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Sobre
O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 1925)
romance
de F. Scott Fitzgerald (1896-1940)
(trad.
de Roberto Muggiati)
Testemunhando
que depois da euforia vem a depressão
Parte 1
Quando
a literatura elege certos momentos da História para captar temas e
elencar figuras, é geralmente por fixações e temores do autor, que
ao escolher um tema e momento se sente particularmente afetado,
demasiadamente incluído . Suas atribulações estão dissolvidas ou
concentradas na obra, que soa como um testemunho do vivido/ sofrido.
Suas convicções estão em uma ou outra personagem, assim como seu
desprezo. Uma época imediatamente anterior aquela em que a obra é
reconhecida, pois é preciso toda uma geração adiante para que os
olhos se voltem para aquela geração que deixou marcas.
Assim
acontece com F. Scott Fitzgerald que viveu e sofreu na euforia da Era
do jazz e das finanças na década de 1920, 'os loucos
anos 20', na euforia antes da Grande Depressão, quando os jovens
e investidores ganham montes de dinheiro e se afogavam no fundo de
bebedeiras. Tanto desvario deu um nome a esta geração
norte-americana do início do século 20, que vivia entre luxo e
embriaguez, tanto na América quanto na Europa (de preferência na
França pós-Grande Guerra), assim a 'Geração Perdida' (Lost
Generation) que incluía além de Fitzgerald os escritores E.
Hemingway, Gertrud Stein, John Dos Passos, Nabokov, dentre outros,
absortos em si mesmos e na prosperidade volátil.
O
Grande Gatsby testemunha sobre a geração dos anos 1920, no
mundo ocidental, assim como Pergunte ao Pó e
A Náusea descreve os anos 1930 e On The Road / Pé na Estrada
aborda os anos 1960, com suas personagens e situações pitorescas,
com ironia e admiração, entre o desejo e a amargura, pois cada obra
testemunha o ápice e a queda da geração que abriga o autor. Quem
narra está intimamente ligado ao narrado, tem cicatrizes a serem
fechadas, tem dramas a serem desbloqueados. Mesmo que o autor não se
apresente, deixando na linha de frente um narrador. Nada de visão
onisciente de uma narrativa em 3ª pessoa, mas de alguém situado nos
fatos narrados, mas que não sabe de tudo, antes descobre à medida
em que se dedica a narrar.
Em
O Grande Gatsby, por algum motivo, o narrador se manifesta,
lembra que temos em mãos um livro, sobre um exótico protagonista,
que merece nossa volátil atenção. Nada sabemos além do que Nick
nos relata, nem porque ele se impressionara tanto a ponto de narrar.
É ao longo da narrativas, com suas tessituras e entrelinhas, que
descobrimos, pouco a pouco.
“Apenas Gatsby, o homem que dá seu
nome a este livro, estava isento da minha reação – Gatsby que
representava tudo aquilo por que sinto um desprezo sincero. Se a
personalidade é uma série ininterrupta de gestos bem-sucedidos,
então havia algo magnífico nele, uma sensibilidade exacerbada
diante das promessas da vida, como se estivesse ligado a uma daquelas
máquinas intricadas que registram terremotos a quinze mil
quilômetros de distância.” (p. 6)
Sabemos
mais sobre o narrador, que lutou com as tropas norte-americanas na
Primeira Guerra Mundial (aqui denominada ironicamente “aquela
migração teutônica protelada”) em 1917 – o mesmo tendo
acontecido com o jovem Larry Darrell de The Razor's Edge,
1944, de Somerset Maugham, segundo comentado no ensaio sobre O
Lobo da Estepe, de H. Hesse.
