terça-feira, 26 de março de 2013

sobre FOME - romance de Knut Hamsun





Sobre Fome (Sult,1890)
romance do autor norueguês Knut Hamsun (1859-1952)
[tradução: Carlos Drummond de Andrade, 1981]
(citações tiradas da edição Círculo do Livro)



Quando a literatura autêntica brota da miséria


A primeira referência ao romance do norueguês Knut Hamsun encontramos em “O Encontro Marcado” (1956), romance de geração do mineiro Fernando Sabino (1923-2004) onde, no capítulo A Geração Espontânea, dois jovens listam as suas leituras, e Fome é considerado o “mais autêntico, mais humano”, dentre as obras do autor. Tendo lido o romance de Sabino em 1995, somente encontramos uma edição do livro de Hamsun três anos depois, traduzido pelo poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Desde então fizemos duas releituras da obra.

O impacto de Fome é realmente visceral. Narrado por um jovem de talento que, de tão honrado, vive em miséria material e carência afetiva. Seu talento é sua forma de afirmação no mundo que o ignora, que o despreza pela ausência de posses e status. É um texto que almeja autenticidade, vivencial e confessional. O homem tem fome e declara ter fome, e sabe que ‘não só de pão vive o homem’. Mas se temos fome, como teremos disposição para o talento? E sem o talento ele já teria se matado ou virado um bandido. É o mesmo caso de outros jovens de talento, o Raskólnikov (de Dostoiévski) ou o Bandini (de John Fante), que sobrevivem num mundo cruel.

Tanto o narrador de Fome quanto o Raskólnikov, de Crime e Castigo, e Bandini, de Pergunte ao Pó (Ask the Dust, 1933) são jovens escritores pobres, provincianos que vieram para a cidade grande em busca de oportunidade e reconhecimento. O narrador de Fome tenta sobreviver em Cristiania (atualmente Oslo), enquanto Bandini sobrevive em Los Angeles, quatro décadas depois. Ambos os narradores-protagonistas são jovens flâneurs – pois detestam o quarto pobre, em miserável solidão onde sobrevivem e se sentem atraídos pelos tentáculos tumultuosos da vida urbana: tudo o que não possuem e é possuído pelos outros – bens, serviços e luxos. (Assim acontece com o amargurado ‘homem do subsolo’ e com o angustiado Raskólnikov).

O narrador quer trabalhar e ser digno, e não viver de favor, em dívidas, dependente da compaixão alheia. Ele acredita no próprio talento, crê-se genial. Ele se declara um ficcionista, adora inventar mentiras, criar enredos mirabolantes. Esta narrativa de um declarado ficcionista, assim explícito, nos faz lembrar outras obras – que também discutiremos aqui. Tanto em Fome quanto em Angústia (1936, de Graciliano Ramos) e A Náusea (1938, de Sartre) temos os protagonistas-narradores obcecados por descrições de detalhes – como forma de evadirem-se de suas situações angustiosas.

Há uma voz sem nome, pessoal, mas anônima. Qual o nome do protagonista? Ele inventa nomes para si mesmo, e mantem-se anônimo, ao longo da narrativa, e nem sabe por que mente assim, ora Wendel Jarlsberg, ou André Tangen. Ou ainda Valdemar Atterdag. Não se identifica – estará despojado da própria identidade? Afinal, o protagonista se sente despojado, roupa a roupa, peça após peça de sua dignidade, até sua honra e identidade se perder, daí termos um narrador sem-nome, sem posição social, sem presença – passa a ser um cidadão invisível, desprezado, os transeuntes sequer levantam o olho para encará-lo – e pior: ele tem plena consciência de tudo!

O protagonista sofre, mendiga, mas, ao contrário de Raskólnikov, não comete crime, ainda que não hesite em se castigar. Encontramos cenas de autocompaixão e automutilação em Fome (o narrador se morde) – e em Pergunte ao Pó (onde Bandini se corta com as unhas). Ele vive a alternar fome com nervosismo – ora consegue escrever, publicar um artigo e ter um dinheiro no bolso durante uma semana, depois volta à miséria, ainda mais baixa. Há quem deva alguns níqueis ao narrador e ele faz questão de nunca cobrar – e tem consciência de que jamais será reembolsado. Ao mesmo tempo ele se sente culpado quando comete desonestidade – por exemplo, quando aceita em troco uma quantia a mais, ou quando, nem tendo pago, recebe um troco.

Tanto Bandini, do romance de Fante, quanto o narrador de Fome são jovens imaginosos, fantasiosos, que usam da ficção espontânea para sobreviverem às mais miseráveis situações, abrigam-se assim da indignidade na rede da imaginação, podem se ver a escrever tudo o que vivenciam. “Eu já não dominava a situação: um após outra, mentiras brotavam-me da cabeça.” (p 23)

Outro ponto que merece destaque: a relação homem – mulher. Percebemos que os narradores, em vida de penúria, se sentem inferiores a mulher que desejam – não só financeiramente, mas também em ousadia amorosa. As mulheres parecem mais atrevidas e misteriosas – e constrangem os jovens, que imaginam deveriam ter a iniciativa.


