardo, que bela resenha você escreveu!
    Eu gostaria de saber se você me permite publicar seu texto (ou trechos dele) como 'guest post' lá no blog da Jane Austen Sociedade do Brasil.

    Se quiser manter contato via e-mail: adriana@jasbra.com.br

    Abraço,

    Adriana

    ResponderExcluir