Links
para o Meu Cânone Ocidental
sobre
a Geração Perdida e a Era do jazz
O
narrador, um novato no mundo dos negócios e da especulação, é
quem nos conduz ao mundo excêntrico de Gatsby, o Grande, que é o
oposto do seu próprio, uma vez que o jovem Nick Carraway é um
sujeito mais reservado e leitor de bons livros, em suma, alguém que
não vive a aventura, mas está apto a escrevê-la. Até porque ele é
um ótimo observador, cuja erudição entrega densidade às
descrições de personagens e situações (o que seria diferente caso
o narrador fosse o protagonista Gatsby...),
“Eu era um tanto chegado à
literatura na universidade – um ano escrevi uma série de
editoriais muito solenes e óbvios para o Yale News – e
agora ia trazer de volta todas as aquelas coisas para minha vida e me
tornar de novo aquele mais limitado dos especialistas, o homem
'cultivado'. Isto não é apenas um epigrama – afinal, pode-se ver
bem melhor a vida observando-a através de uma única janela.” (pp.
8-9)
Descrições
de ambientes e pessoas são marcantes em detalhes e observações
irônicas. É o narrador, juntamente com o que é narrado, que cria a
estética magistral de The Great Gatsby. O narrador está
fora e também dentro, sendo parente (primo) de uma das
protagonistas, da encantadora Daisy, casada com o ricaço, herdeiro
de várias gerações, Tom Buchanan, daí ser agora a Sra. Buchanan.
O que faz Daisy ser especial é o fato de ser uma antiga paixão do
agora milionário excêntrico, promotor de festanças, o Sr. Gatsby,
o novo rico que mora do outro lado da baía.
A
descrição do casal Buchanan é repleta de ironias e humor ácido,
pois eles são familiares e ao mesmo tempo contrários. Eles levam a
vida luxuosa que Nick não pode ter, ou não pretende ter, o que
permite que ele tenha julgamento para observá-los e melhor julgar.
Uma vida de ricaços, luxuriosa e ao mesmo tempo vazia e inútil,
entre encontros sociais, esportes e festanças. Como uma nobreza
apartada do povo, em época de pós-guerra, antes da Grande
Depressão econômica (1929-1933). Estando o narrador fora e
dentro, ele avalia o jovem casal, e se interessa pela visitante, a
bela e fatal Srta. Baker. Ele faz uma visita social que logo se torna
de interesse amoroso, de reafirmação amorosa. O interesse pela
Srta. Baker é imediato, “Gostei de observá-la. Era uma garota
esguia de seios pequenos com um porte ereto que acentuava jogando os
ombros para trás como um jovem cadete. Seus olhos cinzentos,
contraídos pelo sol retribuíram-me o olhar com uma curiosidade
recíproca e educada num rosto pálido, encantador e insatisfeito.
Ocorreu-me agora que eu já a tinha visto, ou a um retrato dela, em
algum lugar.” (pp. 15-16)
Quanto
a Tom Buchanan, o esportista de família rica, é um tipo
conservador, um racista quase um nazi-fascista, ao abordar temas como
raça dominante branca e nórdica, em
“'A
civilização está caindo aos pedaços', interrompeu Tom
violentamente. 'Acabei me tornando um pessimista terrível em relação
às coisas. Vocês leram A ascensão dos impérios de cor, escrita
por este sujeito, Goddard?
'Não',
respondi um tanto surpreso com o seu modo.
'Bem,
é um livro excelente que todo mundo devia ler. A ideia é que, se
não prestarmos atenção, a raça branca será... ficará totalmente
sumersa. É tudo coisa científica; foi tudo provado.' (pp. 17-18)
mais
sobre Gatsby e a decadência em
Sua
bela esposa Daisy é cínica, assim mesmo ela se define ao primo
Nick, que anda boquiaberto com tanto luxo e vazio,
“
'É verdade.' Ela hesitou. 'Bem,
passei por uma fase muito difícil, Nick, e fiquei um tanto cínica
em relação a tudo.'
Era
evidente que tinha motivo para ser cínica. Esperei, mas ela não
falou mais nada e, depois de um momento, voltou sem muita convicção
ao assunto de sua filha.” (p. 22)
Logo
em seguida Nick descobre que Tom vive a trair sua prima Daisy com uma
mulher casada, esposa de um mecânico da autoestrada. E não hesita
em apresentar a amante ao narrador! “'Vamos descer!', insistiu.
