quinta-feira, 9 de junho de 2011

Literatura enquanto Distopia








Literatura enquanto Distopia


Introdução - Utopia X Distopia


O que é utopia?


Situado em local não definido, seja nas brumas do passado ou nos vislumbres do futuro, a 'utopia' é um sonho de mundo igualitário e justo, uma sociedade que encontrou o equilíbrio e não se desgasta em conflitos de classes, guerras civis e guerras globais. A 'utopia' é um fruto dos sonhos de pensadores que viviam (e sobreviviam) numa época de Absolutismo – após o Renascimento e antes do Iluminismo. Uma época que pensava profundamente o que seria 'civilização', o que seria uma 'sociedade', quando da crise do chamado 'antigo regime'.


Utopia: palavra, ainda que não conceito, “tenha sido proposta apenas no século XVI, quando um inglês, Thomas More, faz publicar em latim, em 1516, um livro onde se relata a vida melhor levada pelos habitantes de uma ilha situada em algum lugar, a ilha de Utopia, de ou-topos, o não-lugar, lugar nenhum, nenhures. Não deixa aliás de ser curioso, e de ter um certo sabor amargo, que a designação daquela vontade de uma vida melhor, que sempre esteve e está espalhada por toda parte, acabasse fazendo referência exatamente a parte alguma, a lugar algum. No entanto, não foi por acaso que isso aconteceu, e o motivo da escolha dessa palavra já mostra como desde sempre os adversários da plena realização do homem, os poderes constituídos (por natureza conservadores e, mesmo, reacionários), procuraram reprimir e esmagar a imaginação utópica.”

(O que é Utopia, Teixeira Coelho, Brasiliense, 1985, pp. 16 e 18)


As utopias – e os utópicos – são progressivas ou regressivas? O melhor está ainda no futuro, ou a humanidade já passou por eras de ouro as quais devemos voltar? Devemos voltar a um modo de produção artesanal, em pequena escala? Ou procurar conservar o melhor, o mais dinâmico e eficiente, do mundo industrial mecanizado?


Consideramos as Esquerdas como progressistas, desenvolvimentistas, mas muitas ambições de Esquerda são vontade de retorno a um mundo pré-capitalista, comunal e menos individualistas. Um mundo sem o consumismo que leva a um excesso de produção que leva a mais consumismo. Como romper o círculo vicioso? Adotando medidas anti-capitalistas, ou pré-capitalistas. Muitos falam em até acabar com as máquinas! Como poderemos viver sem as máquinas? Outros esperam que as máquinas trabalhem de acordo com novos paradigmas de cooperação e sustentabilidade.


“Estes dois exercícios da imaginação utópica [a República, de Platão, e Utopia, de More] constituem, de certo modo, aquilo que se poderia chamar de arquétipo da utopia política, do qual derivam uma série de outros. Estes apresentarão variações, diferenças, penetrarão em campos não explorados por aqueles e irão mais longe, eventualmente; mas a estrutura básica é a que vem figurada na República e na ilha de Utopia.



Sob alguns aspectos, ambos os programas são regressivos, defendem o retorno a uma situação ideal ou idealizada que teria ocorrido nos primórdios da humanidade e que o homem teria perdido. Esta tendência para o passado é, também ela, um traço próprio da imaginação utópica, por mais que alguns pretendam renegá-lo por reacionário, e pode ser tomado como uma vontade de apreender e integrar esse passado à vida do homem e do grupo a fim de evitar que percam suas amarras e se alienem.


Mas ambos são também aquilo sem o que a imaginação utópica declina: emblemas do futuro, que arrancam soluções do passado para projetá-las, jogá-las para a frente, reformuladas. Sob este aspecto, são exemplos daquele utópico-concreto, distinto do sonho abstratamente utópico porque leva em consideração as possibilidades históricas de realização. De fato, a sociedade concretizou ou continua mostrando uma tendência para concretizar várias das proposições desses e de outros programas. Estes servem como exercícios de sonho, mas são igualmente forças contraditórias da realidade, muito concretas. Que o diga a vontade reacionária, sempre vigilante no sentido de impedir que aquelas se realizem.”


(O que é Utopia, Teixeira Coelho, Brasiliense, 1985, pp. 33-34)



O que é distopia?



