segunda-feira, 15 de julho de 2013

Sobre O Estrangeiro / O Estranho - de A Camus / p1




Sobre O Estrangeiro / O Estranho (L’étranger, 1957)
do escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960)


A literatura ousa explicitar o estranhamento

parte 1

Um estranho homem taciturno e indiferente, de origem francesa, é julgado, na Argélia, por ter matado um árabe argelino, quase em legítima defesa, contudo o estranho não se defende e, então, é condenado. Eis o enredo básico do romance O Estranho ou O Estrangeiro (L'étranger) do franco-argelino Albert Camus que se destacou, juntamente com os franceses André Malraux, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, na onda existencialista de meados do século 20 na literatura europeia.


Comparando com o romance-diário A Náusea (de Sartre, tema do artigo anterior) temos também uma voz em 1ª pessoa, um protagonista-narrador, que nos apresenta sua visão-de-mundo, seus dissabores diante da sociedade. Uma voz subjetiva contra um universo objetivo, ou ainda, uma engrenagem gritando contra a máquina. Enquanto Roquetin vive nauseado, desassossegado, em sua crise existencial, temos aqui um Meursault que vive indiferente em sua rotina, à superfície das situações, sem se envolver, sem se engajar.


Ambos, Roquetin e Meursault, observam o mundo, tecem longas descrições, julgam gregos e troianos, criticam burgueses e marginais, se desapegam da vida social, e adotam um modo de vida derrotista. De tanto se sentirem atacados, atacam e, por fim, perdem. Uma engrenagem contra engrenagens numa máquina de monstruosa desproporção. Não há como um soldado derrotar um exército, ainda mais quando o soldado dispensa as ajuda de outros soldados. Estar só é ser mais uma vítima facilmente moída.


Tanto Camus quanto Sartre oscilam entre uma visão humanista e uma visão ceticista com relação aos seres humanos de seu tempo, uma época de derrotas políticas das esquerdas e uma ascensão dos regimes ditatoriais de direita (Espanha, Itália, Alemanha, etc), quando a burguesia se alia aos antidemocratas para se manter no poder, com medo dos revolucionários. Quando a maré fascista avança, os intelectuais ou se convertem ou se exilam. Alguns enfrentam a bota e a tortura, mas apenas para serem destruídos. Um sentimento de derrotismo - e de hedonismo - se alastra, um viver-aqui-agora, um desfrutar-dos-prazeres-enquanto-ainda-é-tempo passa a dominar e anestesiar os cidadãos, incapazes de engajamento e ânimo-de-combate. Não se admira que a França tenha caído sob as botas e tanques nazistas (em menos de um mês!) em 1940, tendo antes enfrentado os alemães por 4 anos sangrentos (na Primeira Guerra Mundial, 1914-18).


Mas falemos do Sr. Meursault, sempre indiferente em seu mundo de rotinas. Vamos reler esta obra que muita impressão causou uma década antes quando da primeira leitura. A linguagem de Meursault é clara e explicativa, a filosofia está nas entrelinhas (se compararmos com as digressões do nauseado Roquetin) pois seu propósito é confessar, é se expor, ciente de seu crime. Mesmo que não entenda exatamente porque o crime foi cometido. Vamos aos trechos memoráveis do livro. (Todas as citações com tradução minha.)


O início – desde a primeira frase – é chocante. A simplicidade, ou a banalidade, do dito, do enunciado, se contrasta com o vivido. Há a perda de um ente querido que é declarado como um fato meramente declarativo. Nem se sabe quando ocorreu a morte da própria mãe. Há uma rotina que domina os dias, que entorpece os sentimentos. “Hoje, mamãe morreu. Ou talvez, ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: ' Mãe falecida. Sepultamento amanhã. Nossas condolências. Isso quer dizer nada. Talvez fosse ontem.” (Aujoud’hui, mamam est morte. Ou peut-être hier., je ne sais pas. J’ai reçu un télégramme de l’asile: ‘Mère décédée. Enterrement demain. Sentiments distingués.' Cela ne veut rien dire. C’était peut-être hier.” p. 9 )


