sexta-feira, 16 de agosto de 2013

sobre O Grande Gatsby / P 2 - de Fitzgerald


 


Sobre O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 1925)
romance de F. Scott Fitzgerald (1896-1940)
(trad. de Roberto Muggiati)


Testemunhando que depois da euforia vem a depressão


Parte 2



O reencontro de Gatsby e Daisy acontece no Capítulo 5 com uma cena marcante sob a narrativa surpreendida de Nick, ali entre os dois apaixonados de outrora. Sabemos mais sobre a vaidade de Gatsby, sua necessidade de auto-afirmação para compensar a timidez e sentimento de inferioridade, sabemos o quanto Daisy ainda se lembra do querido de outrora – afinal passaram-se cinco anos (lembramos que as tropas norte-americanas entraram na PGM, ao lados dos britânicos e franceses, em 1917...).

Entre Daisy e Gatsby passou-se mais coisa do que suponha o narrador (e os leitores...) e não há um pleno esclarecimento, é preciso ligar as tessituras, a fala de Jordan, o que Gatsby deixou vazar, os olhares de Daisy, todo um mosaico de sugestões que explicita a paixão antiga entre eles. Deixando a casa de Nick, onde ocorrera o reencontro, o trio segue para a mansão de Gatsby, agora tão diferente sem as festanças.

Era estranho chegar aos degraus de mármore e não encontrar nenhum farfalhar de vestidos coloridos entrando e saindo pela porta e não ouvir nenhum som além daquele das vozes dos pássaros nas árvores.

No interior da casa, enquanto passeávamos por salões de música estilo Maria Antonieta e salões Restauração, senti que havia convidados escondidos atrás de cada sofá e de cada mesa, sob a ordem de se manterem em silêncio, a ponto de prender a respiração, até que tivéssemos passado. Quando Gatsby fechou a porta da Biblioteca da UNIVERSIDADE Merton eu podia jurar que ouvira o homem de olhos de coruja irromper numa gargalhada espectral.” (pp. 99-100)

Em seguida, a 'cena das camisas', muito emblemática nos filmes, quando Gatsby abre os guarda-roupas, diante dos olhares admirados de Daisy, e retira várias camisas elegantes, finas e caras, a exibir seu poder de compra, “Tirou uma pilha de camisas e começou a arremessá-las uma a uma diante de nós, camisas de puro linho, de seda espessa e de fina flanela, que perdiam suas rugas ao cair e cobriam a mesa numa desordem multicolorida.” (p. 101), o que provoca lágrimas em Daisy, inclinada sobre as camisas, visivelmente emocionada, “Isso me deixa triste, porque nunca vi camisas tão bonitas assim.”.


A cena não é cômica nem trágica, é uma amostra do estilo de Fitzgerald, entre o realismo e o romantismo, diluído na narrativa de Nick, entre protagonistas, o mocinho e a mocinha, “Tentei ir embora então, mas eles não queriam saber daquilo; talvez minha presença os deixasse mais satisfatoriamente a sós.” (p. 103) a perceber o quanto de idealização existe numa relação amorosa, visto o quanto Gatsby idealizou Daisy. Sob o olhar de Nick, o realista, o honesto, a cena que seria romântica perde o tom idealizado,

Quando me aproximei para me despedir, vi que a expressão de perplexidade tinha voltado ao rosto de Gatsby, como se uma leve dúvida lhe tivesse ocorrido em relação à qualidade de sua felicidade atual. Quase cinco anos! Deviam ter ocorrido momentos, mesmo naquela tarde, em que Daisy deixou de preencher os seus sonhos – não por culpa sua, mas por causa da vitalidade colossal da ilusão de Gatsby. Fora além dela, fora além de tudo. Ele se jogara naquilo com uma paixão criativa, acrescentando algo o tempo todo, embelezando o seu sonho com cada plumagem colorida que surgisse em seu caminho. Nenhuma quantidade de fogo ou de frescor podia competir com aquilo que um homem é capaz de armazenar no seu coração fantasmagórico.” (p. 105)