Mas vejamos alguns trechos que merecem especial atenção, e algum comentário. Ele é o jovem que perambula pela cidade costeira de Cristiânia, destino de muitos e abrigo de poucos (atualmente Oslo, a capital norueguesa, moderna e cosmopolita).  “Naquele tempo, com a barriga na miséria, eu vagava pelas ruas de Cristiânia, cidade singular, que deixa marca nas pessoas...” (p. 7) ele segue de insucesso em insucesso, “As inúmeras recusas e meias promessas, o ‘não’ seco e repetido, esperanças alternadamente acariciadas e desfeitas, novas tentativas que sempre davam em nada – tudo isso me aniquilara o ânimo. [...] Sempre esse ou aquele obstáculo.” (p. 8) até a penúria “A regularidade, o movimento uniforme com que ia, constantemente, deslizando ladeira abaixo! Acabei ficando tão extraordinariamente desprovido de tudo, que não me restava sequer um pente, um livro para ler, quando a vida se tornava demasiado triste.” (p.8)

Em estado de miséria e em busca de oportunidades, o narrador vagueia pelas ruas, observando o que é rotineiro para os demais, “Comecei a observar as pessoas com quem cruzava ou que ultrapassava; ia vendo os cartazes nos muros, recolhendo a impressão do olhar que alguém me lançava de um bonde em movimento; penetravam-me as coisas mais insignificantes, todas as miúdas contingências que cruzavam no caminho e desapareciam.” (p.9) e “Continuei a rodar por aí, flanando sem me preocupar com coisa alguma: parei a um canto, sem necessidade, mudei de direção, tomei uma rua lateral onde não tinha nada que fazer. Vagabundo na manhã alegre, passeando aqui e ali minha despreocupação, entre os outros felizes mortais, deixava as coisas correrem. O céu era claro, sem nuvens; e nenhuma sombra em minh’alma.” (p.10)


Ao mesmo tempo a necessidade de escrever : para narrar, afirmar-se e sobreviver. “E ao imaginar esse artigo, senti-me de repente invadido pela necessidade imperiosa de dedicar-me imediatamente a ele [o artigo], para expandir a plenitude das ideias.” (p.10) Ao se considerar um escritor, um artista, o narrador não gosta de ser julgado como pobre, por sua aparência miserável. Julga-se um gênio, não um mendigo. Quer mostrar boa aparência – sabe que as pessoas julgam a aparência, não a genialidade. Ele tem dignidade, acima de tudo. Quando ele imagina um artigo para o jornal, ele sempre julga ser uma obra-prima, e, corajoso, se entrega a escrita, seja num banco de parque, ou capela de cemitério. Mas, muitas vezes, o jovem não tem papel nem lápis, ou um toco de vela, para propiciar sua escrita. (E quantos outros têm acesso ao papel, à caneta e ao computador, e nada escrevem!)

O narrador tem elevada consciência de si mesmo e de sua condição de miséria. Ele joga com os cidadãos assim como a cidade joga com ele – mas ele sempre perde. Ele aborda pessoas nas ruas, assedia mocinhas, segue mendigos, discute com vagabundos, frequenta mercado e estação ferroviária, em suma, se mistura ao tumulto da cidade grande. “Já eu, em contraste, caminhava ao lado dessas pessoas, eu, moço em flor, e nem me lembrava mais como era o rosto da felicidade! Embalava-me com esse pensamento, sentindo-me vítima de uma injustiça cruel. Por que esses últimos meses me haviam mal-tratado tão rudemente? Já não reconhecia mais o meu natural prazenteiro; por toda parte era presa dos mais singulares tormentos.”  (pp. 17-18)

Por que a maldição da fome sobre o protagonista? “Que doença era a minha? Teria sido eu apontado pelo indicador da mão de Deus? Mas por que precisamente eu? Por que não, por exemplo, um homem que estivesse na América do Sul? Quanto mais refletia nisso, mais me parecia inconcebível que a Graça Divina me tivesse escolhido justamente como cobaia, para realizar seus caprichos.” (p. 18) O narrador pensa que a divindade conspira para a sua miséria, a perda do emprego, a vadiação nas ruas, a trilha da indignidade ... Sente-me pessoalmente perseguido, ferido pelo dedo divino, em constante desassossego. “Seria firme intenção de Deus destruir-me completamente?” (p. 18)


Ao querer escrever, muitas vezes, tal intuito é fracassado: a realidade do mundo, da cidade, o golpeia mais forte: “Escrever, porém, era impossível. Depois de algumas linhas, não me acudia a menor ideia; [...] Tudo me influenciava e me distraía, tudo o que via despertava uma impressão nova.” (p. 20)  É impressionante a capacidade de observação e descrição do narrador, rodeado de coisas, pessoas, eventos, vivências. Em suas palavras as impressões do mundo se misturam com sentimentos,

“Talos de erva, desbotados, eriçam-se contra o sol; folhas ressecadas rolam por terra com o chiado de uma procissão de bichos da seda. É a sazão outonal, em meio ao carnaval da efêmera duração. Inflama-se o rubor das rosas, a tez de sangue vivo das flores adquire maravilhosa cintilação de tísica.