A relação de Meursault com a mãe, que se entediava em sua companhia, daí o internamento no asilo, ilustra bem como ele se comporta em relação às pessoas ao redor. Se acostuma, por rotina. “Quando estava em casa, mamãe passava o tempo a me seguir com os olhos em silêncio. Nos primeiros dias quando foi para o asilo, ela chorava muito. Mas é uma questão de hábito. Ao fim de alguns meses, ela teria chorado se fosse retirada do asilo. Sempre um questão de hábito.” (“Quand ele était à la Maison, maman passait son temps à me suivre des yeux en silence. Dans les premiers jours où ele était à l’asile, ele pleurait souvent. Mais c’était à cause de l’habitude. Au bout de quelques mois, ele aurait pleuré si on l’avait retirée de l’asile. Toujours à cause de l’habitude.” p. 12)


O comportamento do filho enlutado é sempre observado, avaliado, como são suas reações, suas palavras, como expressa – ou não – seus sentimentos de perda. Os representantes das instituições, os familiares, os idosos no asilo, todos têm suas impressões e avaliações, que depois serão usadas contra ele no tribunal.
Foi neste momento que os amigos de mamãe entraram. Eram cerca de uma dezena, e eles deslizavam em silêncio nesta claridade cegante. Se sentaram sem que nenhuma cadeira gemesse. Eu os observava como jamais observara antes uma pessoa e nenhum detalhe de suas aparências ou de suas vestes não me escapava. No entanto não os escutava e com muito custo podia crer na realidade deles. (C'est à ce moment que les amis de maman sont entrés. Ils étaient en tout une diziaine, et ils glissaient en silence dans cette lumière aveuglante. Ils se sont assis sans qu'aucune chaise grinçât. Je les voyais comme je n'ai jamais vu personne et pas un détail de leurs visages ou de leurs habits ne m'échappait. Pourtant je ne les entendais pas et j'avais peine à croire à leur réalité. p. 18)


Ao mesmo tempo em que é observado, o protagonista observa, descreve, sim, em longas descrições, a tecer julgamentos sobre as pessoas ao redor, sobre as situações que o enchem de tédio. É este tédio que o mantém sempre indiferente, sempre a espera das ações ao redor. Ele não toma iniciativas, mas reage às iniciativas de terceiros. Pois para ele 'tanto faz' fazer ou não fazer.
Participar de um velório, de um enterro, isto é, de uma série de cerimoniais de enlutamento e sepultamento, eis o que enreda o protagonista em impressões sobre a existência, sobre o viver e o morrer, nas relações em sociedade. Cada gesto a se fazer, cada palavra a se dizer, como inscritas num protocolo, como pré-escritas num rito, e quem destoar, ou não pronunciar, ou se expressar diferente, pode sofrer as desconfianças e sanções.
Eu estava um pouco perdido entre o céu azul e branco e a monotonia dessas cores, preta grudante de piche aberta, terno preto das vestes, o preto laqueado da carroça. Tudo isso, o sol, o odor de couro e de // da carroça, esse de verniz e de incenso, a fatiga de uma noite de insônia, me perturbava o olhar e as ideias. (J'étais un peu perdu entre le ciel bleu et blanc et la monotonie de ces couleurs, noir gluant du goudron ouvert, noir terne des habits, noir laqué de la voiture. Tout cela, le soleil, l'odeur de cuir et de crottin de la voiture, celle du vernis et celle de l'encens, la fatigue d'une nuit d'insomnie, me troublait le regard et les idées. p. 29)


Para se deslocar até o velório da mãe, Meursault mudou sua rotina, de casa para o trabalho, tendo alguns dias de folga, assim se ver em situação nova, não esperada. Também não esperada é a aproximação de uma mulher, que o deseja. Ele encara esta situação de desejo com a mesma indiferença diante da morte. A mulher está disponível, é desejável, e ele se envolve. Nem percebe que tudo isso acontece quando ele deve manter o luto pela morte da mãe. A mulher se surpreende com o luto do novo amante, mas nada diz. O protagonista se sente levemente culpado.


O narrador segue em sua vida sem atrativos, em monotonia, reagindo em torpor a cada estímulo, apenas fisicamente engajado, como se o ânimo estivesse em outro lugar. Ele é incapaz do 'se envolver de corpo e alma', sempre à superfície, como que anestesiado. Em mais um domingo, dia que ele pouco aprecia, ao deixar o quarto de solteiro, ele segue pelas ruas, a observar a vida rotineira, as mesmas pessoas, as mesmas roupas, os mesmos gestos. Cena a lembrar as perambulações de Antoine Roquetin na cidadezinha de Bouville (no romance-diário “A Náusea”, Sartre), quando é descrita a vida na cidade, os pequenos cafés, a diversão, os bondes (tramways) que passam. Ele anda e anda até ao anoitecer,
Os lampiões na rua se iluminaram bruscamente e deixavam pálidas as primeiras estrelas que subiam na noite. Sentia meus olhos se cansarem de observar as calçadas com suas cargas de pessoas e de luzes. Os lampiões iluminavam a rua molhada, e os bondes, em intervalos regulares, deixavam reflexos sobre os cabelos brilhantes, um sorriso ou um bracelete prateado. (Les lampes de la rue se sont alors allumées brusquement et elles ont fait pâlir les premières étoiles qui montaient dans la nuit. J'ai senti mes yeux se fatiguer à regarder les trottoirs avec leur chargement d'hommes et de lumiéres. Les lampes faisaient luire le pavé mouillé, et les tramways, à intervalles réguliers, mettaient leurs reflets sur des cheveux brillants, un sourire ou un bracelet d'argent. p. 40)