Para Teixeira Coelho, as distopias são utopias 'declaradamente 'más''. “É o caso do Admirável Mundo Novo e 1984. Em ambas, o Estado não oculta sua vocação totalitária, e tanto uma como outra são, no fundo, a República levada a suas últimas consequências. No mundo novo temido por Huxley, o indivíduo está condenado desde a infância. Habituado a não pensar por conta própria, a sempre seguir seu líder, esse indivíduo sem livre arbítrio e sem consciência revela-se perfeitamente adaptado a suas funções ('cada um ocupa-se de suas coisas') e sente-se, assim 'feliz'. É um indivíduo programado, mas está erra do dizer que o é desde a infância: está programado desde a concepção, já que é um bebê de proveta. E as coisas não são nada melhores em 1984, com seus minutos de ódio programado, seu Grande Irmão que tudo guarda e observa, seus copistas encarregados de mudar o passado que não se adapta às palavras do Estado (intolerado e condenado não é apenas o indivíduo que se opõe ao Estado; condenada e eliminada é a própria História), seus processos de tortura psicológica capazes de fazer o melhor dos seres humanos renegar aquilo que lhe é mais vital. Um mundo cujo totalitarismo se infiltra na própria linguagem, regido que é por três palavras de ordem: 'A guerra é a paz', 'A liberdade é a escravidão', 'A ignorância é a força'.”


(O que é Utopia, Teixeira Coelho, Brasiliense, 1985, pp. 44-45)



O pensador revolucionário Karl Marx proclamava a revolução e não a utopia (ou as utopias dos 'socialistas utópicos') que poderiam ser bons projetos, mas não passavam de paternalismo, filantropia e fantasia. Utopias que serviam como uma crítica ao sistema vigente absolutista e mercantilista da época (séculos 16 e 17), enquanto as críticas de Marx atacavam os modos de produção pós-Revolução Industrial (séculos 18 e 19), com a utilização da mão-de-obra de adultos e crianças que se amontoavam nas cidades devido ao êxodo rural.

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Sobre os socialistas utópicos
http://www.citi.pt/cultura/temas/frameset_utopico.html
http://pt.wikibooks.org/wiki/Socialismo_no_Século_XXI/Capítulo_1/Socialismo_Utópico
http://pt.wikipedia.org/wiki/Socialismo_utópico
http://mrh1.sites.uol.com.br/mrhsocial5.htm
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Tanto Marx quanto seu discípulo Lênin eram homens práticos, pragmáticos, não sonhadores, não ficcionistas. Viam a sociedade e pretendiam iniciar uma revolução com o poder popular, não sobre o povo, não de cima-para-baixo como queriam os reformistas filantropos. Não devia ser um projeto que os bondosos reformadores implantariam para 'salvar' o povo, mas um novo modo de produção criado pela força popular para o bem-estar do povo. E Marx nunca explicou bem como seria tal sociedade socialista, nunca entregou uma forma pronta, como faziam os utopistas com riquezas de detalhes.


A importância tanto da utopia quanto do socialismo é a de criticar as injustiças sociais, as explorações das classes dominantes sobre as classes dominadas, a de proclamar que a História é um processo de lutas e que todo conformista torna-se um conservador. As classes privilegiadas impedem mudanças que possam 'subverter' o sistema de domínio, a hegemonia do lucro e da mais-valia, onde poucos ganham e a maioria recebe migalhas do banquete social.


Os estudantes subversivos de Maio de 1968 eram mais utopistas do que os revolucionários dos anos 1920, pois lutavam contra os controles tanto capitalista quanto estalinista (ou Capitalismo de Estado). Tanto Direita quanto Esquerda eram rótulos que pretendiam superar.

Atualmente os projetos utópicos sequer são considerados (ou são interesse de uma minoria de desadaptados) depois de tantas desilusões (e traições) com os movimentos socialista, anarquista, hippie. Algumas comunidades ainda existem, mas sem qualquer apelo popular, sem objetivo de mudança social. São iguais aos mosteiros medievais, com grupos de pessoas que se isolam da sociedade. Pessoas que se voltam para um passado idealizado de misticismo, esoterismo, paganismo, rituais folclóricos, sagas épicas e magias xamânicas.