Eu me sentia como o inseto agonizante, que o aniquilamento arrebata a esse universo prestes a adormecer. Presa de estranho terror, levantei-me e dei alguns passos rápidos na alameda. – Não! – gritei, apertando os punhos. – É preciso acabar com isso! – Tornei a sentar-me, retomei o lápis, resolvido a escrever o artigo.” (p. 26)


Mas os melhores artigos nascem não do esforço, mas da inspiração brutal que atual além da inanição indigna, como uma compensação febril, num desabafo não reprimido,

“Escrevo como um possesso, encho páginas e páginas, sem parar. As ideias desabam sobre mim tão depressa, continuam a afluir com tamanha abundância, que perco um monte de aspectos acessórios: não consigo fixa-los bastante rapidamente, embora trabalhe com todas as forças. A inspiração insiste em empurrar-me para adiante, estou inteiramente dominado pelo assunto, e escrevo cada palavra como se obedecesse a um ditado.” (p. 28)

Em busca da dignidade perdida o narrador se mostra orgulhoso, até arrogante, mas como uma forma de auto-defesa diante do mundo cruel. Ou seria a falta de comida a origem de sua inspiração devido a inquietação? Se ele fosse rico e bem nutrido teria as mesmas volições de escrita? “Visões e sonhos! Refleti que, se comesse agora, a cabeça voltaria a perturbar-se, a mesma febre se apoderaria de mim, e eu teria de lutar contra um mundo de fantasias loucas. Não tolerava alimento, não fora feito para isso; era uma idiossincrasia, uma coisa singular.” (p. 35)


 O mais importante para o protagonista de Fome é manter a dignidade e conservar a honestidade. Ele não é um aproveitador, ou crápula, por mais que seja marginal. Ele não visa prejudicar ou explorar, ele somente deseja ser reconhecido pelo povo – ou pelos editores de jornal – como um jovem de talento. “A consciência de minha honestidade subiu-me à cabeça, inundando-me com o sentimento grandioso de que eu era um caráter, um farol de extrema claridade em meio ao oceano lamacento dos homens, entre destroços flutuantes.” (p. 38)

Mas a miséria é medonha ao destruir corpo e mente, físico e moral, levando a ações mesquinhas e irracionais. Ele é um bom moço, mas começa a ser corrompido pela cidade,

“Agora, sentia tanta fome que os intestinos se enroscavam na barriga como serpentes, e em nenhuma parte estava escrito que arranjaria um pouco de comida antes do anoitecer.  À medida que as horas passavam, eu me via cada vez mais carcomido física e moralmente, e deixava-me levar à prática de ações cada vez menos honestas. [...]  Manchas de putrefação começavam a surgir em meu ser, mofos enegrecidos que se estendiam cada vez mais.” (p. 40)

Contudo, o narrador consegue ver um artigo publicado e sobrevive mais algumas semanas com um mínimo dinheiro no bolso.


Na Parte 2, depois de conseguir um dinheiro e sobreviver mais algumas semanas, o protagonista pensa em como prosseguir na ‘carreira’ de escritor, “No momento, não tinha qualquer pensamento triste; esquecera a miséria, pacificava-me a vista do porto, plácido e belo na semi-escuridão. Conforme o hábito, quis proporcionar-me um prazer, relendo o que acabara de escrever e que a meu cérebro enfermo se afigurava a melhor coisa que já fizera na vida.” (p.49)

Em tal estado de atordoamento que o narrador tece considerações em tom psicologista, observando a si mesmo, “Estendi as pernas no banco, virei-me para trás; assim, podia sentir, em sua plenitude, o bem-estar do desprendimento. Não pairava uma nuvem em minh’alma, nenhuma sensação de mal-estar; e por mais longe que fosse o pensamento, não me atormentava uma aspiração, um desejo insatisfeito. De olhos abertos, estendido, ausente de mim mesmo, num estado singular, sentia-me deliciosamente longe.” (p. 51)

Ambiências psicologistas que lembram trechos de Virginia Woolf e Clarice Lispector, que escreveriam tempos depois. Esta forma de olhar para si mesmo, e não apenas para o mundo ou a sociedade, afasta esta obra de Knut Hamsun de um Realismo (ou Naturalismo) em voga no fim do século 19. É precoce dizermos que já havia um Realismo psicológico, mas é claro o fenômeno de transição.

