Sobre O
Grande Gatsby
(The
Great Gatsby,
1925)
romance
de F. Scott Fitzgerald (1896-1940)
(trad.
de Roberto Muggiati)
Testemunhando
que depois da euforia vem a depressão
Parte 2
O
reencontro de Gatsby e Daisy acontece no Capítulo
5 com uma cena marcante sob
a narrativa surpreendida de Nick, ali entre os dois apaixonados de
outrora. Sabemos mais sobre a vaidade de Gatsby, sua necessidade de
auto-afirmação para compensar a timidez e sentimento de
inferioridade, sabemos o quanto Daisy ainda se lembra do querido de
outrora – afinal passaram-se cinco anos (lembramos que as tropas
norte-americanas entraram na PGM, ao lados dos britânicos e
franceses, em 1917...).
Entre
Daisy e Gatsby passou-se mais coisa do que suponha o narrador (e os
leitores...) e não há um pleno esclarecimento, é preciso ligar as
tessituras, a fala de Jordan, o que Gatsby deixou vazar, os olhares
de Daisy, todo um mosaico de sugestões que explicita a paixão
antiga entre eles. Deixando a casa de Nick, onde ocorrera o
reencontro, o trio segue para a mansão de Gatsby, agora tão
diferente sem as festanças.
“Era estranho chegar aos degraus de
mármore e não encontrar nenhum farfalhar de vestidos coloridos
entrando e saindo pela porta e não ouvir nenhum som além daquele
das vozes dos pássaros nas árvores.
No interior da casa, enquanto
passeávamos por salões de música estilo Maria Antonieta e salões
Restauração, senti que havia convidados escondidos atrás de cada
sofá e de cada mesa, sob a ordem de se manterem em silêncio, a
ponto de prender a respiração, até que tivéssemos passado. Quando
Gatsby fechou a porta da Biblioteca da UNIVERSIDADE Merton eu podia
jurar que ouvira o homem de olhos de coruja irromper numa gargalhada
espectral.” (pp. 99-100)
Em
seguida, a 'cena das camisas', muito emblemática nos filmes, quando
Gatsby abre os guarda-roupas, diante dos olhares admirados de Daisy,
e retira várias camisas elegantes, finas e caras, a exibir seu poder
de compra, “Tirou uma
pilha de camisas e começou a arremessá-las uma a uma diante de nós,
camisas de puro linho, de seda espessa e de fina flanela, que perdiam
suas rugas ao cair e cobriam a mesa numa desordem multicolorida.”
(p. 101), o que provoca lágrimas em Daisy, inclinada sobre as
camisas, visivelmente emocionada, “Isso
me deixa triste, porque nunca vi camisas tão bonitas assim.”.
A
cena não é cômica nem trágica, é uma amostra do estilo de
Fitzgerald, entre o realismo e o romantismo, diluído na narrativa de
Nick, entre protagonistas, o mocinho e a mocinha, “Tentei
ir embora então, mas eles não queriam saber daquilo; talvez minha
presença os deixasse mais satisfatoriamente a sós.”
(p. 103) a perceber o quanto de idealização existe numa relação
amorosa, visto o quanto Gatsby idealizou Daisy. Sob o olhar de Nick,
o realista, o honesto, a cena que seria
romântica perde o tom idealizado,
“Quando me aproximei para me
despedir, vi que a expressão de perplexidade tinha voltado ao rosto
de Gatsby, como se uma leve dúvida lhe tivesse ocorrido em relação
à qualidade de sua felicidade atual. Quase cinco anos! Deviam ter
ocorrido momentos, mesmo naquela tarde, em que Daisy deixou de
preencher os seus sonhos – não por culpa sua, mas por causa da
vitalidade colossal da ilusão de Gatsby. Fora além dela, fora além
de tudo. Ele se jogara naquilo com uma paixão criativa,
acrescentando algo o tempo todo, embelezando o seu sonho com cada
plumagem colorida que surgisse em seu caminho. Nenhuma quantidade de
fogo ou de frescor podia competir com aquilo que um homem é capaz de
armazenar no seu coração fantasmagórico.” (p. 105)
Em
dado momento, Gatsby perde o controle sobre a sua imagem. É agora,
após tantas festanças, após sua figura de anfitrião, uma pessoa
famosa, e mais curiosidades borbulham ao seu redor. De onde veio
aquele novo rico? O que nutre sua riqueza assim esbanjada em festins?
