terça-feira, 6 de novembro de 2012

sobre a poética de Eu - de Augusto dos Anjos (P 1)




sobre a poética de “Eu” (1912)
de Augusto dos Anjos (1884-1941)


O Eu poético entre o Corpo e a Mente, o Finito e o Metafísico


P1

Influências, Estilo, Singularidade 
 

A Poética de Augusto dos Anjos (Paraíba, 1884 - Minas Gerais, 1914), professor e poeta, autor do livro único Eu (1912), é reconhecida como uma exploração de temas metafísicos e científicos em forma lírica e neo-simbolista, com rigor métrico e rimas raras, com demonstração de vasta erudição (ainda que 'mal digerida') com o uso de excêntrico vocabulário, onde se destacam os termos científicos e filosóficos, além das palavras proparoxítonas de raro uso.

A ambiência desta poética encontra-se plena de tons soturnos, brumas góticas, clamor na solidão do eu lírico, o ser singular na vastidão do mundo, a impotência do indivíduo consciente submetido às forças imperiosas e desconhecidas do cosmo, a consciência enquanto incômodo existencial, o deslocamento do visionário na vida prática. As exigências da vida social (medíocre e mesquinha) são um suplício para o ser que se recolhe à solidão, possível refúgio para o ser autêntico, enquanto ser que sofre. Neste sofrimento, o eu lírico destila pensamentos pessimistas e até niilistas.

Certamente é difícil conceituar a obra do poeta-pensador Augusto dos Anjos, sempre foi assim. Em qual escola enquadrá-lo? Em que filosofia? Como tecer interpretações sobre a sua obra tão excêntrica? Como cada leitor vai se situar diante do inusitado e do sinistro? Muitos leitores e críticos apontaram e discursaram sobre os elementos mórbidos, simbolistas, nesta poesia dita pré-modernista, nesta selva de versos com temáticas filosóficas, metafísicas, positivistas, niilistas, além do cientificismo, do decadentismo, dos temas macabros góticos.

Foram catalogadas as influências, as citações, as marcas intertextuais, as relações com a poética francesa e brasileira da época (até com os poetas de língua alemã foram sugeridas!), tudo no sentido de localizar o poetamais do que considerar um contextopara melhor ousar interpretações, com esperanças de inserir a poética de dos Anjos numa 'gaveta' da Teoria da Literatura, num dado 'departamento' e assim melhor 'domesticá-lo'.

Certamente, de início, os leitores notame defendem - as influências do Simbolismo, assim após as tantas leituras de Charles Baudelaire e Cruz e Sousa, basta vermos algumas aliterações, assonâncias, explorações da sonoridade nos versos, que se aproximam do jogo de palavras dos poetas que preferem a musicalidade ao discurso. Temos farta coleção de provas quando o tópico é 'influência dos simbolistas', vejamos:

A vida fenomênica das Formas, / Que, iguais a fogos passageiros, luzem...,Brancas bacantes bêbedas o beijam.,A destra descarnada de um duende,(Monólogo de uma Sombra);Mostra aos montes e aos rígidos rochedos(O Lázaro da Pátria); Cinzas, caixas cranianas, cartilagens / Oriundas, como os sonhos dos selvagens, / De aberratórias abstrações abstrusas!” (“O Caixão Fantástico”), Benigna água, magnânima e magnífica, / Em cuja álgida unção, branda e beatifica, (“Os Doentes”), Da fértil terra gorda, úmida e fresca, / A ínfima fauna abscôndita e grotesca / Da família bastarda dos helmintos.(Noite de um Visionário),E quando vi que aquilo vinha vindo / Eu fui caindo como um sol caindo / De declínio em declínio; e de declínio / Em declínio, com a gula de uma fera,(Poema Negro);