“A fome, cruel, dava-me vontade de sumir, de morrer; tornei-me sentimental e caí em pranto. Minha miséria nunca teria fim. Bruscamente, detive-me em plena rua, bati com o pé na calçada, e praguejei em voz alta.” (p. 52) Também “E a fome a roer-me por dentro; eu engolia saliva, na esperança de saciar-me, e parecia que dava resultado. Já durante semanas, antes desse jejum completo, alimentara-me muito pouco, e as forças tinham diminuído consideravelmente nos últimos tempos.” (p. 53)

O narrador se percebe enquanto ficcionista, mentiroso compulsivo, dono de uma verdade apenas psicológica, “Meus pensamentos flutuavam, dispersos; acudiam-me impulsos extravagantes, em dose maior que a conveniente. Inventei num segundo esse nome tão diferente do meu, e lancei-o sem premeditação. Mentira sem necessidade.” (p. 55)

É capaz de narrar estados alterados fisiologicamente causados pela inanição. Quando, por exemplo, ele se diz desabrigado e é recolhido a uma cela deveras escura no posto de guarda, onde tem quase uma epifania da condição humana – a incapacidade da linguagem em representar e transmitir o que sentimos, em suma, os limites da comunicação, quando, em delírio, imagina criar uma palavra nova,

“Despi-me. Não tinha sono, impossível dormir. Fiquei estendido um momento, olhando a escuridão, aquela treva sem fundo, espessa, maciça, que eu não podia conceber. O espírito era incapaz de captá-la. Estava escuro além de toda escureza, e a escuridão oprimia-me. [...] A escuridão tomara posse de meu pensamento, não me deixava um instante de repouso. Eu próprio não me estaria dissolvendo em trevas, não fazia um todo com elas?” (p. 56)

“Chegara à completa loucura da fome, sentia-me oco, sem sofrimento, já não detinha as rédeas da imaginação. Refletia calado, metido em mim. Mediante saltos extraordinários de raciocínio, procurei aprofundar o sentido da nova palavra.” (p. 57)


“Abri os olhos. Para que fechá-los, se não podia dormir? As mesmas trevas reinavam em torno, a mesma insondável e negra eternidade, contra a qual o espirito se revoltava, incapaz de assimilá-la. A que poderia compará-la? Fiz os mais desesperados esforços para achar uma palavra bastante negra a meu gosto, que designasse aquela escuridão; palavra tão pavorosamente negra que enegrecesse a boca, ao ser pronunciada.” (p. 58)

“Era um delírio feito de fraqueza e de esgotamento, porém não perdera a consciência. De repente, uma ideia varou-me o cérebro, a ideia de que enlouquecera.” (p. 59)


Em sua fome, o narrador sobrevive em momentos de delírio, quase loucura, “O espírito, desenfreado, fugiu de novo por estradas aventurosas. Eu continuava percebendo a incoerência de minhas palavras; não dizia uma só sem entendê-la e compreendê-la. Falei comigo: ‘Você já começa a divagar!’ Entretanto, não podia deixar de fazê-lo. Era como se estivesse deitado, sem dormir, conversando em imaginação. A cabeça estava leve, sem dor, inteiramente despreocupada; a alma, sem nuvens. Deixei-me ir à deriva, se a menor resistência.” (p. 62) e “Que é que não inventam as sensações, quando a gente tem fome? Sinto-me absorvido por essa música, dissolvido, tornado música; e fluo, sinto-me distintamente fluir, pairando alto sobre montanhas, dançando em zonas luminosas.” (p. 66)

O protagonista não apenas sofre com a miséria, mas pune a si mesmo como se fosse culpado. Torna-se um carrasco de si mesmo, como diz certo poema de Charles Baudelaire,

“Parei afinal, prestes a chorar de raiva pela impossibilidade de correr mais; o corpo todo tremia. Deixei-me cair num patamar. – Alto! – exclamei. E para me torturar bem, levantei-me e obriguei-me a continuar de pé, zombando de mim mesmo, compreendendo-me com o meu próprio esgotamento. Afinal, depois de bastante tempo, com um sinal de cabeça dei-me licença para ficar sentado, mas escolhi o lugar mais incômodo no patamar.” (p. 69)

O problema da consciência além das penúrias da miséria, “O quê: sua consciência? Nada de infantilidades, você é pobre demais para ter consciência. Está com fome, não é? [...] Bem, seu estado é assustador, você está em luta com as potências da treva; à noite, sustenta uma luta medonha contra enormes monstros silenciosos, um verdadeiro horror. Está sedento de leite e de vinho, e não os possui. Eis a que ponto você chegou.” (p. 70)


Pois o protagonista corre o dia todo em busca da sobrevivência – um centavo para um pão – e é tudo inútil : ele sabe que resta a opção de deitar-se e morrer, mas tem consciência – e dignidade – o suficiente para ainda persistir. Não quer descer ao nível do roubo ou da mendicância. Mas é inevitável. Ele sofre com as indignidades e ao se lembrar das indignidades. Prefere passar fome do que virar um marginal, um criminoso.