Em dado momento, Gatsby perde o controle sobre a sua imagem. É agora, após tantas festanças, após sua figura de anfitrião, uma pessoa famosa, e mais curiosidades borbulham ao seu redor. De onde veio aquele novo rico? O que nutre sua riqueza assim esbanjada em festins? “A notoriedade de Gatsby, propagada pelas centenas de pessoas que aceitaram sua hospitalidade e se tornaram autoridades em relação ao seu passado, aumentara durante todo o verão, a ponto de transformá-lo em notícia.” (p. 107)


Assim Gatsby encontra-se exposto aos holofotes, em seus minutos de fama, o que o incomoda, por seu passado não exatamente esclarecido. Lendas e boatos envolvem seu nome em atividades nada legalizadas, o que deixa sua imagem borrada imagina-se sempre aos olhos de Daisy. Ela aprova sua fortuna? Saberá quem é Jay Gatsby? Ou que ele é mesmo James Gatz? Na verdade, Gatsby é uma invenção do jovem Gatz ?

Suponho que, mesmo na época, já tivesse o nome pronto há algum tempo. Seus pais eram lavradores incapazes e fracassados – sua imaginação nunca os aceitara realmente como pais. A verdade é que Jay Gatsby, de West Egg, Long Island, nasceu da sua concepção platônica de si mesmo. Era um filho de Deus – frase que, se significa algo, significa justamente isso – e devia se dedicar ao Serviço de Seu Pai, o serviço de uma beleza vasta, vulgar e ilusória. Inventou então o tipo exato de Jay Gatsby que se esperava que um garoto de dezessete anos inventasse e foi fiel a esta concepção até o fim.” (p. 108)

Então todo o passado de Gatz / Gatsby é recomposto, é explicitado, em reconstituição feita pelo narrador. Como ele conseguiu todos os dados? O próprio Gatsby teceu um desabafo sobre sua juventude de arrivista? Afinal, dias antes ele falara longamente sobre sua atuação como oficial nas batalhas da PGM, motivo de promoção e uma condecoração. Por que não entregaria suas memórias todas afinal? De fato, foi mesmo Gatsby quem entregou tudo, o narrador o revela em seguida, “Ele me contou tudo isto muito tempo depois, mas eu coloco aqui no papel com a finalidade de explodir aqueles primeiros rumores sobre seus antecedentes, que não eram sequer vagamente verdadeiros. Além do mais, contou-me aquilo numa época de confusão, quando eu tinha chegado ao ponto de acreditar tudo e nada sobre ele.” (p. 111)

O narrador fica algum tempo afastado do protagonista, mas, quando volta a encontrá-lo, pode presenciar uma cena inusitada. Uma breve visita de Tom Buchanan a propriedade de Gatsby. Uma visita arrogante ou indiferente, mas ainda uma visita. Promessas de novas festas. Mas os ricaços da vizinhança consideram Gatsby um mero excêntrico, uma 'figura estranha'. Mas finalmente o casal Tom e Daisy Buchanan comparecem na festança de Gatsby. Será que os ricaços já aceitam a presença do novo rico? Nick narra o episódio com certa emoção, indisfarçada.

Tom ficou evidentemente perturbado com as saídas de Daisy e na noite do sábado seguinte veio com ela à festa de Gatsby. Talvez a sua presença desse à noitada a sua qualidade peculiar de opressão – ela se destaca na minha memória das outras festas de Gatsby naquele verão. Havia as mesmas pessoas, ou pelo menos o mesmo tipo de pessoas, a mesma profusão de champanhe, as mesmas comoções de muitas cores e de muitos sons, mas eu sentia algo desagradável no ar, uma aspereza persistente que nunca estivera ali antes. Ou talvez eu tivesse simplesmente me acostumado àquilo, aprendido a aceitar West Egg como um mundo completo em si mesmo, com seus próprios padrões e suas próprias figuras, inferior a nada porque não tinha sequer consciência de que o era, e agora eu o estivesse vendo de novo através dos olhos de Daisy. É invariavelmente entristecedor olhar com novos olhos coisas sobre as quais consumimos nossos próprios poderes de ajustamento.” (pp. 114-115)