“A notoriedade de Gatsby,
propagada pelas centenas de pessoas que aceitaram sua hospitalidade e
se tornaram autoridades em relação ao seu passado, aumentara
durante todo o verão, a ponto de transformá-lo em notícia.”
(p. 107)
Assim
Gatsby encontra-se exposto aos holofotes, em seus minutos de fama, o
que o incomoda, por seu passado não exatamente esclarecido. Lendas
e boatos envolvem seu nome em atividades nada legalizadas, o que
deixa sua imagem borrada imagina-se sempre aos olhos de Daisy. Ela
aprova sua fortuna? Saberá quem é Jay Gatsby? Ou que ele é mesmo
James Gatz? Na verdade, Gatsby é uma invenção do jovem Gatz ?
“Suponho que, mesmo na época, já
tivesse o nome pronto há algum tempo. Seus pais eram lavradores
incapazes e fracassados – sua imaginação nunca os aceitara
realmente como pais. A verdade é que Jay Gatsby, de West Egg, Long
Island, nasceu da sua concepção platônica de si mesmo. Era um
filho de Deus – frase que, se significa algo, significa justamente
isso – e devia se dedicar ao Serviço de Seu Pai, o serviço de uma
beleza vasta, vulgar e ilusória. Inventou então o tipo exato de Jay
Gatsby que se esperava que um garoto de dezessete anos inventasse e
foi fiel a esta concepção até o fim.” (p. 108)
Então todo o passado de Gatz / Gatsby é recomposto, é explicitado,
em reconstituição feita pelo narrador. Como ele conseguiu todos os
dados? O próprio Gatsby teceu um desabafo sobre sua juventude de
arrivista? Afinal, dias antes ele falara longamente sobre sua atuação
como oficial nas batalhas da PGM, motivo de promoção e uma
condecoração. Por que não entregaria suas memórias todas afinal?
De fato, foi mesmo Gatsby quem entregou tudo, o narrador o revela em
seguida, “Ele me contou
tudo isto muito tempo depois, mas eu coloco aqui no papel com a
finalidade de explodir aqueles primeiros rumores sobre seus
antecedentes, que não eram sequer vagamente verdadeiros. Além do
mais, contou-me aquilo numa época de confusão, quando eu tinha
chegado ao ponto de acreditar tudo e nada sobre ele.”
(p. 111)
O
narrador fica algum tempo afastado do protagonista, mas, quando volta
a encontrá-lo, pode presenciar uma cena inusitada. Uma breve visita
de Tom Buchanan a propriedade de Gatsby. Uma visita arrogante ou
indiferente, mas ainda uma visita. Promessas de novas festas. Mas os
ricaços da vizinhança consideram Gatsby um mero excêntrico, uma
'figura estranha'. Mas finalmente o casal Tom e Daisy Buchanan
comparecem na festança de Gatsby. Será que os ricaços já aceitam
a presença do novo rico? Nick narra o episódio com certa emoção,
indisfarçada.
“Tom ficou evidentemente perturbado
com as saídas de Daisy e na noite do sábado seguinte veio com ela à
festa de Gatsby. Talvez a sua presença desse à noitada a sua
qualidade peculiar de opressão – ela se destaca na minha memória
das outras festas de Gatsby naquele verão. Havia as mesmas pessoas,
ou pelo menos o mesmo tipo de pessoas, a mesma profusão de
champanhe, as mesmas comoções de muitas cores e de muitos sons, mas
eu sentia algo desagradável no ar, uma aspereza persistente que
nunca estivera ali antes. Ou talvez eu tivesse simplesmente me
acostumado àquilo, aprendido a aceitar West Egg como um mundo
completo em si mesmo, com seus próprios padrões e suas próprias
figuras, inferior a nada porque não tinha sequer consciência de que
o era, e agora eu o estivesse vendo de novo através dos olhos de
Daisy. É invariavelmente entristecedor olhar com novos olhos coisas
sobre as quais consumimos nossos próprios poderes de ajustamento.”