Mas a debilidade da fome é tanto física quanto mental, o sofrimento arrasa corpo e alma, joga ambos na desfiguração e degradação, e entende-se que é difícil aceitar tal estado como natural, “Tinha o ar de quê? É o diabo, a gente ir se deixando desfigurar, vivo, unicamente por obra da fome. Senti a cólera invadir-me uma vez mais; era a última chama, o último espasmo. [...] em plena cidade de Cristiânia, jejuava a ponto de perder a figura humana! Então isso tinha sentido, isso se harmonizava com a ordem natural das coisas?” (p. 74)

Depois de mendigar alguns centavos - e inutilmente ! - o narrador se recrimina, angustiado,

“Retirei-me, doente de fome, ardendo de vergonha. Não, era preciso acabar com isso! Tinha realmente ido longe demais. Mantivera-me durante tantos anos, conservara-me firme durante tantas horas cruéis, e eis que de repente caía na mendicância brutal. Um único dia degradara meu raciocínio, salpicara de impudor minh’alma.” (p. 77)

“Fizera tudo a meu alcance. ‘Um dia inteiro sem ter sorte uma única vez!’, dizia comigo. ‘Se contasse isso a qualquer pessoa, ninguém acreditaria; se escrevesse, diriam que tinha inventado. Não tivera sorte em nenhum lugar! Bolas, não havia nada a fazer; principalmente, que não tentasse mais inspirar piedade.” (pp. 77-78)

 No momento de maior penúria, o faminto protagonista recebe a ajuda providencial de um conhecido – aqui sequer nomeado. Consegue cinco coroas para sobreviver mais uma semana.


Na Parte 3, ainda na luta, o autor se esforça para escrever, e vender seus artigos para algum editor. É preciso escrever para poder comer, o desejo sempre adiado, a necessidade constante a roer o estômago, “Três ou quatro artigos em preparo saqueavam meu pobre cérebro, confiscando cada pensamento, cada faísca que nele brotava; e tudo parecia andar melhor do que antes.” Contudo “A última crise me afetara muito; começava a perder grandes mechas de cabelo; afligiam-me dores de cabeça, principalmente pela manhã, e o nervosismo não queria ceder.” (p. 83)

Quando se é benevolente com ele, o narrador não julga merecer, até se comove. E ao mesmo tempo nutre seu orgulho, não quer que tenham piedade dele. Ele se sente humilhado, quando mostram ter compaixão. Pois o narrador quer ser reconhecido e admirado por seu trabalho literário, por seus artigos bem escritos e não por ser alvo da piedade alheia.


Enquanto se esforça para escrever, o protagonista se vê as voltas com uma aventura amorosa. Uma certa moça, que ele abordara inconvenientemente algumas semanas antes, passa a esperar seu vulto, junto a um poste na rua. Ele se entrega ao impulso de curiosidade, quer saber quem é a moça, mas nem tem condições de se apresentar socialmente – está sem roupas adequadas, tem aparência abatida. Não pode mais resistir à fome, “Começara, porém, a enfraquecer sensivelmente, e já não podia, de modo algum, jejuar como antes; agora, bastava um dia para me dar vertigens, e se bebesse água desandava logo a vomitar.” (p. 86)

Ele passa fome, mas tem mais necessidade de escrever seus textos, assim mais importante que um pão seria um lápis ou toco de vela. A escrita deverá atrair reconhecimentos – e rendas. Ele escreve não apenas pelo dinheiro, mas para demonstrar seu talento, e ser admirado. Contudo, a fome é o obstáculo, “E eu não tenho duas coroas. Que desolação, que miséria inigualável, ser indigente a esse ponto! Que humilhação, que desonra!” (p. 87)

O protagonista precisa se sentir superior – pois é um intelectual ! – para se manter digno na miséria, para não mergulhar na inferioridade e na subserviência. Mas com as mulheres é ele ainda um ‘desarranjado’, não consegue se impor, sente-se miserável e assim nem uma prostituta ele consegue.  Ele anda e anda pelas ruas da cidade, em delírios de fome, a criar situações imaginativas, ora é um jornalista que gastou tudo numa farra, ora um religioso que tece sermões para as ‘decaídas’, “Que alegria, perambular assim, fazendo boas ações! [...] Sentia-me com ânimo absolutamente radioso, bem-disposto, cheio de coragem – acontecesse o que acontecesse. Só me faltava uma vela; se conseguisse, poderia terminar o artigo...” (p. 89)

Mas o ato de escrever é cada vez mais difícil, o esforço é sempre maior, as palavras não correspondem às ideias, os argumentos se embaralham, a miséria implode as abstrações. O mundo é um fato concreto: a carência. Com o estômago vazio é mesmo impossível filosofar! “o homem é aquilo que come”, já escrevera o pensador alemão Feuerbach. “Com grande dificuldade consegui alinhavar algumas frases curtas, duas dezenas de pobres palavras, arrancadas Deus como, para avançar de qualquer jeito. E parei; a cabeça era um vazio, não podia mais.” (p. 91)