'Quero que conheça minha garota.' Acho que ele tinha bebido bastante
no almoço e sua determinação em contar com a minha companhia
beirava a violência. A suposição soberba era de que numa tarde de
domingo eu não devia ter nada melhor a fazer.” (p. 28)
Nas
conversas entre o casal e a Srta Baker é mencionada uma das festas
de Gatsby, sempre grandiosas, “Estive lá numa festa há cerca
de um mês. Na casa de um homem chamado Gatsby. Você o conhece?”
(p. 37) Festas que Gatsby oferece a uma multidão de gente que ele
sequer conhece, e que nem se importa em conhecê-lo. Afinal, é
apenas um novo rico. Mais sobre as festas de Gatsby circula em outra
festa, quando Nick se embriaga, ou se vê obrigado a se embriagar, no
apartamento da amante de Tom, em companhia de gente que
definitivamente não é da classe do ricaço. Nick presencia o
desregramento e o delírio num apartamento, onde ele está dentro e
fora, bêbado e sóbrio para perceber-se bêbado, e pronto para
presenciar um ápice do nonsense: a violência contra a mulher: Tom
agride a amante, quando esta ofende a esposa Daisy. “Num
movimento breve e preciso, Tom Buchanan quebrou o nariz dela com um
tapa.” p. 42
Mais
é no capítulo 3 que saberemos mais sobre as festanças do
Sr. Gatsby, descritas em detalhes, entre o realismo e o surrealismo
pelo narrador Nick, um dos (realmente) convidados. Aliás, parece ser
ele o único convidado. O resto dos loucos, artistas,
playboys, mulheres da vida, empresários, jogadores,
dançarinas, ricos e novos ricos, aparecem em carros em alta
velocidade vindos de toda parte da metrópole.
“Eu ouvia música da casa do meu
vizinho durante as noites de verão. Em seus jardins azuis homens e
garotas iam e vinham como mariposas entre os sussurros e o champanhe
e as estrelas. Na maré alta da tarde eu observava seus convidados
mergulhando da torre da sua balsa ou tomando sol na areia quente de
sua praia enquanto suas duas lanchas a motor cortavam as águas do
Estreito, puxando aquaplanos sobre cataratas de espuma.” (p. 45)
“O bar está no auge da animação e
rodadas flutuantes de coquetéis permeiam os jardins até que o ar
fica cheio de conversas e risos, insinuações casuais e
apresentações esquecidas em um instante, e encontros entusiasmados
entre mulheres que jamais ouviram o nome uma da outra.
As luzes ganham brilho à medida que a
terra se afasta do sol e agora a orquestra toca música de coquetel
melancólica e a ópera de vozes atinge um tom mais agudo. Os risos
se tornam mais fáceis a cada minuto, derramados com prodigalidade,
provocados por uma palavra jocosa. Os grupos mudam mais rapidamente,
são engrossados por novas chegadas, dissolvem-se e formam-se num
mesmo instante – já existem garotas nômades e confiantes que
circulavam aqui e ali entre as mais robustas e mais estáveis e
então, excitadas por seu triunfo, deslizam através da maré de
rostos, vozes e cores debaixo da luz em contínuo câmbio. “ (pp.
46-47)
É
assim que é desperdiçado o dinheiro fácil em épocas anteriores à
Depressão (causada justamente pela especulação...), o que vem a
atrair o jovem Nick para a metrópole, onde pretende se encaixar no
circo da grana-fácil, e lucrar como muitos julgam lucrar. “Eu
tinha certeza de que estavam todos vendendo alguma coisa: títulos,
seguros ou automóveis. Tinham, pelo menos, uma noção muito precisa
do dinheiro fácil que existia naquela vizinhança e estavam
convencidos de que aquele dinheiro seria seu mediante umas poucas
palavras na tecla certa.” (p. 48)
Circulavam
boatos sobre a figura de Gatsby. O que ele seria? Um assassino? Um
espião? De onde vem toda a sua riqueza? Por que tanta generosidade?