Recuperando novamente sua rotina, Meursault volta ao escritório, onde o trabalho contínuo o impede de pensar, de refletir. A jornada de trabalho provoca uma rotinização da vida, que abafa a angústia. Só quando o drama irrompe é que o protagonista se perceberá numa trama que ele não controla: a vida. Situações que ele não causou, problemas alheios a ele, mas que interferem em seu cotidiano. Ele evita se envolver, então é envolvido.


Não há razão para não conversar com o Sr. Raymond Sintès, sujeito que é olhado com desconfiança por alguns concidadãos. Estará ele envolvido com contrabando ou outras negociações ilícitas? Meursault não se importa, desde que o outro não o prejudique. E até podem travar algum contato, ou quiçá amizade. Mas nada de se envolver com os negócios do outro. Mas não há como se evitar: logo se está envolvido. Começa com uma conversa, um almoço, um favor e, então, se está jogado na vida do outro. Assim Meursault não procura amante e amigo – tanto a mulher quanto o amigo adentram a vida apática do protagonista.


O novo 'amigo' quer um favor, que Meursault escreva uma carta para a amante que não 'se comporta bem', como um aviso antes que ela seja 'devidamente punida'. “Escrevi a carta. Escrevi um pouco ao acaso, mas me concentrei a contentar Raymond pois não tinha razão para não o contentar.” (J'ai fait la lettre. Je l'ai écrite un peu au hasard, mais je me suis appliqué à contenter Raymond parce que je n'avais pas de raison de ne pas le contenter. p. 54) Será que o mulherengo é mesmo um cafetão, um explorador de mulheres? Não se sabe, e pouco importa. Aliás, a expressão “pra mim tanto faz” (“moi cela m'était égal”) é recorrente. O protagonista coopera e tem a amizade o outro. Amizade esta que o levará ao núcleo do drama. Pois a mulher é árabe, e o irmão árabe logo pretende se vingar. E o irmão árabe logo adentrará a vida de Meursault, dramaticamente.

Enquanto o drama não vem, o protagonista continua a ser envolvido pela bela e morena Maria, a mulher que reapareceu em sua vida logo no momento de enlutamento. Ele perdeu a mãe, mas não se lembra mais. Agora está nos braços da amante e tudo segue bem. Até recebe convite do 'amigo' – que não hesitara em espancar a amante - para um pouco de lazer numa casa de praia, com outro casal. Sabe-se-lá que relações os casais mantêm, qual a participação do gigolô Raymond, pouco importa. Meursault aceita o convite. É quando o árabe, num grupo de mais árabes, aparece.

É quando Meursault percebe-se envolvido. Só pelo fato de estar ao lado de Raymond, de testemunhar a seu favor quando diante da polícia (logo atraída pela violência contra a mulher), só pelo fato de não reprovar as ações do outro, tudo isso caracteriza – ao olhar dos outros – uma amizade. Ora, o protagonista nada sabe sobre o gigolô, pouco se importa. Como pode uma amizade nascer da indiferença?


No mais, o protagonista concorda com o interlocutor, não porque esteja de acordo, mas para evitar polêmica, para evitar discussões. E assim é prontamente envolvido – ele não sabe dizer um claro Não, e é interpretado como um possível Sim. Seja na conversa com um diretor de asilo, uma amante a propor casamento, um amigo interesseiro, um vizinho solitário a pedir conselho, o patrão a oferecer uma oportunidade, sempre Meursault adota uma atitude de 'tanto faz' que seja sim ou não, desde que ele não se envolva. Ele não toma qualquer iniciativa para se envolver. Mas, é então que ele se envolve! Basta não dar atenção, como faz um Roquetin, para não se envolver. Fingir atenção é pior.