Então o narrador se angustia, em torpor, com auto-piedade e aguda consciência do próprio drama. Ele escreve tempos depois do vivenciado, mas resta uma amargura, com certa auto-ironia. Como pode uma mente tão alerta se deixar abater tanto? Ele luta o tempo todo contra a indignidade, mas eis uma oportunidade para se valer de um mal-entendido, de um troco equivocado. Não pensa duas vezes, tal o torpor, tal o desespero. “A primeira desonestidade verdadeira fora cometida; o primeiro furto, diante do qual todos os anteriores nada significavam; a primeira pequena ... grande queda. Basta! Não havia meio de voltar atrás.” (p. 94)

Ele tenta comer, mas é inútil, pois de tão debilitado ele não consegue nem digerir o alimento. Não há como aplacar a fome! “Isso me exasperou; tornei a subir a rua, chorando, amaldiçoando os espíritos cruéis, não importava quais fossem, que assim me perseguiam; condenei-os à danação eterna e infernal, como castigo de tanta baixeza.” (p. 95)

 Ainda curioso com a moça sob a luz do poste, o moço esquece a fome e aborda a senhorita. É a mesma moça que ele abordara semanas antes, em plena rua, por inconveniência. Ele não sabe o nome da jovem, e sua mente mitomaníaca cria o sonoro nome Ilaiáli. No mais, ele idealiza mais do que vivencia. E idealiza porque não pode vivenciar. Não tem dinheiro, nem status, nem roupas, nem aparência digna.

Por outro lado, a moça não percebe o quão miserável é o estado do nosso narrador. Ela se sente atraída para ele, por seu modo diferente, ousado, mas antes imagina que ele seja um bêbado do que um faminto com ares extravagantes. Quanto a ele, tudo bem, ele aceita o interesse dela, mas está distante de poder corresponder ao que ela espera – sequer tem um capital extra para divertir-se ou tomar um drinque num lugar decente. Assim ele precisa revelar que é pobre, quase miserável – e assim arriscar-se a perder a interessante senhorita.

Ele se esforça para agradar, mas somente ele sabe o esforço que faz, que personagem precisa interpretar, ele um moço sem qualquer posse ou posição social – como poderá acompanhar uma senhorita decente pelas ruas, ao anoitecer, sem criar suspeitas? Mas ele precisa dela, da atenção dela, para se reerguer...

“Caminhando a contemplá-la, sentia-me cada vez mais corajoso; ela me estimulava, me atraía para si, a cada palavra de sua boca. Por um momento esqueci minha miséria, minha baixeza, toda a existência lamentável; o sangue corria-me, ardente, pelo corpo, como antes da decadência.” (p. 100)

“Mas, ao chegar à porta, minha miséria toda desabou novamente sobre mim. Também, como não perder a coragem quando alguém se vê assim esmagado pela vida? Ali estava eu diante daquela moça, roto, vestido pela metade, desfigurado pela fome, sem tomar banho: era de afundar pela terra adentro.” (p. 101)

Meio ao enlevo amoroso, o protagonista se vê obcecado pelo engodo do troco na mercearia. Ele sequer pagara a vela, mas recebera um troco indevido. Mas ele precisa provar a sua honestidade. É pobre, mas não vai se apropriar de bens alheios... “De qualquer modo, porém, aquele dinheiro me pesava um pouco no bolso, não me deixava em paz. Investigando bem no fundo de mim, descobri, claro como água, que antes era mais feliz, quando sofria com toda a honestidade.” (p. 103)

Ele se desfaz das moedas, entrega a uma velha vendedora ambulante, sem dizer palavra.

“Que gosto admirável, o de sentir-me novamente homem de bem! Os bolsos vazios já não me pesavam, era uma delícia encontrar-me outra vez a nenhum. Refletindo bem, esse dinheiro, no fundo, me enchera de preocupações secretas, eu realmente me arrepiava ao pensar nele; não era uma alma endurecida, pois minha natureza honesta se indignara profundamente com aquela ação vil.” (p. 103)

O narrador pode ser pobre, miserável, faminto, mas sua conduta ética é de base kantiana – faz o que deve ser feito, e espera ser imitado – segue seu imperativo categórico de dignidade humana. O que não evita que ele zombe de transeuntes ou confunda um cocheiro com uma viagem inútil de um lado a outro da cidade. Sente-se em delírio, em exaltação, quase embriagado, em ‘loucas imaginações’ – mas tudo consciente. “A loucura lavrava em meu espírito; deixei que lavrasse, com plena consciência de estar submetido a forças que não poderia dominar.” (p. 106) e “Sentia-me tão profundamente desgostoso e fatigado por toda essa vida miserável, que já não me parecia valer a pena lutar em sua defesa. A má sorte vencera, e fora demasiado rude: eu era apenas uma extraordinária ruína.” (p. 107)

E ele segue a perambular, sem ideias, sem esperanças, com nojo de si mesmo. Acaba por confessar o engodo, o troco indevido, da noite anterior, apenas para deixar perplexo o atendente da mercearia. E volta a perambular para casa, apenas para se acusar de arrogância e se sentir culpado com a barriga vazia. Só resta passar mais fome e se torturar.  Em febre, em delírio, ele se lembra de – e idealiza – sua Ilaiáli.