E mais, “Fulguram como outros sóis / Os flamívomos faróis(Barcarola),Que vem de um ventre inchado, ínfimo e infecto!(Mistérios de um Fósforo),Viu vísceras vermelhas pelo chão... / E amou, com um berro bárbaro de gozo, / O monocromatismo monstruoso(A Obsessão do Sangue),sonorizando os sonhos passados(Soneto),E em sevas fúrias, infernais ardendo / Todas as feras, as panteras todas (A Vitória do Espírito),Diminuição dinâmica, derrota(Apocalipse),Conquanto em flâmeo fogo efêmero ardas,(Apóstrofe à Carne), Quedo-me aos poucos, penseroso e pasmo, / E a Noite afeia corno num sarcasmo / E agora a sombra vesperal morreu...(Cítara Mística)

A preocupação simbolista com as sonoridades ('música antes de qualquer coisa', segundo Verlaine) é nitidamente notada no sonetoN'augusta solidão dos cemitérios onde encontramos os vocábulos 'solidão', 'sombras', 'sepultados', 'soturnais', 'silentes', 'soluços', 'sepulcral', 'suprema', além de 'sonhos' (duas vezes) e 'sepulcros' (duas vezes). Também emIdealizações, com os vocábulos 'flameja', 'fulvos', flamejam', 'fuzilem', 'fulvas', 'fatal', 'vulcão', 'violento', 'triste', 'treva', 'sombra', 'sangra'; além de 'funerais', 'funéreas', 'frias'.


É importante ressaltar as relações entre o decadentismo (ao estilo Baudelaire) na poética de Augusto dos Anjos, como aponta o ensaio de Eudes Barros, como explicitado no trecho abaixo,

Eudes Barros, no ensaio Aproximações e antinomias entre Baudelaire e Augusto dos Anjos (1994 pp. 177-8), diz que as aproximações entre a poesia do brasileiro com a do francês resultam de manifestações análogas de sensibilidade e inspiração efêmeras. Nega uma possível influência, enfatizando que não se é um poeta extremamente sofrido e angustiado como Augusto dos Anjos apenas por influência de outros poetas.

Evidentemente,
não compreendemos que a angústia que Augusto dos Anjos expressa em seus versos tenha derivado da poesia de Baudelaire, mas acreditamos ter havido um processo de identificação desencadeador de uma possível influência. fortes indícios de que Augusto dos Anjos leu Baudelaire, como a repetição de temáticas como a decomposição, a escatologia, o sangue, entre tantas outras. (...)




Além dos simbolistas, entre as influências para dos Anjos , temos o poeta francês Alfred de Vigny (1797-1863), com pensamentos do tipo:Condenados à morte, condenados à vida, eis duas certezas, e do poeta brasileiro Raimundo Correia (1859-1911), com seu pessimismo, José Isidoro Martins Junior (1860-1904), com seu cientificismo, característico da Escola do Recife. O próprio poetaem questionário médico de 1912, em tom confessionalcita dois autores que muito o impressionaram: o dramaturgo britânico William Shakespeare (1564-1616) e o poeta e contista norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849).

Mas além de influências, o que se destaca são as singularidades. Nota-se o uso e abuso de vocábulos esdrúxulos, raros, excessos de proparoxítonas, mudanças de acentuação, hiatos viram ditongos e vice-versa (ver sinéreses e diéreses), além das referências a autores (Anaximandro de Mileto, Arquimedes, Pitágoras, Plínio, Shakespeare, Dante, Gouncourts, Goethe, E.T.A . Hoffmann, Lord Byron, E. A .Poe, Laplace, Spencer, Haeckel, A. Schopenhauer, R. Wagner, etc) e personalidades (Pilatos, Tibério, Lutero, Giordano Bruno, C. Colombo, Luís XVI, Papa Pio X, o poeta francês André Chénier, os pintores Rembrandt e Pedro Américo ).