Claramente o Sr. Buchanan despreza os convivas, mesmo que alguns sejam 'celebridades'. Não são da mesma classe, destoam da Elite, que mora de um lado da baía, além do mais são um tanto 'excêntricos'. Para serem aceitos precisam ter bom gosto além de sólidas fortunas. Agora, o que seja 'bom gosto', ou 'sólida fortuna', não sabemos. Serviçais, pobres, arrivistas, e novos ricos não são aceitos. Para ele, os novos ricos não passam de 'contrabandistas de bebidas', assim Tom mantém-se distante, enquanto Daisy tenta se divertir. E Nick se sente incomodado, ele ali a suportar bebedeiras e hilaridades. Contudo ele observa, colhe impressões, afinal é quem narra, é que testemunha. Se mantive uma indiferença, o que seria capaz de narrar?

Por que Gatsby idealizara tanto a jovem Daisy? Por que Gatsby não se apaixonou pelas belas jovens que frequentam suas festas? Nick se pergunta, enquanto Tom promete pesquisar mais sobre Gatsby e sua riqueza. Não acredita que ele seja dono de drogarias, etc. Sempre a rivalidade entre Tom e Gatsby é insinuada, com olhares e expressões, ali as figuras de um ricaço e um novo rico se medindo, se avaliando. Afinal, no mundo da Elites, vale mais quem tem mais, quem exerce mais influência, ao exibir e ampliar riqueza. É todo um mundo de luxo e luxúria que Larry Darell recusa em The Razor's Edge, quando, ao voltar da Guerra, prefere pensar, sentir, ler filosofia, viajar, seguir gurus místicos. (Abordamos a obra de Maugham no ensaio sobre O Lobo da Estepe, em Meu Cânone Ocidental.)


No capítulo 7 sabemos que se acabaram as festanças na mansão de Gatsby, e que este segue juntamente com Nick para um almoço na mansão dos Buchanan. Nick presente que algo acontecerá. Ao chegar, as mulheres murmuram que a amante de Tom está ao telefone. Nick assegura que não. Sabe que é o marido traído, o mecânico. Enquanto isso, Daisy é toda atenção e afeto para com Gatsby. Será que acontecerá um rompimento? Não. Levantam-se todos e descem de carro até a cidade [Nova York]. Tom, com ares de desafio, decide ir no carro de Gatsby, com Nick e Jordan, enquanto Daisy prefere ir no outro carro com Gatsby. Assim, Nick e Jordan ficam sabendo que Tom sabe, pois investigou sobre o passado do protagonista e sua ligação com sua Daisy. Não é tão idiota quanto pensam!

Com o carro de Gatsby, Tom para no posto de gasolina de Wilson, o marido traído. O mecânico não está bem, parece abalado. O narrador julga que o marido descobriu a traição, uma vez que deseja deixar a região. “Ele [Wilson] descobrira que Myrtle tinha uma espécie de vida à parte, num outro mundo, e o choque o deixara fisicamente abalado. Olhei para ele e a seguir para Tom, que fizera uma descoberta paralela menos de uma hora antes – e ocorreu-me que não havia diferença entre os homens, de inteligência ou raça, tão profunda como a diferença entre os doentes e os saudáveis. Wilson estava tão doente que parecia culpado, imperdoavelmente culpado [...]” (p. 137) Assim, tanto Tom quanto Wilson se perceberam traídos – e ligados por laços de infidelidade. Esta é a ironia, e o narrador bem percebe.