“Depois das três primeiras décadas, alimentadas pelo sonho do milenarismo comunista tentado na Rússia, surgiu a produção utopista por muitos considerada como típica de nossa época: a distopia, configurada em 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley – resultantes de um ceticismo quanto às possibilidades de reforma, para melhor, da sociedade, em ambos as obras pintada como o lugar da repressão máxima.

A desilusão, de fato, tende a se instalar. Após a transformação da União Soviética em distopia burocrática, como dizia Lênin, duros golpes foram o fracasso da guerrilha de Che Guevara, os acontecimentos no Vietnã após o conflito com os EUA e as escaramuças militares entre países comunistas; Cuba, apesar de tudo, perde parte de seu carisma e o mesmo, relativamente, acontece com a China. Mas, diante desse quadro, não se legrem rápido demais dos ideólogos do capitalismo neoliberal ou neo-outros-rótulos: mesmo para aqueles que insistiam em não admiti-lo, a máscara deste regime terminou de cair definitivamente.”

(O que é Utopia, Teixeira Coelho, Brasiliense, 1985, pp. 86-87)



O contexto – a época


As obras de Sci Fi (ficção científica) e distopias aqui analisadas (no Meu Cânone Ocidental) foram escritas nas décadas de 1930 a 1950, ou seja, num período de turbulência econômica e política, quando as economias desenvolvidas europeias precisavam decidir qual seria o sistema a adotar: ou as democracias liberais, de livre-mercado, ou os totalitarismos, sejam de esquerda ou de direita, onde havia controle e planejamento, repressão e propaganda.


Os povos precisavam lidar com novos dirigismos, uniformizações, tentativas de eugenia, caça aos intelectuais, lutas de classes, revoluções e contra-revoluções. O conflito econômico e ideológico levou a uma guerra a mais longa e total que já se abatera sobre a raça humana, guerra global entre 1940 e 1945, que terminou deixando conflitos que poderia gerar outra. As duas superpotências vencedoras – Estados Unidos e URSS – quase se enfrentaram após derrotarem os nazi-fascistas. Iniciava-se o período da “Guerra Fria” até o final da década de 1980.


Num momento de crise econômica e de crise política das ditas democracias, quando estas foram ameaçadas por regimes de extrema direita e extrema esquerda (aqui é de se perguntar se o 'estalinismo' não era uma espécie de contra-revolução, ou seja, direita, camuflada de esquerda...), que deixaram os democratas numa crise de identidade, de como se situar num mundo entre conflitos – guerras civis, guerras globais – e de como conservar a democracia formal em seus próprios países.


Vários pensadores nos regimes formalmente democratas tentaram imaginar modos de reformar o capitalismo liberal em crise, através de planejamento, através de políticas trabalhistas – até populistas, de demagogias de esquerdas, mas com práxis de direita, vide o getulismo no Brasil...), de modo a impedir um 'conflito de classes' e acomodar os interesses de patrões e empregados em prol de uma abstração política-ideológica, o Nacionalismo. Várias nações passaram a proclamar suas peculiaridades nacionais, na exaltação de um passado épico, de uma tradição sacrossanta que deveria ser mantida a todo custo. A Itália fascista mirava-se no Império Romano, a Alemanha nazista admirava o Império Germânico, os norte-americanos redescobriam os 'pais fundadores', o 'destino-manifesto', a livre-iniciativa anglo-saxã.


Em reação ao internacionalismo socialista, e também anarquista, as classes dominantes passaram a integrar (daí integralismo, aqui no Brasil) os vários grupos sociais em redor de um totem (que se passava por a-político) de um símbolo aglutinador, a figura da Pátria, a Nação todo-poderosa, uma espécie de 'corpo nacional' a integrar todos os 'órgãos', ou seja, os que pensam e os que labutam, os que lutam e os que administram. Este nacionalismo exaltado era uma forma de fazer esquecer os antagonismos internos e desviar os ódios de classes para agredir os países vizinhos – de modo que proletários de vários países não se uniram, como desejava o internacionalismo, mas, ao contrário, mataram-se uns aos outros.



Pensando a Utopia


Numa época de crise e pensamento sobre a crise, o autor de “Admirável Mundo Novo” (Brave New World, 1932), Aldous Huxley (1864-1963) foi um grande pensador sobre as possibilidades utópicas, sob quais condições poderíamos construir uma sociedade mais justa e equilibrada.