Além de lendas e mitologias e figuras bíblicas e religiosas e fictícias (Rig-Veda, Niebelungen, Hércules, Hidra de Lerna, Tântalo, Vênus, Afrodite, Vulcano, Prometeu, Orfeu, Proserpina, Dioniso, Cloto, Átropos, Procusto, Tifon, Osíris, Ísis, Shiva, Arimã, Buda, Cristo, Jeová, Eva, Nabucodonosor, Lázaro, Sardanapalo, Messalina, Hamlet, Macbeth, Lear, Fedra, Iracema) e também lugares (ilha de Cipango, ilha de Lemnos, mar Cáspio, Corinto, Calvário, Herculanum, Roma, Recife, serra da Borborema, Lisboa, etc) bem como auto-referências (emTristezas de um Quarto Minguanteo poeta faz menção aoGemidos de Arte”, ou se refere-se a si mesmo como “poeta do hediondo”)

As referências aos autores e obras, sejam poetas, filósofos ou personalidades, realmente são destaques na poética de Augusto dos Anjos, sejam metafísicos, materialistas, platônicos ou pré-socráticos, evolucionistas, figuras bíblicas ou mitológicas (gregas e romanas). Todo um anexo com biografias e trechos de obras é necessário para compreender algumas alusões feitas pelo poeta. Outro glossário sobre os termos de metafísica, religião, filosofia alemã, naturalismo, evolucionismo, etc, é necessário para se absorver os conhecimentos eruditos do poeta.

Segundo encontramos em Bosi ( História Concisa da Literatura Brasileira , 1975. pp. 321-26), considerações sobre o vocabulário augustiano, em seus aspectos esdrúxulos, rebuscado e científico,

Essa popularidade deve-se ao caráter original paradoxal, até mesmo chocante, da sua linguagem tecida de vocábulos esdrúxulos e animada de uma virulência pessimista sem igual em nossas letras. Trata-se de um poeta poderoso, que deve ser mensurado por um critério estético extremamente aberto que possa reconhecer, além do 'mau gosto' do vocabulário rebuscado e científico, a dimensão cósmica e a angústia moral da sua poesia.(p. 322)


Para alguns é fascinante este vocabulário, no exercício de pesquisa dos campos semânticos (filosofia, religião, ciências), além das consultas ao dicionário de língua portuguesa, em busca de notas de etimologias do nosso idioma (que conservou radicais, sufixos, prefixos, até mesmo palavras do latim e do grego) tão variado e flexível para expressar conceitos e teorias, sentimentos e desassossegos. Para outros, a maioria, o vocabulário é o elemento que afasta, em profundo estranhamento a ponto de se evitar a leitura mais atenta. Assim, julgam o poeta um autor pedante, a despejar palavras esdrúxulas numa pretensa poesia filosófica com erudição 'mal digerida'.

Sobre o vocabulário (e as temáticas obsessivas) de Augusto dos Anjos, escreve Darci Damasceno (in Coutinho, 2004: 605), a ressaltar os aspectos da introspecção e da consciência da finitude,

Assenhorando-se de um vocabulário pertencente às ciências e às técnicas, incorporando a temática do macabro, imbuindo-se de filosofia materialista, Augusto dos Anjos caldeou tudo isso em argamassa de extremado pessimismo e fez do lado sórdido, negativo ou carcomido da vida a fonte de seu canto. A obsessão do próprio eu, a penetração a fundo na própria personalidade foi a constante de toda sua atividade criadora, e a consciência da morte, ou melhor, do aniquilamento absoluto era a soturna voz que lhe perpassava poema a poema.


Fartura de erudição! Eis a presença do poeta enquanto um pensador, um ser consciente, absurdamente consciente que vive a descobrir filosofias e se perde entre tantas, ao ponto de chegar ao ceticismo, a considerar a impossibilidade de se saber algo em definitivo. É um Eu poético perdido entre livros brochuras calhamaços, velhas erudições, tal qual o Eu assombrado pelo soturno Nevermore em O Corvo / The Raven de Allan Poe. É possível ao ser humano entender o universo? Num único soneto podemos encontrar várias referências a obras e autores, de várias correntes de pensamento, vejamosAgonia de um Filósofo”,

Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda.
E, ante obras tais, me não consolo...
O
Inconsciente me assombra e eu nele rolo
Com
a eólica fúria do harmatã inquieto!