Aliás, onde estava o anfitrião Gatsby? Ninguém conhece Gatsby,
ninguém foi convidado por Gatsby. “Todos nos viramos e olhamos
ao redor em busca de Gatsby. Uma prova da especulação romântica
que inspirava é que havia cochichos sobre ele até da parte de
pessoas que jamais sentiram necessidade de cochichar sobre nada neste
mundo.” (p. 50)
Enquanto
não encontra o anfitrião-protagonista, o narrador Nick perambula
pela mansão em festa e delírio, a encontrar exóticos 'convidados'.
Jovens sem rumos, damas bêbadas, um excêntrico 'leitor' na ampla
biblioteca, todos impressionados com a riqueza e o esbanjamento, com
a festa e a figura (anônima) do anfitrião. É de verdade a
decoração e os pratos requintados. É de verdade os grossos volumes
na biblioteca. O sujeito esbanja riqueza e bom gosto, se dedica à
leitura! (Ou aparenta se dedicar à leitura...)
Mas
é apenas quase ao fim da festa que o narrador se vê diante do
anfitrião, ali meio aos 'convidados', flanando entre as mesas, a
observar os risos e sorrisos, a contemplar o efeito de sua
generosidade festiva. De súbito, um dos homens inicia uma conversa
com o narrador, sobre fatos da guerra anterior, a Primeira Guerra
Mundial, uma vez que ambos dela participaram. Mas quem é o homem
que sobreviveu à guerra? Ele se apresenta, é Gatsby!
“Sorriu com um ar de compreensão –
muito mais do que compreensão. Era um daqueles sorrisos raros com
uma qualidade de eterna reafirmação, que a gente encontra umas
quatro ou cinco vezes na vida. Ele se defrontava – ou parecia se
defrontar – com todo o mundo externo por um instante e então se
concentrava em você com uma parcialidade irresistível a seu favor.
Ele o entendia na medida em que você desejava ser entendido,
acreditava em você como você desejaria acreditar em si mesmo e lhe
garantia que guardava de você a impressão que, à melhor maneira,
você esperava transmitir. Precisamente naquele ponto ele se
evaporava – e eu estava procurando um elegante jovem casca grossa,
um ano ou dois além dos trinta, cuja elaborada formalidade de fala
beirava o absurdo. Algum tempo antes de se apresentar, teve uma forte
impressão de que escolhia suas palavras com cuidado.” (pp. 54-55)
O
que temos, afinal, é uma descrição de Gatsby segundo as impressões
de Nick, ali bem impressionado, meio sem rumos, dentro e fora da
festança,
“[...] meus olhos caíram sobre
Gatsby, sozinho no pé nos degraus de mármore, olhando de um grupo
para outro com um ar de aprovação. Sua pele bronzeada era
atraentemente lisa no rosto e os cabelos curtos pareciam ser aparados
todo dia. Eu nada conseguia ver de sinistro nele. Imaginei se o fato
de não estar bebendo ajudava a distanciá-lo dos convidados, pois me
parecia que ele se tornava mais correto à medida que a hilaridade
fraternal aumentava.” (pp. 56-57)
Depois
o narrador tece considerações sobre a própria narrativa, relendo
suas impressões após as noites de festa, “Relendo o que
escrevi até agora, vejo que dei a impressão de que os
acontecimentos de três noites, separadas entre si por várias
semanas, foi tudo o que me absorveu. Ao contrário, foram
acontecimentos meramente ocasionais num verão tumultuado e, a não
ser muito depois, me absorveram infinitamente menos do que meus
afazeres pessoais.” (p. 63)
Quais
afazeres pessoais? De fato, é agora que ficamos sabendo mais sobre o
seu trabalho, no ramo de finanças (em corretora de títulos) em
Manhattan, Nova York.