Convenhamos que Aldous Huxley é um dos grandes intelectuais 'generalistas' da primeira metade do século XX, que tratavam de filosofia, sociologia, psicologia, etc, por isso chamados de 'polímatas', que seriam contrapontos aos atuais especialistas, experts em pulmão que pouco sabem sobre os rins, ou que acessam programas mas nada entendem de chips na placa-mãe. Especialistas que não sabem pensar holisticamente, em totalidade, numa plano mais geral.


Assim, ao lado de mentes privilegiadas, tais como Erich Fromm (alemão, 1900-80) e Bertrand Russell (britânico, 1872-1970), Huxley pensou e repensou sobre as questões humanas, nas buscas de relações de vários eventos, na integração diante da multiplicidade de categorias, rumo a uma 'coerência' intelectual.


Em 1937 Huxley publicou um livro de ensaios “Ends and Means” (no Brasil traduzido como “Despertar do Mundo Novo”) onde discute as questões já tratadas figurativamente em “Admirável Mundo Novo”. Nos ensaios ele tematiza, ele aborda sociologia, psicologia e ideologias de forma explícita, se posiciona sobre as tentativas de implantação de utopias – que sempre acabam deformadas pelos próprios 'vanguardistas' ou demolidas por forças reacionárias – internas ou externas.


Huxley discute a questão do desapego (ou altruísmo) em relação ao sistema de egoísmo e competição no qual vivemos. Discute a questão levantada pelos iluministas – que acreditavam na razão, na racionalidade – que é uma regra reforçada por dois pensadores enquanto 'exceção', Marquês de Sade e Friedrich Nietzsche.


Sade é um individualista hedonista, enquanto Nietzsche odeia a 'moral do rebanho', ou seja, a civilização cristã ocidental e seus moralismos hipócritas. Moral que para Huxley não pode ser totalmente desprezada. Afinal, podemos concluir, Huxley não é um revolucionário, mas um reformista. Como um bom britânico não pretende demolir a 'ordem social', mas 'reformá-la'.


meu ensaio sobre a presença incômoda do Marquês de Sade
http://meucanoneocidental.blogspot.com/2010/08/sobre-obra-do-marques-de-sade.html


Com o abandono do 'culto a Deus', num momento de perda do 'sentido', em plena crise de identidade, os povos adotaram outros ídolos, tais como a classe revolucionária, a nação, o grande líder, o dinheiro (=prosperidade, conforto), grandes temas (e lemas) para justificarem suas ações – guerrear em nome do Estado, da Nação, do Partido virou lugar-comum.


Os partidaristas, os nacionalistas, os comunistas, enfim todos os que se reúnem em torno de uma ideologia ou luta, justificam suas ações – seus meios nada morais – com a finalidade de um mundo melhor, a defesa dos direitos, ou das famílias, acham assim que os 'fins' legitimam os 'meios'. E suas lutas empregam os meios mais violentos, com os armamentos que os Estados acumulam em suas 'corridas armamentistas'.


De modo que o progresso técnico-científico não é acompanhado de um progresso mental-social, antes poderíamos viver plenamente numa barbárie hightech. Uma alta tecnologia à serviço de interesses de dominação, hegemonia, poderio hierárquico, num vetor oposto ao de libertação do ser humano.


O Autor ataca os comunistas, os fascistas, os nacionalistas, os conservadores das 'democracias', o sistema de competição e militarismo. Acusa os fanáticos de todos os campos: afinal de contas, os vanguardistas ou os reacionários visam determinados fins, objetivos, e não hesitam em usar meios, métodos, imorais. Em nome de uma causa ou de uma tradição toda a dignidade humana é violada, execrada.


Aqui há uma voz humanista tal qual notamos em Russell, Fromm e Thomas Mann. A defesa do indivíduo em nome da 'dignidade humana' como se esta fosse dada a priori e não uma construção da civilização ocidental. Pois exitindo civilizações onde não há o 'indivíduo' – esta categoria, digamos – mas o 'coletivo', não faz sentido universalizar a categoria 'dignidade humana', que somente faz sentido para nós que somos individualistas e não coletivistas. Somos fruto de uma série de 'revoluções liberais' que proclamaram a liberdade da livre iniciativa burguesa e a valorização da individualidade (desde que 'útil' ao sistema de produção e troca, claro).