O patrão oferece oportunidade, e a mulher quer se casar, onde fica o protagonista nestas situações? Sempre indiferente, sem ânimo ou ambição, sem interesse por dinheiro ou formar família. O que ele faz é por rotina ou hábito, por reação, não atuação. Não que Meursault não tenha opinião, pois ele tem. Sempre descreve e julga, mesmo nas entrelinhas. Afinal, a narrativa é dele, só temos seu ponto de vista, sua perspectiva. O que os outros pensam ou julgam? Como os outros atuariam no lugar do narrador? Não temos respostas. Claro que o julgamento exterioriza bastante as opiniões alheias sobre Mersault, mas aí já estão viciadas pelo pré-julgamento: ele é um criminoso, um assassino. Ele não se defenderá, e poucos o defendem. Interessante seria um julgamento antes do crime. Será que esperavam que ele o cometesse?

É tudo gratuito: um amigo interesseiro, cuja amante foi espancada, cujo irmão árabe quer se vingar, em jogo de espreita que o leva às proximidades da casa de praia – ou seja, tudo se entrelaça e se encaminha para o embate, o drama, o crime. Um crime do qual o protagonista pouco sabe, sequer premeditou, e do qual não vai se defender.


Primeiro, percebe-se o quanto a incidência solar, o sol abrasante, é um dos estímulos ao torpor de Meursault, sendo quase um figurante, ou antagonista. Como não pode atirar contra o sol, ele atira em alguém mais próximo? Ou ele agiu por legítima defesa? Afinal, o árabe estava armado, como é relatado.
O sol tombava quase em prumo sobre a areia e seu clarão sobre o mar era insustentável. Ninguém estava na praia. (…) Se respirava penosamente no calor de pedra que subia do sol. (…) Nada me ocupava a mente pois estava meio que adormecido pelo sol em minha cabeça descoberta. (Le soleil tombait presque d'aplomb sur le sable et son éclat sur la mer était insoutenable. Il n'y avait plus personne sur la plage. […] On respirait à peine dans la chaleur de pierre qui montait du sol. […] Je ne pensais à rien parce que j'étais à moitié endormi par ce soleil sur ma tête nue. p. 85)


Ensolarado no corpo e na mente, Meursault se depara com uma aparição: o grupo de árabes. Cheiro de animosidades no ar. Mas nada acontece além de um luta corporal. O mulherengo Raymond é ferido. O combate se encerra por enquanto. Ainda não há o crime. O protagonista e o amigo perambulam pela praia. Continua o sol abrasante, e 'o sol e o silêncio'. O ferido carrega um revólver. Os árabes descansam junto a uma fonte atrás de um rochedo, e quando os franceses aparecem, e medem forças, os primeiros recuam.

Depois os franceses voltam à casa de praia, mas apenas Raymond sobe as escadas, pois Meursault resolve continuar em andanças pela areia. Sempre sob o sol abrasante. Andança que o levará fatalmente ao mesmo lugar onde está o árabe. Temos então a cena mais dramática do romance, brilhantemente narrada (a ponto de se pensar que tipo de narrador é este Meursault, tão indiferente e ao mesmo tempo tão atento às minúcias...)
a cabeça retinindo de sol, desânimo diante do esforço necessário para subir os degraus de madeira e encarar as mulheres. Mas o calor era tal que me era penoso ficar imóvel sob a chuva cegante que caía do céu. Ficar aqui ou partir, dava no mesmo. Ao fim de um momento, voltei à praia e me comecei a caminhar.
Havia o mesmo clarão rubro. Sobre a areia, o mar arfava de toda a respiração rápida e sufocada das pequenas ondas. Caminhava lentamente rumo aos rochedos e sentia me testa inchar sob o sol. Todo este calor sobre mim e se opondo ao meu avanço.
[...] la tête retentissante de soleil, décourage devant l'effort qu'il fallait faire pour monter l'étage de bois et aborder encore les femmes. Mais la chaleur était telle qu'il m'était pénible aussi de rester immobile sous la pluie aveuglante qui tombait du ciel. Rester ici ou partir, cela revenait au même. Au bout d'un moment, je suis retourné vers la plage et je me suis mis à marcher.
C'était le même éclatement rouge. Sur le sable, la mer haletait de toute la respiration rapide et étouffée de ses petites vagues. Je marchais lentement vers les rochers et je sentais mon front se gonfler sous le soleil. Toute cette chaleur s'appuyait sur moi et s'opposait à mon avance. pp. 91-92