“A maior parte do tempo eu
trabalhava. De manhã cedo o sol projetava minha sombra para oeste
enquanto eu seguia apressado pelas ravinas brancas da parte baixa de
Nova York em direção da Firma. Conhecia os outros funcionários e
jovens corretores de títulos pelo primeiro nome, almoçava com eles
em restaurantes escuros e lotados […] Eu jantava geralmente no Yale
Club – por algum motivo era o acontecimento mais sombrio do meu dia
– e então subia à biblioteca e estudava investimentos e títulos
durante uma hora conscienciosa. Havia quase sempre alguns bagunceiros
por lá, mas nunca vinham à biblioteca, por isso era um bom lugar
para se estudar. Depois, se a noite era branda, eu seguia a pé pela
Madison Avenue, passando pelo velho Murray Hill Hotel e atravessando
a rua 33 até a Estação Pensilvânia.” (pp. 63-64)
Nosso
narrador, Nick Carraway, perambula pela noite nova-iorquina no começo
dos anos 1920, a sentir-se solitário meio às multidões, e aos
olhares, e às luzes néons, e aos turbilhões de carros e promessas
de prazeres, assim cerca de uns trinta anos do jovem Holden Caulfield
de Catcher in the rye, de J.D. Salinger [1919-2010], que narra
uma caminhada pela Big Apple, congelada na época do Natal, a
carregar “The Great Gatsby” como uma de suas leituras de
referência.
Link
para o ensaio em Meu Cânone Ocidental
Nick,
o solitário, vê-se interessado na jovem esportista Jordan Baker,
que ele conhecera n casa de Daisy e Tom. Como ele vê a Srta. Baker,
que tanto o atrai?
“Jordan Baker evitava
instintivamente homens perspicazes e agora eu via que isto acontecia
porque ela se sentia mais segura num plano em que qualquer
divergência de um código seria julgada impossível. Ela era uma
desonesta sem cura. Não era capaz de suportar uma posição de
desvantagem e, considerando esta resistência, imagino que ela
começara a lidar com subterfúgios ainda bem jovem a fim de manter
aquele sorriso insolente voltado para o mundo e, ainda assim,
satisfazer as demandas do seu corpo vigoroso e elegante.” (p. 65)
Ao
contrário de Jordan, Nick se considera uma pessoa honesta, como
declara no último parágrafo do capítulo 3. Será que
opostos se atraem? “Todo mundo suspeita de si mesmo que possui
pelo menos uma das virtudes cardeais e esta é a minha: sou uma das
poucas pessoas honestas que já cheguei a conhecer.” (p. 66)
A
relação do narrador com o protagonista da narrativa é a mesma de
admiração e distanciamento que encontramos em obras como “The
Razor's Edge”, onde o autor-narrador Maugham focaliza a vida de Larry Darell, ou ainda “Doktor Faustus”, de Thomas
Mann, onde Serenus Zeitbloom observa as vicissitudes de Adrian
Leverkühn. São naradores que estão dentro da narrativa, mas numa
zona limítrofe com o fora. Eles sabem que servem apenas para narrar
a estória, não interferir na mesma. Sabem que o protagonista deve
ser o foco de tudo – mesmo sendo sob a objetiva do narrador, com
suas perspectivas e preconceitos. Afinal, não há um narrador do
'ponto-de-vista divino', isto é, onisciente, onipresente. O narrador
não sabe tudo sobre o protagonista, mas sabe o suficiente para
deixar dúvidas e enigmas para torturar a curiosidade de cada leitor.
Enigmas
que continuam. O que faz Gatsby? Qual a fonte de sua riqueza? Ele é
contrabandista? Um mafioso? Nada é esclarecido. Enquanto isso os
convidados zombam de sua farta hospitalidade. Aqueles que desfrutam
de suas festas não hesitam em apontá-lo como espião ou
contrabandista de bebidas. Dizem e acusam, ali no jardim, enquanto
bebem e comem às suas custas! Um Gatsby que é tão misterioso - e
também enérgico e impulsivo. Sempre em movimento, sempre se
reafirmando.