Huxley seria mais um liberal de esquerda (num espectro político) visto que prefere a cooperação e o auto-governo do que a hierarquia, a competição e o militarismo – as 'verdades' absolutas dos fascistas. Mas ele critica a Esquerda no poder que deformou-se no estalinismo hierárquico, burocrático, repressor, militarista. Os reformadores foram digeridos pela própria reforma, acredita-se.

Afinal temos a prioridades? O que o humanista espera do ser humano? A busca do autoconhecimento ou da eficiência? Mas o que é 'autoconhecimento'? O que pode saber o indivíduo (que é um 'produto social') ? Mas espera-se que o autoconhecimento não leve ao egoísmo, individualismo, mas ao desapego e a solidariedade. Em contraponto ao militarismo que leva ao imperialismo, a exploração e escravidão de outros (e de nós mesmos, vide a relação Senhor – Escravo em Hegel e Nietzsche)


Para alcançarmos objetivos altruístas, os meios devem ser altruístas, como numa rebelião pacífica, numa desobediência civil (ver os exemplos de Thoreau, Gandhi, Martin Luther King Jr.), numa vida comunitária, em auto-gestão. Pois a revolução armada é violência que causa mais violência, seja o 'controle partidário', a 'vigilância vanguardista' (vide a 'patrulha ideológica'), seja a 'ditadura do proletariado', formas/meios que geram mais hierarquia e tirania (bolchevismo levou ao estalinismo, por exemplo)


Que os fascistas declarem o fanatismo militarista é uma posição que adotaram desde o início anti-liberal, mas que as democracia adotem métodos fascistas contra o fascismo isso seria um golpe contra os ideais democráticos. Para enfrentar os ditadores passaremos a utilizar métodos autoritários e centralistas? Como manter o 'livre-comércio' numa era de planejamento econômico e militar, de 'arsenal da democracia', como Roosevelt proclamou a posição norte-americana no início da Segunda Guerra Mundial.

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Ver sobre as democracias em guerra
http://sgmsegundaguerramundialww2.blogspot.com/2010/12/roosevelt-declara-eua-o-arsenal-das.html
http://sgmsegundaguerramundialww2.blogspot.com/2011/03/eua-congresso-aprova-lend-lease-act.html
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A solução – se é que podemos dizer assim – é apresentada como uma nova organização social baseada no cooperativismo, na produção coletivizada, mas sem a estatização, sem o Estado-produtor, e sem a propriedade privada. Afinal, socialização dos meios-de-produção não é estatização.


Para que exista este cooperativismo é preciso uma mudança no sistema de Educação, não uma revolução. Afinal de contas, a Educação atual – e mais ainda na época de Huxley, início do século 20 – visa a obediência do cidadão domesticado ao poder do Estado, a entidade paternal e punitiva. A educação para a cooperação visa a descentralização e ao auto-governo, em grupos e comunidades de no máximo 30 cidadãos. E que não precisam abolir a produção, destruir indústrias e máquinas, mas controlar coletivamente a produção para o bem-estar de todos.


Como tal comunitarismo seria possível nas grandes cidades? Ou seria um fenômeno rural, semelhantes as comunidades hippies? Ou inserir o modelo comunitarista nas cidades? Como manter o moral dos comunitaristas? Como impedir a competição e a administração? Como evitar a raça de parasitas chamados 'burocratas', chamados 'intelectuais', chamados 'militares' ?


A solução é a educação para o pacifismo, para a prática de esportes e jogos, sem visar qualquer 'eficiência bélica' ou 'guerra imperialista', sem anestesiar o corpo com meditações, mas congregando o trabalho e o pensamento. As crianças tendo acesso ao conteúdos humanistas, a filosofia, a literatura, e ao mesmo tempo tendo um trabalho artesanal, técnico, produtivo. A cooperação ensino-trabalho asseguraria a disciplina. E não o trabalho regido por 'princípios militaristas', com controle, ordem, hora de entrar e sair, hora do almoço, o que cria um verdadeiro 'exército de mão-de-obra'.