Assisto
agora à morte de um inseto...!
Ah!
todos os fenômenos do solo
Parecem
realizar de pólo a pólo
O
ideal de Anaximandro de Mileto!

No
hierático areópago heterogêneo
Das
ideias, percorro como um gênio
Desde
a alma de Haeckel à alma cenobial!...

Rasgo
dos mundos o velário espesso;
E
em tudo, igual a Goethe, reconheço
O
império da substância universal!


Podemos listar algumas referências, para nortear nossa leitura em âmbito tão metafísico, tão pleno de ideias, conceitos, visões de mundo. Ptah-Hotep : Ensinamentos de um sábio egípcio Ptah-Hotep, de vinte e séculos antes de Cristo, uma espécie de testamento moral, composto de máximas, tais como:seja um bom exemplo,obedeça a lei,seja um mensageiro fiel,ame seu vizinho,seja moderado em todas as coisas,conserve sua reputação, etc, o que deve lembrar muito os Provérbios de Salomão ou o Livro de Eclesiastes, da tradição bíblica judaico-cristã; ou os conselhos dos filósofos gregos, por exemplo, Aristóteles, com sua ética da virtude no meio-termo, a justa medida, para alcançar a felicidade pessoal e coletiva.

Rig-Veda: Primeiro dos Vedas, ou Conhecimento, antigos textos em sânscrito, sagrados para o Hinduísmo, composto de hinos, rituais, oferendas aos deuses, sendo considerado um dos textos de maior antiguidade na cultura indo-europeia. Nos hinos encontram-se descrições de cunho cultural, histórico, sobre o modo de vida e a devoção às divindades.

Anaximandro de Mileto: filósofo grego, do século a.C. , portanto pré-socrático, autor deSobre a Natureza, pesquisador dos princípios das coisas, crente na existência dos contrários, que vivem num equilíbrio de forças. Apresentava um pensamento sobre o evolucionismo (organizações simples até as complexas). Mais sobre os filósofos pré-socráticos (na Wikipedia) : http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1tico

Haeckel : Ernst Haeckel (18341919), naturalista alemão, evolucionista, positivista, ateu republicano, estudioso da embriologia, autor de Kunstformen der Natur (1904), sobre a evolução das espécies demonstrada a partir do estudo comparativo de embriões. A ideia de uma única substância que tudo compõe, com suas variações, num entrelaçar entre naturalismo e religiosidade, ciência e crença, 'como o espírito de todas as coisas' é base para o Monismo, defendido por Haeckel e que tanto atuou sobre o pensamento do poeta dos Anjos.

Goethe: Johann Wolfgang von Goethe (17491832), escritor e pensador alemão, figura do Classicismo e do Romantismo, central no movimento Sturm und Drang, autor de romances e peças teatrais, entre as quais, Sofrimentos do Jovem Werther, As Afinidades Eletivas, Fausto I e II .


Além das referências, aqui o ponto central é a questão da consciência : saber que existimos, sempre conscientes da nossa posição existencial e moral,A Consciência Humana é este morcego! / Por mais que a gente faça, à noite, ele entra / Imperceptivelmente em nosso quarto!(O Morcego) A consciência surge como uma 'agulhada' no ser pensante, que se percebe afastado da animalidade inconscienteainda que humano e animal façam parte da mesma 'substância' (segundo o Monismo)deixando a mente deslocada, em busca de um 'sentido' para estar-aí (o Dasein, na filosofia do alemão M. Heidegger).

A consciência é um drama? Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) emGuardador de Rebanhos” considera que mais misterioso do que tudo existir é haver a consciência de que tudo existe.O único mistério é haver quem pense no mistério. E a consciência nos tira a possibilidade de sermos felizes. Melhor viver sem metafísicas, sem buscar aconstituição íntima das coisasou osentido íntimo do universo, mas sentir o mundo, aceitar sol, árvores, campinas, dores e alegrias. Nada de ficar iguais aos poetas místicos (são “filósofos doentes”) que transferem sentimentos para as árvores e rios e plantas. Afinal, para Caeiro, os rios são rios e as flores são flores. Nada mais. Visto que a Natureza não tem consciência.