Uma teia de mal-entendidos é entretecida, com a infiel Myrtle vendo Jordan ao lado de Tom, e julgando que é a esposa; com o carro de Gatsby sendo apresentado como o carro novo de Tom; com o esportista ricaço perdendo controle sobre a esposa e a amante. Por fim acabam todos numa suíte de grande hotel, em busca do alívio do calor, mas de modo que nem o narrador sabe. Pois sabe apenas que o clima ficou tenso entre o casal e o novo rico. Entre eles Nick e Jordan aparando as provocações e palavras mordazes entre Tom e Gatsby. Tom, enervado, expõe seu pensamento conservador e hipócrita. É contra o casamento misto, é defensor da família, mas é contraditório, uma vez que ele tem um affair com uma mulher casada. Tudo não passa de um 'duelo' entre Tom e Gatsby pela posse de Daisy, o troféu.

Na luta pela posse do troféu, Tom não hesita em destruir a imagem de Gatsby, ao lembrar o passado do novo rico, seus 'negócios', suas aventuras na ilegalidade. Daisy não defende Gatsby e não desafia Tom, que assim é o vencedor. A ruína de Gatsby ao ver que Daisy hesita em deixar o Sr. Buchanan. No meio do drama percebemos que o narrador está do lado de Gatsby e descobrimos que Nick está completando 30 anos. É quando Nick começa a falar sobre si mesmo. “Trinta anos – a promessa de uma década de solidão, uma lista com menos colegas solteiros, uma pasta de trabalho com menos entusiasmo, menos cabelos. Mas havia Jordan ao meu lado que, ao contrário de Daisy, era esperta o suficiente para não carregar sonhos esquecidos de uma época para outra.” (p. 150)

Mas eis que acontece a tragédia que levará a mais tragédia. Wilson, o marido traído, tranca a esposa infiel, Myrtle, no quarto, mas ela foge e corre pela auto-estrada, bem a tempo de ser atropelada pelo carro de Gatsby (o mesmo carro que Tom dirigia ao seguir para NY). Gatsby é o culpado? Não, logo Nick descobre que Daisy é quem dirigia em alta velocidade o carro amarelo. Sem saber, ela atropelara a amante do marido! É a teia de confusões na qual se perderá o protagonista, o misterioso Gatsby que deixa de ser mistério no capítulo seguinte, quando relata ao narrador aquilo tudo que ele já nos adiantou dois capítulos antes. O teor do diálogo franco entre protagonista e narrador já foi condensado no capítulo 6, sobre a paixão de Gatsby e Daisy na época da Primeira Grande Guerra.

E mais: quem é Daisy, a jovem rica? Por que tão idealizada por Gatsby? Um sonho americano? Afinal, Daisy significa a personificação da beleza e a riqueza da Elite americana ao olhar do jovem convocado, futuro oficial e condecorado no conflito, glorioso na guerra, mas longe da glória da alta sociedade.

Mal sabia que estava na casa de Daisy por um acidente colossal. Por mais glorioso que pudesse ser o seu futuro como Jay Gatsby, era naquele momento um jovem sem vintém e sem passado e a qualquer momento o manto invisível do seu uniforme poderia escorregar dos seus ombros. Por isso, aproveitou ao máximo o seu tempo. Apossou-se de tudo o que podia, com voracidade e sem escrúpulos – finalmente apossou-se da própria Daisy numa noite quieta de outubro, porque não tinha nenhum direito real de tocar sequer em sua mão.” (p. 165)

A tragédia de Gatsby faz com que o narrador tenha certa simpatia pelo protagonista, ainda que o reprove. É o fim de Gatsby que confere um ar de trágico a uma vida de banalidades e descompassos. Por que conquistar a riqueza (até ilegalmente) se não se pode voltar no tempo, não se pode (re)conquistar um amor de outrora? O narrador Nick volta a sua vida de venda de ações, de cirandas das finanças, de encontros e desencontros com a Srta. Baker, isto enquanto uma ideia de crime aparece na mente do marido traído que sente o choque da morte da mulher infiel. Terá ela sido morta pelo amante? Aquele que dirigia o carro amarelo? Será que o Sr. Wilson desconfia de Tom, aquele que dirigia? (Mas no momento do acidente, outro dirigia, como sabemos). Pois de quem é o carro assassino? De um tal de Gatsby, novo rico, que dava festas sensacionais... Como Wilson chegou até Gatsby? Aliás, o romance precisava de tal desfecho? Ou somente tal desfecho dá aquele tom trágico que fecha o túmulo do protagonista antes censurável ? Ou do retrato de uma época temos o retrato de um homicídio? Aliás, uma queda mais para o romance policial noir...