Para onde ele seguia ? E por que? Não sabia o perigo a que se expunha? Ou que expunha o árabe que queria vingar a irmã? Ele, Meursault, nutria algum rancor contra o árabe que atacou seu amigo Raymond? Será que o antes indiferente se tornou um frio assassino? Parece que ele deseja se justificar diante de todas estas questões? Se ele não se defende no tribunal, ao menos se defende nestas linhas escritas.
Pensava na fonte fresca detrás do rochedo. Queria reencontrar o murmúrio de sua água, desejo de fugir do sol, o esforço e os choros de mulher, desejo de reencontrar a sombra e seu repouso. Mas quando cheguei mais perto, vi que o sujeito do Raymond tinha retornado.
Ele estava só. Repousava de costas, as mãos sob a nuca, a cabeça nas sombras do rochedo, todo o corpo ao sol. Sua bolsa esfumaçava no calor. Fiquei um pouco surpreso. Por mim, era um caso acabado e tinha chegado lá sem pensar.
[…] Je pensais à la source fraîche derrière le rocher. J'avais envie de retrouver le murmure de son eau, envie de fuir le soleil, l'effort et les pleurs de femme, envie enfin de retrouver l'ombre et son repos. Mais quand j'ai été plus près, j'ai vu que le type de Raymond était revenu.
Il était seul. Il reposait sur le dos, les mains sous la nuque, le front dans les ombres du rocher, tout le corps au soleil. Son bleu de chauffe fumait dans la chaleur. J'ai été un peu surpris. Pour moi, c'était une histoire finie et j'étais venu là sans y penser. p. 92


Seu ato impensado será causado pelo horror ao sol abrasante? Um mero reflexo fisiológico ao sofrimento externo, ao meio ambiente? Ele reage assim ao empunhar a arma e atirar? Estará se defendendo? Ou agindo finalmente? Contra o sol que o persegue, desde o sepultamento de sua mãe. Ou ele apenas reage, indiferente, como sempre fez em sua vida?


Eu adivinhava seu olhar por instantes, entre suas pálpebras semicerradas. Mas, com frequência, sua imagem dançava diante de meus olhos, no ar inflamado.
Pensei que não teria mais que dar meia-volta e tudo acabaria. Mas toda uma praia vibrante de sol se pressionava atrás de mim. (…) A queimadura do sol dominava minhas bochechas e sentia as gotas de suor se ajuntarem em minhas sobrancelhas. Era o mesmo sol do dia quando havia enterrado mamãe e, como então, a cabeça me doía e todas as veias pulsavam juntas sob a pele.


(…) o suor ajuntado nos minhas sobrancelhas escorreu de uma vez sobre as pálpebras e a recobri-las com um véu morno e denso. Meus olhos estavam cegados atrás dessa cortina de lágrimas e de sal. Não sentia mais que os címbalos do sol sobre minha cabeça e, indistintamente, a lâmina golpeante desliza do punhal sempre diante de mim.
[…] Je devinais son regard par instants, entre ses paupières micloses. Mais le plus souvent, son image dansait devant mes yeux, dans l'air enflammé. […]


J'ai pensé que je n'avais qu'un demi-tour à faire et ce serait fini. Mais toute une plage vibrante de soleil se pressait derrière moi. […] La brûlure du soleil gagnait mes joues et j'ai senti des gouttes de sueur s'amasser dans mes sourcils. C'était le même soleil que le jour où j'avais enterré maman et, comme alors, le front surtout me faisait mal et toutes ses veines battaient ensemble sous la peau. […]


[…] la sueur amassé dans mes sourcils a coulé d'un coup sur les paupières et les a recouvertes d'un voile tiède et épais. Mes yeux étaient aveuglés derrière ce rideau de larmes et de sel. Je ne sentais plus que les cymbales du soleil sur mon front et, indistinctement, le glaive éclantant jailli du couteau toujours en face de moi.” pp. 93-94


Todo o sol, todo o calor que angustia o protagonista é despejado em ira descontrolada sobre o árabe,  que cai tombado pelo disparo,  e mais quatro tiros sobre 'o corpo inerte',  assim  a 'destruir o equilíbrio do dia' como reconhece o narrador agora um criminoso, com seu destino selado pela tragédia. Quem o defenderá? Ou como ele se defenderá? Eis o que veremos na segunda parte do romance.


Fonte: CAMUS, Albert. L’étranger. Paris: Gallimard, 1957.


continua …


Leonardo de Magalhaens


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