A consciência pode conhecer o mundo, o cosmos? Ou antes advém um cansaço? O cansaço de ser filósofo, ver o que os outros não viram (daí a sina do 'visionário'), “Na síntese acrobática de um salto, / O espectro angulosíssimo do Medo! / Em cismas filosóficas me perco / E vejo, como nunca outro homem viu,(Mistérios de um Fósforo), o poeta que é um visionário (daí osSolilóquios de um visionário, eNoite de um visionário, poemas que ousam descrever as visões da decadência.
Para expressar (eis um verbo importante) suas visões (e desilusões) o Eu poético recorre às imagens fortes, amargas, doentias, até chocantes e escatológicas que deixam o leitor perplexo e até enojado. É uma das características do movimento Expressionismo, que foi muito forte na Alemanha pré-nazismo, com a presença do mórbido e do escatológico (que logo depois saiu da ficção para invadir a realidade - vide os campos de extermínio e massacres), com imagens deformadas e iconoclastas (os hitleristas logo rotularam esta escola artística deArte Degeneradae armaram uma exposição apenas para melhor desprezar os artistas!)

Encontramos temáticas de decrepitude e enfermidades em poemas de Georg Trakl (1887-1914) e Gottfried Benn (1886-1956), poetas do expressionismo alemão, sendo que o primeiro atuou como enfermeiro em campo de batalha, e o segundo foi médico, tendo antes estudado teologia. Em ambos encontramos morbidez, descrições anatômicas e grotescas, a finitude, a podridão, como antes abundavam no Simbolismo (ou ainda Decadentismo). A poética niilista não evidencia uma visão positiva da existência, o que a aproxima mais da lírica decadentista de um Baudelaire ou do surrealismo sombrio um Lautréamont , assim a afastar-se de uma cosmovisão globalizante e entusiasta de um Walt Whitman.

Sobre a relação entre Expressionismo e Augusto dos Anjos, segundo o poeta e ensaísta Zemaria Pinto (Manaus), temos

Uma propriedade fundamental da poesia de Augusto dos Anjos é o uso do grotesco, como projeção de uma civilização em decadência, corrompida pelo egotismo que brutaliza as cidadesaglomerados desumanos e caóticos. Na esteira do grotesco, o uso de elementos caricaturais e de humor corrosivo são complementos que deformam ao extremo a visão distorcida que, longe de se pretender engraçada, provoca asco. Despersonalizado, o ser humano que emerge dessa poesia é arrastado pela convulsão de uma realidade que se lhe afigura, o mais das vezes, uma dimensão demoníaca, que ele não entende, mas da qual não se desgarra. Por isso, sua simpatia real pelos indivíduos marginalizados, atrofias sociais, sempre presentes em suas visões aterradoras. Diante de um mundo em decomposição, em que a técnica esmaga o ser humano e a ciência o ilude e o desaponta, onde a própria natureza mostra-se também enferma, não resta alternativa à máscara expressionista senão pregar, em tom messiânico, o retorno aos valores do espírito e o nascimento de uma nova humanidade, que virá substituir aquela massa amorfa e anônima, marcada pela solidão, pela mecanização e pela esterilidade espiritual.

fontes:


também comparações com poéticas de expressionistas encontramos em A Lira dos Tormentos”,

Em 1955, Manuel Cavalcanti Proença, publicou um estudo sobre o seu artesanato poético, pontuando a riqueza de sua linguagem e de suas sonoridades inusitadas. Anatol Rosenfeld abre uma nova vertente de leitura, ao aproximá-lo dos expressionistas Gottfried Benn e Georg Trakl que, a mesma época, incorporavam a linguagem poética o vocabulário das inovações técnico-científicas (1969). Antônio Houaiss, em suas observações introdutórias, destaca que em Augustouma dolorosa visão solidária com os seres e as coisas. Para o filólogo, a visão pessimista do poetaeticamente é acompanhada de uma sentida confraternidade entre os homens(Houaiss, 1960, p. 9).