A narrativa toma ares noir, com descrições cinzentas, amargas, do narrador, que sabe que algo de cruel sobrevirá para fechar o relato – ele que está narrando após a conclusão da tragédia, dois anos depois, tentando entender o que aconteceu realmente. Que imensa somatória de mal-entendidos, que montanha de incompreensões, que abismos entre as pessoas! Somam-se desencontros e toda riqueza esbanjada é em vão. Os empregados – e Nick – encontram o corpo de Gatsby morto na piscina. “Foi quando carregávamos Gatsby para a casa que o jardineiro viu o corpo de Wilson um pouco adiante no gramado. E o holocausto estava completo.” (p. 179)

Como encerrar a narrativa sem cair numa de folhetim de escândalos? Será que o fim de Gatsby é ser considerado um amante de mulher casada e que terminou seus dias assassinado pelo marido traído enquanto descansava na piscina. Tragédia entregue em prato cheio para os tablóides sensacionalistas. Em busca de uma manchete o que não fazem os jornalistas mercenários? Afinal, há um louco que perambula em busca de vingança – que mata e se mata. Um desfecho sangrento para um romance de época de euforia pré-Depressão.

Enquanto o drama termina com a morte do protagonista, o que se passa com os demais figurantes? Para onde se debandaram Tom e Daisy? Para onde poderá o dinheiro levá-los? Onde estão os amigos de Gatsby? Onde está o Sr. Wolfshiem, que tem negócios com o morto? Quem ficará para chorar a morte tão gratuita e chocante? Um novo rico encontrado morto na piscina de sua magnífica mansão onde pululavam festanças! Três dias depois, aparece o pai de Gatsby, o Sr. Henry Gatz, de Minnesota. “Estava à beira de desmaiar e o levei até até a sala de música e o fiz sentar-se enquanto providenciava algo para comer. Mas não quis comer e derramou leite do copo que tremia nas suas mãos. “Vi a notícia num jornal de Chicago', disse. 'Estava tudo lá. No jornal de Chicago. Parti imediatamente.' ” (p. 185)

A tragédia chega às lágrimas quando o pai de Gatz mostra a face da desolação, ainda que orgulhoso das conquistas do filho.”Tinha chegado a uma idade em que a morte não tem mais aquela qualidade de surpresa medonha e quando olhou ao redor agora pela primeira vez e viu a altura e o esplendor do salão e das grandes salas que se abriam a partir dele para outros aposentos seu sofrimento começou a se misturar com uma admiração orgulhosa.” (p. 186) O Sr. Gatz tinha grandes esperanças pelo futuro do filho, que 'estava fadado a vencer'. O jovem poderia ter sido um grande homem, a 'construir o país', se tivesse erguido sua fortuna com nobreza e paciência. Não uma riqueza sem lastro para diversões fúteis. Imaginamos todas as fortunas gastas e pedidas em jogos de finanças no cassino do Mercado – a culminarem na Grande Depressão de 1929, consequência de todo o delírio especulativo.

Afinal, quem, dentre os convidados (ou não) das festanças estará no cortejo fúnebre do 'Grande' Gatsby ? Quem dentre os 'amigos' estará presente? Ou o grande anfitrião, o magnífico e festivo magnata será entregue ao pó em plena solidão? Ninguém haverá de chorar por ele? Nenhum dos amigos comprados ou vendidos? Que escárnio final, que insulto derradeiro contra a memória de um novo rico! Tanto barulho por nada, como diria o Bardo inglês. E mais detalhes da vida passada de Gatz/Gatsby é revelada, com afigura dúbia do Sr. Wolfshiem, envolvido em negociatas, que alega ter ajudado o jovem 'da sarjeta'. É um amigo do morto, mas se nega a 'se envolver', não deseja aparecer em público, num enterro. Aliás, ninguém apareceu. Gatsby foi enterrado pelo pai e pelo amigo, além de um sacerdote. E depois o homem 'com olhos de coruja' que estava na biblioteca, incrédulo entre os livros com tão requintadas encadernações.