(pp. 114-115)
Claramente
o Sr. Buchanan despreza os convivas, mesmo que alguns sejam
'celebridades'. Não são da mesma classe, destoam da Elite, que mora
de um lado da baía, além do mais são um tanto 'excêntricos'. Para
serem aceitos precisam ter bom gosto além de sólidas fortunas.
Agora, o que seja 'bom gosto', ou 'sólida fortuna', não sabemos.
Serviçais, pobres, arrivistas, e novos ricos não são aceitos. Para
ele, os novos ricos não passam de 'contrabandistas de bebidas',
assim Tom mantém-se distante, enquanto Daisy tenta se divertir. E
Nick se sente incomodado, ele ali a suportar bebedeiras e
hilaridades. Contudo ele observa, colhe impressões, afinal é quem
narra, é que testemunha. Se mantive uma indiferença, o que seria
capaz de narrar?
Por
que Gatsby idealizara tanto a jovem Daisy? Por que Gatsby não se
apaixonou pelas belas jovens que frequentam suas festas? Nick se
pergunta, enquanto Tom promete pesquisar mais sobre Gatsby e sua
riqueza. Não acredita que ele seja dono de drogarias, etc. Sempre a
rivalidade entre Tom e Gatsby é insinuada, com olhares e expressões,
ali as figuras de um ricaço e um novo rico se medindo, se avaliando.
Afinal, no mundo da Elites, vale mais quem
tem mais, quem exerce mais
influência, ao exibir e ampliar riqueza. É todo um mundo de luxo e
luxúria que Larry Darell recusa em The
Razor's Edge, quando, ao
voltar da Guerra, prefere pensar, sentir, ler filosofia, viajar,
seguir gurus místicos. (Abordamos a obra de Maugham no ensaio sobre
O Lobo da Estepe,
em Meu Cânone Ocidental.)
No
capítulo 7
sabemos que se acabaram as festanças na mansão de Gatsby, e que
este segue juntamente com Nick para um almoço na mansão dos
Buchanan. Nick presente que algo acontecerá. Ao chegar, as mulheres
murmuram que a amante de Tom está ao telefone. Nick assegura que
não. Sabe que é o marido traído, o mecânico. Enquanto isso,
Daisy é toda atenção e afeto para com Gatsby. Será que acontecerá
um rompimento? Não. Levantam-se todos e descem de carro até a
cidade [Nova York]. Tom, com ares de desafio, decide ir no carro de
Gatsby, com Nick e Jordan, enquanto Daisy prefere ir no outro carro
com Gatsby. Assim, Nick e Jordan ficam sabendo que Tom sabe, pois
investigou sobre o passado do protagonista e sua ligação com sua
Daisy. Não é tão idiota quanto pensam!
Com
o carro de Gatsby, Tom para no posto de gasolina de Wilson, o marido
traído. O mecânico não está bem, parece abalado. O narrador julga
que o marido descobriu a traição, uma vez que deseja deixar a
região. “Ele [Wilson]
descobrira que Myrtle tinha uma espécie de vida à parte, num outro
mundo, e o choque o deixara fisicamente abalado. Olhei para ele e a
seguir para Tom, que fizera uma descoberta paralela menos de uma hora
antes – e ocorreu-me que não havia diferença entre os homens, de
inteligência ou raça, tão profunda como a diferença entre os
doentes e os saudáveis. Wilson estava tão doente que parecia
culpado, imperdoavelmente culpado [...]”
(p. 137) Assim, tanto Tom quanto Wilson se perceberam traídos – e
ligados por laços de infidelidade. Esta é a ironia, e o narrador
bem percebe.