A disciplina deve ser antes o resultado de Responsabilidade compartilhada, igual para todos, não de imposição de uma classe sobre outras – aliás, nenhuma utopia poderia sobreviver algum tempo num sistema de classes. Um condição utópica seria a igualdade de condições – ainda que não de talentos. Huxley trata esta questão quando aborda os tipos humanos (o mental – cerebrotônico, o emocional – viscerotônico, muscular – somatônico) que se adaptariam a cada tipo de atividade, uns mais para o esporte, outros mais para a meditação. A disciplina é gerada pela cooperação entre os talentos, em livre-associação, com acesso igualitário às informações, em trabalho educativo, não alienado.


Pois desigualdade existe. Os seres humanos não são iguais, vejamos os critérios de psicologia, tais como talento, inteligência, aptidão profissional. É preciso talento para ser músico, é preciso pensamento abstrato para ser filósofo ou escritor. O que deve ser evitado é a extrema desigualdade, uns com acesso ao ensino e outros excluídos. A criança com talento para música e que nunca terá acesso a um instrumento musical, ou uma criança com talento para as matemáticas mas que jamais terá um livro de álgebra em mãos. Quantos talentos e potenciais são desperdiçados em nosso sistema educacional.


Afinal, a Educação deve aproveitar as potencialidades de cada um, uns para o pensamento e outros para a atividade técnica, mas sem excluir a priori, como um pré-determinismo: o rico pensa e o pobre labuta, o pequeno-burguês cuida do comércio e o nobre será o oficial do exército. Tanto que Gramsci, o pensador italiano, aconselha a educação tanto técnica quanto intelectual. Mas como romper os 'círculo vicioso' da educação? Quem educará as próximas gerações para o autogoverno e para a cooperação?


Outro item no debate: a Arte. A quem serve a Arte? Deve servir a alguém, ou a algum propósito? Tanto as Esquerdas como as Direitas desejam um 'padrão artístico' e desprezam/perseguem os que são rotulados de 'subversivos' ou 'inimigo de classe'. A Arte seria um espaço de livre criação per excellence. Uma forma de emancipação, não uma mera distração ou entretenimento. Mas o que vemos? A Arte sendo utilizada e deturpada para fins de propaganda!


Huxley mais se aproxima de um cristianismo otimista, a la Tolstoi, Gandhi, Martin Luther King, Madre Teresa – um cristianismo não religioso, ritualista, mas de solidariedade. Por isso o Autor condena os amorais tais como Sade e Nietzsche. Ambos seriam anti-éticos. Pensemos: Sade com certeza é anti-ético, pois não considera o Outro, mas o prazer do Eu. Mas Nietzsche não é meramente um imoral, é um Amoral, ou seja, propõe a superação da moral, 'criar novos valores', não é um arauto do Niilismo, mas clama pela superação do 'sem-sentido' da vida. Infelizmente, o pensador alemão não teve tempo de criar uma obra, digamos, construtiva, tendo apenas tempo de escrever a fase destrutiva – a 'filosofia com o martelo' - antes do crepúsculo nas sombras da loucura.


Assim, Huxley aceita a Religiosidade (não as religiões organizadas) e despreza o materialismo e o racionalismo, além do niilismo. Ele imagina um religiosidade com devoção cristã e meditação budista. Uma busca na mística oriental – daí o irracionalismo, o acesso às 'portas da percepção' – que já encontramos em Schopenhauer, Nietzsche, Hermann Hesse (autor de “O Lobo da Estepe”), como modo de superação e encontro com o Sentido do viver.


Os modelos judaico-cristãos devem ser superados – até porque a Bíblia não é modelo de conduta, mas o altruísmo e tolerância que nasce da meditação, um momento de desapego, de autoconhecimento, de transcendência para nos livrarmos da neurose civilizatória, daí a volta ao misticismo dos povos tradicionais, como encontramos nos movimentos new age, onde se acentua a necessidade de uma cooperação do ser humano com a Natureza, uma sociedade com sustentabilidade ecológica. Muitos vanguardistas desiludidos com os desenvolvimentismos de Esquerda passaram a se filiar aos partidos verdes, e a hoje a Ecologia é assunto em pauta.