Após a febre – “não tinha consciência nítida do que acontecera, olhava espantado em volta; transformara-se completamente minha maneira de ser; já não me reconhecia a mim mesmo.” (p. 109) – ele segue com fome medonha, a ponto de roer osso descarnado, até se cansar de vaguear, enraivecido contra a providência que o martiriza, no fundo de sua miséria, ao ponto de tornar-se um ser insensível, até se salvar com uma ajuda derradeira de um possível editor – ou autoridade pública.

Com o dinheiro, ele se abriga num hospedaria para viajantes, e lembra-se então de um encontro marcado com a senhorita Ilaiáli. Mas é inútil insistir num enlace amoroso – eles estão separados pela miséria dele. Faminto, neurótico, megalomaníaco, orgulhoso, com cabelos a cair, em suma, desprezível ele se revela diante dos olhos dela. Pior que um estudante farrista, um excêntrico bêbado, ele se mostra o que é – um autor pobre, miserável. Ele revela toda a verdade, gasta sua ‘verborragia literária’, é rude, cínico, terrivelmente sincero – e perde a senhorita de seus sonhos e pesadelos. Ela é encantadora, logo ele não pode aceitar que ela se rebaixasse à pobreza dele.

É uma alma delicada, sensível, mas severamente atormentada pela miséria. O único ganho é sua capacidade de observação, descrição, análise, “o fato é que a pobreza aguçara em mim certas faculdades, a ponto de causar-me profundos dissabores, sim, posso lhe garantir, profundos dissabores – ai de mim! Por outro lado, isso tem suas vantagens: até me ajuda, em certas situações. O pobre inteligente é um observador bem mais fino que o rico inteligente. O pobre olha em redor, a cada passo; examina, desconfiado, cada palavra das pessoas que vai encontrando; cada passo que ele próprio dá impõe a seu espírito e a seu coração uma tarefa, um dever. Tem ouvido fino, é impressionável, experiente, leva queimaduras na alma...” (pp. 124-25)



O narrador, na parte 4 do romance, consegue manter-se um tempo na hospedaria, onde pelo menos um desjejum básico é oferecido. Mas nem sempre tem inspiração para seus textos. Mal consegue ter um pouco de concentração, fazer um cálculo aritmético simples. Mas sua capacidade de observação continua aguçada. E tem consciência da própria presença de espírito – descarta a loucura.

“Havia muitos dias que retomara o trabalho, sem conseguir escrever nada que me satisfizesse; não tinha sombra de inspiração, sem embargo de aplicar-me e de tentar a todo instante. Em vão atacava um assunto qualquer: nada saía certo, a sorte voara.” (p. 129)

“Afinal, acabaria percebendo o estado de fraqueza a que chegara, e a que ponto o cérebro embotado era incapaz de qualquer esforço.” (p. 130)

“O cérebro falhara. Tornara-me assim um tão completo idiota, a ponto de ser incapaz de calcular o valor de um pedacinho de queijo adubado? Por outro lado, seria possível que houvesse perdido a inteligência, quando podia fazer a mim mesmo tais perguntas?” (p. 132)


“Do que observava, eu nada perdia, nem mesmo um aspecto insignificante. Minha atenção era vigilante ao extremo. Respirava delicadamente cada pequenina coisa, e me representava intelectualmente cada circunstância, à medida que ela transcorria. Assim era impossível que minha razão estivesse perturbada. De resto, como poderia ficar perturbada, agora?” (p. 134)

“Ri nervosamente de minhas próprias brincadeiras, achando-as engraçadíssimas. Não tinha mesmo nada de maluco, estava perfeitamente são de espírito.” (p. 134)

Ele ainda tenta escrever, mas é sempre interrompido, pelas crianças que brincam e brigam no pátio, pela presença da dona da hospedaria, pelas dores físicas e morais da existência em penúria. Após tentativas infrutíferas, o narrador resolve sair em andanças pelas ruas, onde ele encontra conhecidos, além de ver, por acaso, a senhorita Ilaiáli (nome dado por ele) em companhia de um famigerado sedutor de donzelas. Percebe que tudo o que via na mocinha era fruto de sua própria imaginação exaltada. Era mais uma moça do povo que será enganada por outro moço com segundas intenções. A vida é assim mesmo. Uns vencem, muitos perdem.

Ele vive de favor na hospedaria, e tenta escrever. Mas há todo um drama familiar indiferente ao talento frustrado do jovem autor pobre. Tudo serve para distrair a atenção do autor, assim nunca consegue terminar seus textos, sempre incompletos e fracassados. A amargura somente cresce – ele sabe que nunca conseguirá pagar suas dívidas. O drama familiar ao redor do narrador é bem mais angustiante do que o drama medieval barroco que ele tem em mente. A realidade é sempre mais cruel que a idealização. Onde ele poderá se abrigar?