Uma
teia de mal-entendidos é entretecida, com a infiel Myrtle vendo
Jordan ao lado de Tom, e julgando que é a esposa; com o carro de
Gatsby sendo apresentado como o carro novo de Tom; com o esportista
ricaço perdendo controle sobre a esposa e a amante. Por fim acabam
todos numa suíte de grande hotel, em busca do alívio do calor, mas
de modo que nem o narrador sabe. Pois sabe apenas que o clima ficou
tenso entre o casal e o novo rico. Entre eles Nick e Jordan aparando
as provocações e palavras mordazes entre Tom e Gatsby. Tom,
enervado, expõe seu pensamento conservador e hipócrita. É contra o
casamento misto, é defensor da família, mas é contraditório, uma
vez que ele tem um affair
com uma mulher casada. Tudo não passa de um 'duelo' entre Tom e
Gatsby pela posse de Daisy, o troféu.
Na
luta pela posse do troféu, Tom não hesita em destruir a imagem de
Gatsby, ao lembrar o passado do novo rico, seus 'negócios', suas
aventuras na ilegalidade. Daisy não defende Gatsby e não desafia
Tom, que assim é o vencedor. A ruína de Gatsby ao ver que Daisy
hesita em deixar o Sr. Buchanan. No meio do drama percebemos que o
narrador está do lado de Gatsby e descobrimos que Nick está
completando 30 anos. É quando Nick começa a falar sobre si mesmo.
“Trinta anos – a
promessa de uma década de solidão, uma lista com menos colegas
solteiros, uma pasta de trabalho com menos entusiasmo, menos cabelos.
Mas havia Jordan ao meu lado que, ao contrário de Daisy, era esperta
o suficiente para não carregar sonhos esquecidos de uma época para
outra.” (p. 150)
Mas
eis que acontece a tragédia que levará a mais tragédia. Wilson, o
marido traído, tranca a esposa infiel, Myrtle, no quarto, mas ela
foge e corre pela auto-estrada, bem a tempo de ser atropelada pelo
carro de Gatsby (o mesmo carro que Tom dirigia ao seguir para NY).
Gatsby é o culpado? Não, logo Nick descobre que Daisy é quem
dirigia em alta velocidade o carro amarelo. Sem saber, ela atropelara
a amante do marido! É a teia de confusões na qual se perderá o
protagonista, o misterioso Gatsby que deixa de ser mistério no
capítulo seguinte, quando relata ao narrador aquilo tudo que ele já
nos adiantou dois capítulos antes. O teor do diálogo franco entre
protagonista e narrador já foi condensado no capítulo 6, sobre a
paixão de Gatsby e Daisy na época da Primeira Grande Guerra.
E
mais: quem é Daisy, a jovem rica? Por que tão idealizada por
Gatsby? Um sonho americano? Afinal, Daisy significa a personificação
da beleza e a riqueza da Elite americana ao olhar do jovem convocado,
futuro oficial e condecorado no conflito, glorioso na guerra, mas
longe da glória da alta sociedade.
“Mal sabia que estava na casa de
Daisy por um acidente colossal. Por mais glorioso que pudesse ser o
seu futuro como Jay Gatsby, era naquele momento um jovem sem vintém
e sem passado e a qualquer momento o manto invisível do seu uniforme
poderia escorregar dos seus ombros. Por isso, aproveitou ao máximo o
seu tempo. Apossou-se de tudo o que podia, com voracidade e sem
escrúpulos – finalmente apossou-se da própria Daisy numa noite
quieta de outubro, porque não tinha nenhum direito real de tocar
sequer em sua mão.” (p. 165)
A
tragédia de Gatsby faz com que o narrador tenha certa simpatia pelo
protagonista, ainda que o reprove. É o fim de Gatsby que confere um
ar de trágico a uma vida de banalidades e descompassos. Por que
conquistar a riqueza (até ilegalmente) se não se pode voltar no
tempo, não se pode (re)conquistar um amor de outrora? O narrador
Nick volta a sua vida de venda de ações, de cirandas das finanças,
de encontros e desencontros com a Srta. Baker, isto enquanto uma
ideia de crime aparece na mente do marido traído que sente o choque
da morte da mulher infiel. Terá ela sido morta pelo amante? Aquele
que dirigia o carro amarelo? Será que o Sr. Wilson desconfia de Tom,
aquele que dirigia? (Mas no momento do acidente, outro dirigia, como
sabemos). Pois de quem é o carro assassino? De um tal de Gatsby,
novo rico, que dava festas sensacionais... Como Wilson chegou até
Gatsby? Aliás, o romance precisava de tal desfecho? Ou somente tal
desfecho dá aquele tom trágico que fecha o túmulo do protagonista
antes censurável ? Ou do retrato de uma época temos o retrato de um
homicídio? Aliás, uma queda mais para o romance policial noir...