É interessante comparar os pensamentos de Huxley, Fromm e Marcuse (autor de “Eros e Civilização”, 1955) quando tratam das questões de liberdade e sexualidade. Fromm discute com profundidade o mesmo 'medo à liberdade' que tanto inquietou La Boètie, pensador francês do século 16, amigo e interlocutor de Montaigne, que escreveu o “Discurso da Servidão Voluntária”, em 1552-53, sobre o fenômeno social da dominação: uma minoria (na época a nobreza e o clero) a dominar uma maioria, que não se rebelava. Seriam os dominados umas ovelhas conformadas? Não conseguiam perceber a própria miséria? Ou aceitavam 'seu lugar no mundo' porque também se sentiam fascinadas pelo poder?


Quando na época dos fascismos e do estalinismo, Fromm se perguntava por que as pessoas abriam mão de suas individualidades para seguirem padrões e líderes carismáticos, por que tinham tanto medo da liberdade, tanto receio de pensarem por conta própria sem seguirem slogans e palavras de ordem, as preocupações de La Boètie voltaram a ser debatidas: seja no conceito de hegemonia em Gramsci ou de repressão libidinal em Marcuse. Até porque política e sexualidade eram esferas submissas às mesmas coerções, como já escrevia Wilhelm Reich, autor de “As Origens da Moral Sexual” (1932), onde reencontramos algo pensado por Nietzsche e Freud.


Tanto para Freud quanto para Marx uma das causas do 'mal-estar na civilização' era a repressão sexual, a contenção da energia libidinal, na proibição do incesto, na formação da família. O ser humano seria naturalmente inclinado a plena satisfação de seus impulsos, assim a promiscuidade sexual seria uma das mais fortes tendências humanas, que seria reprimida quando os cidadãos eram obrigados a serem monogâmicos, fiéis provedores do lar. Para que ocorresse uma plena revolução – e não apenas política – era preciso liberar a libido, fazer prevalecer o domínio de eros, não da eficiência e do controle.


A chamada 'revolução sexual' ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, no mundo burguês ocidental, a partir de protestos estudantis em Paris e outras capitais europeias, além de centros metropolitanos nos Estados Unidos e no México. Depois se espalhou hegemonicamente. Houve certo relaxamento da repressão sexual, mas se mantendo a instituição do matrimônio, ainda que arranhada pela possibilidade do divórcio. A libido se libertou, mas a mais-valia continua. As classes trabalhadoras continuam servindo aos burgueses, produtores e financistas.


Na questão do controle/repressão dos impulsos instintivos podemos comparar Brave New World e 1984. Como cada sociedade distópica encarava a sexualidade? Que métodos usaram para incentivá-la ou reprimi-la?


Vejamos a repressão. Conter os instintos violentos e sexuais exigem força, coerção, violência. Por isso o ódio latente nos personagens de '1984', e a violência 'disciplinada' no filme 'Equilibrium' (2002) (com visível influência de '1984' e 'Fahrenheit 451'). A sexualidade não despertada e não desfrutada cria um excesso de energia que é prontamente desviada para outros fins, por exemplo, a militância política, a guerra imperialista, a militarização em geral.


Agora a promiscuidade. Já em 'Brave New World' os instintos – principalmente os de dominação sexual – têm livre expressão. Se um homem deseja levar uma mulher para a cama, nada mais fácil. Basta que ele a convide para ir ao cinema, ou a um jantar, e depois subirem ao apartamento dele ou dela. A promiscuidade sexual é socialmente aceitável e incentivada. Em '1984', a sexualidade é reprimida, é socialmente condenada.


Quanto a nós, cidadãos ocidentais do século 21, estamos mais próximos de Brave New World – até porque nos livramos dos totalitarismos de direita e de esquerda – fascismos, nazismo, estalinismo – que adoram proclamar uma moral sexual puritana. Repressão sexual esta que foi criticada não só pelos direitistas reacionários, mas também por outros socialistas (vide Marcuse, Reich) além de anarquistas, hippies, adeptos da new-age, ou seja, a libertação não seria 'apenas' política, mas sexual.


Nos livramos de '1984' para melhor chegarmos ao Admirável Mundo Novo onde se libera a livre-fluição da libido, mas se mantem a divisão do trabalho, a propaganda hipnótica, a exploração da mais-valia, o trabalho e o divertimento alienados. A burguesia, os gerentes da produção em série, os burocratas, apenas alargaram as dimensões das rédeas, não liberaram o gado.



(fim da Introdução)


jun/11

por Leonardo de Magalhaens

http://leoleituraescrita.blogspot.com





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