Triste fim para um protagonista que é adjetivado como 'grande'. E então o narrador novamente volta para si mesmo. Suas decepções com a vida no Leste, afinal ele, igual aos outros personagens, veio do Oeste, mostra um linha de distinção entre os que trabalham realmente, a gerarem riquezas, com valores reais, e aqueles que operam a riqueza em contas bancárias e transações financeiras, com riquezas voláteis e impalpáveis. Vidas de luxo sem qualquer sentido – além da ostentação. “Vejo agora que esta foi uma história do Oeste, afinal de contas – Tom e Gatsby, Daisy, Jordan e eu, éramos todos do Oeste e talvez possuíssemos alguma deficiência em comum que nos tornava sutilmente inadaptados para a vida no leste.” (p. 195) Nada mais que os excessos vazios do Leste contra as cidades pacatas e laboriosas do Oeste. “Depois da morte de Gatsby, o Leste ficou assombrado para mim, distorcido além dos poderes de correção de meus olhos. Por isso, quando a fumaça azul das folhas quebradiças pairava no ar e o vento soprava as roupas molhadas penduradas nos varais, decidi voltar para casa.” (p. 196)

Assim, é pelo olhar do narrador – tão dentro quanto fora – que temos a figura de Gatsby, igualmente e dentro e fora do mundo luxurioso da Costa Leste. Para notar os contrastes e desmascarar as aparências só mesmo um jovem do Oeste com parentes no Leste, que observa a vida de um jovem arrivista que, por mais que se esforçou, não conseguiu adentrar o mundo dos ricaços da metrópole. Antes de deixar o Leste, Nick se despede de Jordan, que também não o compreendeu. E se depara com Tom, que revela como Wilson descobriu o nome Gatsby – simples: Tom o 'denunciou' para o viúvo alucinado. Para Nick nada a mais a dizer. Ele apenas faz uma última visita ao casarão inútil e fracassado que antes, durante o verão, se animara com tantas festas.

Eu passava minhas noites de sábado em Nova York porque aquelas suas festas cintilantes e deslumbrantes estavam tão vívidas em minha memória que ainda podia ouvir a música e os risos remotos e incessantes do seu jardim e os carros entrando e saindo. Certa noite, ouvi chegar um carro de verdade e vi seus faróis pararem ao lado dos degraus da frente da casa. Mas não investiguei. Talvez fosse um último conviva que estivera em viagem aos confins da terra e ainda não soubesse que a festa tinha acabado.” (p. 199)


Realmente a festa acabou. Não em 1925, quando Fitzgerald lançou sua obra magistral, que somente seria reconhecida e admirada tempos depois. Não em 1925, ainda época de euforia e festanças ao som de jazz, mas em 1929 quando o sonho acabou no mundo das cirandas financeiras, das especulações, no mundo desvairado de Wall Street, o inferno de capital onde uns poucos lucram e a maioria perde tudo – propriedades, sonhos, futuro. Assim o capitalismo entregue a si mesmo é um imenso monstro canibal a comer os próprios membros, a espera de ser resgatado pelo Estado regulador (vide a obra do economista John M. Keynes e o New Deal em 1933 do presidente F. D. Roosevelt). Depois da euforia vem a depressão, e o narrador, afinal, é um sobrevivente. Ele sobrevive ao protagonista e assim pode testemunhar que o otimismo não vitima apenas os otimistas.


fonte: FITZGERALD, F. Scott. O Grande Gatsby. Trad. Roberto Muggiati. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.



jul/ago/13

Leonardo de Magalhaens




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