Descobrimos,
nós, os atentos leitores, que o protagonista é 'construído' ao
longo da narrativa, em pequenos recortes, em algumas situações,
jamais descrito completamente, mas gradativamente, peça por peça,
assim como o Leopold Bloom de Ulisses (James Joyce) ou o
Darell de The Razor's Edge (de Maugham) ou o Harry Haller de
O Lobo da Estepe (de Hesse). Protagonista densos e que se
desenvolvem durante a narrativa, sempre ao olhar de um outro (do
narrador e de outros figurantes). Em alguns momentos, o que
protagonista pensa de si mesmo, Gatsby por Gatsby, Gatsby na Guerra,
Gatsby que deu a volta por cima. Mas a perspectiva ainda é de Gatsby
pelo olhar de Nick, ou o protagonista na voz do narrador.
No
mais, Gatsby está ciente dos boatos e estórias que circulam sobre a
sua vida e sua riqueza. Que os convidados traficam impressões
enquanto degustam os petiscos do banquete. Enquanto anfitrião ele
sabe das mentiras e meias-verdades. E o que passa a ser curioso é o
seguinte: por que Gatsby se aproxima de Nick? Por que ele é o primo
de Daisy? Como Gatsby soubera? Como sabia sobre o vizinho? Ou ainda:
por que narrador e protagonista se atraem? Afinal, o narrador Nick é
bem crítico quanto às amizades de Gatsby e seu círculo de
festivos. Quem seria um tal Wolfshiem, com jeito de mafioso? Um
jogador trapaceiro? Ou ainda, o que Gatsby sente com relação a Tom
Buchanan é só rivalidade? Ou também inferioridade? O que
acontecera realmente entre Gatsby e Daisy alguns anos antes?
Enquanto
as perguntas não são respondidas, o caso amoroso entre Nick e
Jordan prossegue. Daí o narrador adentrar ainda mais o círculo de
amizades do casal Daisy e Tom, e adentrar mais o labirinto das
especulações. Por que o Sr. Gatsby é o protagonista? Por sua
figura de romântico fora de época? E seu ar de galã ? Ou de homem
que enriqueceu, um self-made man ? É quando reaparece a
esportista Jordan Baker, a conceder algumas respostas. Sabemos mais
sobre o romance entre Daisy e Jay Gatsby, a chegada da Guerra, a
jornada militar de Gatsby, então, após o Armistício, o casamento
de Daisy com Tom, devido às questões de classe, e o retorno do
homem em busca de sua paixão do passado. Então é isso: uma
história de amor. Tudo o que Gatsby faz é para atrair a atenção
de Daisy! Ela que nunca aparecera sequer a uma das festanças!
Sabemos
que a amizade de Gatsby por Nick é algo interesseira, uma vez que
ele deseja é rever a querida Daisy. É por isso que Gatsby tem uma
proposta para Nick, no propósito de ganhar mais dinheiro. Mas qual a
fonte de renda do Sr. Gatsby? Finanças ou contrabando? Nick
desconhece. Sabe que, segundo o dono, o novo rico trabalhou três
anos para poder comprar a mansão das festanças. (Em dado momento,
Gatsby se refere a um rendimento com drogarias e petróleo, mas nada
mais é esclarecido. É comércio legalizado? Ele é acionista? É
especulador?) Enquanto isso, Gatsby cuida da decoração da casa de
Nick, pois espera que Daisy visite o primo, uma vez que foi
convidada. Ela nem sabe o que a espera...
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fonte:
FITZGERALD, F. Scott. O Grande Gatsby. Trad. Roberto Muggiati.
5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.
jul/ago/13
Leonardo
de Magalhaens
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