Na amargura e no macabro não podemos deixar de garimpar influências do pessimismo do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, que também mergulhou em águas do Budismo, dentre outras filosofias de origem oriental. Um certo orientalismo ficou em moda como uma reação à 'razão instrumental' da civilização capitalista ocidental.

Não temos como afirmá-lo, porque não nenhuma documentação a respeito, mas parece-nos que é por essa época, aos 24 anos, que Augusto dos Anjos se deixafisgar, definitivamente, pela filosofia de Schopenhauer. não contava mais a dor individual ainda expressa, sob o disfarce da máscara lírica, em poemas comoQueixas noturnas,Poema negro,Gemidos de arteeTristezas de um quarto minguante, mas uma dor coletiva, trágica:


Por outro lado, o pensamento de Schopenhauer sobre a imanência do sofrimento no ser humano, enquanto os organismos simples pouco ou nada conhecem dele (SCHOPENHAUER, 2005, p. 399-400), vem ao encontro das ideias de Haeckel e Spencer sobre o monismo e a evolução, que Augusto dos Anjos conhecera ainda adolescente.

Ora, não sendo senão um homem comum, mas ciente de seu potencial como artista, Augusto dos Anjos desenvolve a ideia dedor estética, que seria exposta noMonólogo, como um subterfúgio a sua incapacidade de criar com expressividade a partir de seu próprio eu. Até aqui, a máscara atuara intuitivamente; agora, ela estava embasada filosoficamente, por uma metafísica ética e por uma metafísica estética, cujo estuário místico seria o budismo.




Como conciliar as leituras de teorias científicas com uma filosofia de pessimismo e ceticismo? Aliás, como o poeta tomou contato com os textos mais avançados de Ciências da época de fim de século, marcada por conquistas imperialistas e teorias etnocêntricas? Em que nível as leituras de antropologia e evolucionismo se 'digeriam' ao lado de outras filosofias e esoterismos? Como hipótese de trabalho, volta-se o olhar para os autores contemporâneos do autor, que exerceram influências certamente.

Assim, os poetas cientificistas da Escola de Recife podem ter influenciado Augusto dos Anjos, atento aos simbolistas (principalmente Baudelaire e Cruz e Sousa),


O que se convencionou chamar de Escola do Recife foi um movimento cultural de ampla repercussão, congregando pensadores, estudiosos, juristas, sociólogos, poetas, preocupados em debater os mais variados temas dentro de suas respectivas especialidades. A Escola do Recife não teve um ideário próprio e definido. Antes, foi um movimento heterogêneo, um cadinho de filosofias, de sociologias, de correntes literárias e jurídicas. Conforme assinala Pinto Ferreira, o grande esforço válido da Escola do Recife foi o convite ao debate filosófico e cultural.
...
Primitivamente, pois, a Escola teve três fases: a fase poética, a fase crítico-filosófica e a fase jurídica. Durante essas três fases, vários nomes podem ser identificados como exponenciais da Escola: Tobias Barreto, sem dúvida, a maior figura do movimento, Castro Alves, Sílvio Romero, Clóvis Beviláqua, Martins Junior, Artur Orlando e outros mais.



Podemos pesquisar, mesmo rastrear, as várias leituras e influências de Augusto dos Anjos, mas não medir em que proporção ele se apropriou de ideias e imagens e obsessões de outros autorespois em Eu tudo se mistura, num mosaico de imagens simbolistas, vocábulos científicos, visões céticas sobre a existência entre ciclos de vida e morte, ora em descrenças ora em esperanças de superação. Enquanto ser visionário, o poeta é assombrado por visões e pesadelos, sobre os quais não tem qualquer controle.


Continua...

Leonardo de Magalhaens





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