A
narrativa toma ares noir,
com descrições cinzentas, amargas, do narrador, que sabe que algo
de cruel sobrevirá para fechar o relato – ele que está narrando
após a conclusão da tragédia, dois anos depois, tentando entender
o que aconteceu realmente. Que imensa somatória de mal-entendidos,
que montanha de incompreensões, que abismos entre as pessoas!
Somam-se desencontros e toda riqueza esbanjada é em vão. Os
empregados – e Nick – encontram o corpo de Gatsby morto na
piscina. “Foi quando
carregávamos Gatsby para a casa que o jardineiro viu o corpo de
Wilson um pouco adiante no gramado. E o holocausto estava completo.”
(p. 179)
Como
encerrar a narrativa sem cair numa de folhetim de escândalos? Será
que o fim de Gatsby é ser considerado um amante de mulher casada e
que terminou seus dias assassinado pelo marido traído enquanto
descansava na piscina. Tragédia entregue em prato cheio para os
tablóides sensacionalistas. Em busca de uma manchete o que não fazem
os jornalistas mercenários? Afinal, há um louco que perambula em
busca de vingança – que mata e se mata. Um desfecho sangrento para
um romance de época de euforia pré-Depressão.
Enquanto
o drama termina com a morte do protagonista, o que se passa com os
demais figurantes? Para onde se debandaram Tom e Daisy? Para onde
poderá o dinheiro levá-los? Onde estão os amigos de Gatsby? Onde
está o Sr. Wolfshiem, que tem negócios com o morto? Quem ficará
para chorar a morte tão gratuita e chocante? Um novo rico encontrado
morto na piscina de sua magnífica mansão onde pululavam festanças!
Três dias depois, aparece o pai de Gatsby, o Sr. Henry Gatz, de
Minnesota. “Estava à
beira de desmaiar e o levei até até a sala de música e o fiz
sentar-se enquanto providenciava algo para comer. Mas não quis comer
e derramou leite do copo que tremia nas suas mãos. “Vi a notícia
num jornal de Chicago', disse. 'Estava tudo lá. No jornal de
Chicago. Parti imediatamente.' ”
(p. 185)
A
tragédia chega às lágrimas quando o pai de Gatz mostra a face da
desolação, ainda que orgulhoso das conquistas do filho.”Tinha
chegado a uma idade em que a morte não tem mais aquela qualidade de
surpresa medonha e quando olhou ao redor agora pela primeira vez e
viu a altura e o esplendor do salão e das grandes salas que se
abriam a partir dele para outros aposentos seu sofrimento começou a
se misturar com uma admiração orgulhosa.”
(p. 186) O Sr. Gatz tinha grandes esperanças pelo futuro do filho,
que 'estava fadado a vencer'. O jovem poderia ter sido um grande
homem, a 'construir o país', se tivesse erguido sua fortuna com
nobreza e paciência. Não uma riqueza sem lastro para diversões
fúteis. Imaginamos todas as fortunas gastas e pedidas em jogos de
finanças no cassino do Mercado – a culminarem na Grande
Depressão de 1929,
consequência de todo o delírio especulativo.
Afinal,
quem, dentre os convidados (ou não) das festanças estará no
cortejo fúnebre do 'Grande' Gatsby ? Quem dentre os 'amigos' estará
presente? Ou o grande anfitrião, o magnífico e festivo magnata será
entregue ao pó em plena solidão? Ninguém haverá de chorar por
ele? Nenhum dos amigos comprados ou vendidos? Que escárnio final,
que insulto derradeiro contra a memória de um novo rico! Tanto
barulho por nada, como
diria o Bardo inglês. E mais detalhes da vida passada de Gatz/Gatsby
é revelada, com afigura dúbia do Sr. Wolfshiem, envolvido em
negociatas, que alega ter ajudado o jovem 'da sarjeta'. É um amigo
do morto, mas se nega a 'se envolver', não deseja aparecer em
público, num enterro. Aliás, ninguém apareceu. Gatsby foi
enterrado pelo pai e pelo amigo, além de um sacerdote. E depois o
homem 'com olhos de coruja' que estava na biblioteca, incrédulo
entre os livros com tão requintadas encadernações.