“Olhei para a porta, não com propósito de ir embora, de modo algum. Veio-me uma ideia audaciosa. Se a porta estivesse com chave, eu a trancaria e ficaríamos todos presos lá dentro; assim, não seria obrigado a sair. Acometera-me um pavor absolutamente histérico de me ver outra vez no olho da rua. Mas não havia chave na porta, e levantei-me. Sem nenhuma esperança.” (p. 145)

Expulso da hospedaria, novamente as andanças desvairadas sem rumo pela cidade. Atenção em tudo para não sentir a fome. (Em A Náusea, de Sartre, temos Roquetin que anda e vagueia pela cidade para conseguir afastar de si o espectro da ‘náusea’, sua angústia existencial. E em Angústia, de Ramos, o protagonista perambula para se livrar das frustrações amorosas e vivenciais) “A fome voltava a roer-me com ferocidade, e era necessário dar um jeito o mais depressa possível. Com esse pensamento, dormi no banco.” (p. 146)

Ele ainda se esforça para escrever, mas o mundo ao redor é incremente, é indiferente. E nunca há uma condição propícia para a concentração exigida pela escrita. Como compor um drama sobre vultos medievais no meio de uma cidade grande com gritos de cocheiros, olhares de guardas, cusparadas de mendigos? O mundo moderno destrói qualquer tentativa de resgate histórico. Temos o cidadão tentando fugir da cidade, mesmo mergulhado em seu tumulto. “Ah, se arranjasse um lugar onde esconder-me... Refletia nisso, parado bem no meio da rua; a questão é que não conhecia na cidade um único lugar sossegado onde me instalasse por momentos.” (pp. 146-47)

Não há lugar sossegado na cidade: todos lutam e se combatem e se entrechocam. Querem um lugar ao sol, querem subir ao pódio! Seduções, traições amorosas, violências físicas e morais, latrocínios, crimes passionais, tudo se confunde e se complementa. Uma insensível selva urbana é o que temos diante dos olhos. “Era impossível continuar. Por fim, tudo começou a girar na cabeça; parecia-me que tudo o que havia escrito não prestava para nada, que aquela ideia era absurda e perigosa.” (pp. 148-49) Mas um momento de sossego possibilita um encadeamento de ideias, até serem novamente interrompidas por presenças do mundo real – a senhoria que reclama dívidas, que vem mesmo expulsar.

“Tudo correu admiravelmente durante alguns minutos. Réplicas e mais réplicas surgiam prontas, num trabalho incessante. Enchia página sobre página, a galope. Soltei como que um doce vagido, no êxtase da inspiração, inconsciente. O único som que chegava até mim era esse vagido de alegria. Nisto, veio-me uma ideia felicíssima: introduzir em certa passagem do drama o repicar de um sino. Ia tudo às mil maravilhas.” (p. 149)

Expulso, o protagonista teme morrer nas ruas, lugar indiferente aos seus sofrimentos. A miséria traz um sofrimento físico que se torna um sofrimento moral quando o faminto toma consciência de sua indignidade num mundo onde as posses definem o ser. Ser despossuído é ser expulso e excluído – não há meio termo. Ou se torna um corruptível como todos os que ‘vencem na vida’ ou deixa-se a cair na sarjeta.

Ao lembrar que a bela mocinha de semanas antes, e da piedade que ela sente, ao enviar-lhe anonimamente uma cédula – prontamente atirada à face da senhoria que o expulsava – o narrador sente que está no fundo de sua miséria. Tornou-se um mendigo, a viver de favores e da caridade alheia. Finalmente desiste da composição do drama medieval – constata a impossibilidade de fugir do moderno, da vida moderna e da fome na cidade – onde morrer diante da indiferença geral. Mais um derrubado pela vida de competições e desigualdades.

Mesmo quando ele atua com desprendimento, não recebe igual paga, não há reciprocidade, afinal ele não passa de um miserável – não é visto como um cidadão, mas um pedinte que vem incomodar. Se um dia ele entregou moedas a uma velha vendedora, dias depois ela nem o reconhece, não concorda em matar a fome daquele pedinte. Inutilmente ele tenta aplacar a fome – deve abrir mão de seu talento, de seus escritos e assumir nova carreira. Que tal embarcar no próximo navio que sai do porto? Empregar-se como um auxiliar de bordo seria uma forma de matar a fome. A escrita? Ora, a escrita não satisfaz jamais a fome.



Fonte: HAMSUN, Knut. Fome. (Sult) Tradução de Carlos Drummond de Andrade. Círculo do Livro.


fev/mar/13


Leonardo de Magalhaens





mais info sobre ‘Fome







Hunger – on-line – Project Gutenberg



Filme Hunger / Sult (1966)
baseado no romance





Um comentário:

  1. Muito interessante. Posso perguntar como "traduziu" Ylajali para Ilaiáli?

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