Triste
fim para um protagonista que é adjetivado como 'grande'. E então o
narrador novamente volta para si mesmo. Suas decepções com a vida
no Leste, afinal ele, igual aos outros personagens, veio do Oeste,
mostra um linha de distinção entre os que trabalham realmente, a
gerarem riquezas, com valores reais, e aqueles que operam a riqueza
em contas bancárias e transações financeiras, com riquezas
voláteis e impalpáveis. Vidas de luxo sem qualquer sentido – além
da ostentação. “Vejo
agora que esta foi uma história do Oeste, afinal de contas – Tom e
Gatsby, Daisy, Jordan e eu, éramos todos do Oeste e talvez
possuíssemos alguma deficiência em comum que nos tornava sutilmente
inadaptados para a vida no leste.”
(p. 195) Nada mais que os excessos vazios do Leste contra as cidades
pacatas e laboriosas do Oeste. “Depois
da morte de Gatsby, o Leste ficou assombrado para mim, distorcido
além dos poderes de correção de meus olhos. Por isso, quando a
fumaça azul das folhas quebradiças pairava no ar e o vento soprava
as roupas molhadas penduradas nos varais, decidi voltar para casa.”
(p. 196)
Assim,
é pelo olhar do narrador – tão dentro quanto fora – que temos a
figura de Gatsby, igualmente e dentro e fora do mundo luxurioso da
Costa Leste. Para notar os contrastes e desmascarar as aparências só
mesmo um jovem do Oeste com parentes no Leste, que observa a vida de
um jovem arrivista que, por mais que se esforçou, não conseguiu
adentrar o mundo dos ricaços da metrópole. Antes de deixar o
Leste, Nick se despede de Jordan, que também não o compreendeu. E
se depara com Tom, que revela como Wilson descobriu o nome Gatsby –
simples: Tom o 'denunciou' para o viúvo alucinado. Para Nick nada a
mais a dizer. Ele apenas faz uma última visita ao casarão inútil e
fracassado que antes, durante o verão, se animara com tantas festas.
“Eu passava minhas noites de sábado
em Nova York porque aquelas suas festas cintilantes e deslumbrantes
estavam tão vívidas em minha memória que ainda podia ouvir a
música e os risos remotos e incessantes do seu jardim e os carros
entrando e saindo. Certa noite, ouvi chegar um carro de verdade e vi
seus faróis pararem ao lado dos degraus da frente da casa. Mas não
investiguei. Talvez fosse um último conviva que estivera em viagem
aos confins da terra e ainda não soubesse que a festa tinha
acabado.” (p. 199)
Realmente
a festa acabou. Não em 1925, quando Fitzgerald lançou sua obra
magistral, que somente seria reconhecida e admirada tempos depois.
Não em 1925, ainda época de euforia e festanças ao som de jazz,
mas em 1929 quando o sonho acabou no mundo das cirandas financeiras,
das especulações, no mundo desvairado de Wall
Street, o inferno de
capital onde uns poucos lucram e a maioria perde tudo –
propriedades, sonhos, futuro. Assim o capitalismo entregue a si mesmo
é um imenso monstro canibal a comer os próprios membros, a espera
de ser resgatado pelo Estado regulador (vide a obra do economista
John M. Keynes e o New Deal
em 1933 do presidente F. D.
Roosevelt). Depois da euforia vem a depressão, e o narrador, afinal,
é um sobrevivente. Ele sobrevive ao protagonista e assim pode
testemunhar que o otimismo não vitima apenas os otimistas.
fonte:
FITZGERALD, F. Scott. O
Grande Gatsby. Trad.
Roberto Muggiati. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.
jul/ago/13
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