sobre a
poética de “Eu”
(1912)
de
Augusto
dos
Anjos
(1884-1941)
O
Eu
poético
entre
o
Corpo
e
a
Mente,
o
Finito
e
o
Metafísico
P1
Influências,
Estilo, Singularidade
A
Poética
de
Augusto
dos
Anjos
(Paraíba,
1884
-
Minas
Gerais,
1914),
professor
e
poeta,
autor
do
livro
único
Eu
(1912),
é
reconhecida
como
uma
exploração
de
temas
metafísicos
e
científicos
em
forma
lírica
e
neo-simbolista,
com
rigor
métrico
e
rimas
raras,
com
demonstração
de
vasta
erudição
(ainda
que
'mal
digerida')
com
o
uso
de
excêntrico
vocabulário,
onde
se
destacam
os
termos
científicos
e
filosóficos,
além
das
palavras
proparoxítonas
de
raro
uso.
A
ambiência
desta
poética
encontra-se
plena
de
tons
soturnos,
brumas
góticas,
clamor
na
solidão
do
eu
lírico,
o
ser
singular
na
vastidão
do
mundo,
a
impotência
do
indivíduo
consciente
submetido
às
forças
imperiosas
e
desconhecidas
do
cosmo,
a
consciência
enquanto
incômodo
existencial,
o
deslocamento
do
visionário
na
vida
prática.
As
exigências
da
vida
social
(medíocre
e
mesquinha)
são
um
suplício
para
o
ser
que
se
recolhe
à
solidão,
possível
refúgio
para
o
ser
autêntico,
enquanto
ser
que
sofre.
Neste
sofrimento,
o
eu
lírico
destila
pensamentos
pessimistas
e
até
niilistas.
Certamente
é
difícil
conceituar
a
obra
do
poeta-pensador
Augusto
dos
Anjos,
sempre
foi
assim.
Em
qual
escola
enquadrá-lo?
Em
que
filosofia?
Como
tecer
interpretações
sobre
a
sua
obra
tão
excêntrica?
Como
cada
leitor
vai
se
situar
diante
do
inusitado
e
do sinistro?
Muitos
leitores
e
críticos
já
apontaram
e
discursaram
sobre
os
elementos
mórbidos,
simbolistas,
nesta poesia dita pré-modernista,
nesta selva de versos com
temáticas
filosóficas,
metafísicas,
positivistas,
niilistas,
além
do
cientificismo,
do
decadentismo,
dos
temas
macabros
góticos.
Foram
catalogadas
as
influências,
as
citações,
as
marcas
intertextuais,
as
relações
com
a
poética
francesa
e
brasileira
da
época
(até
com
os
poetas
de
língua
alemã
foram
sugeridas!),
tudo
no
sentido
de
localizar
o
poeta
– mais
do
que
considerar
um
contexto
– para
melhor
ousar
interpretações,
com
esperanças
de
inserir
a
poética
de
dos
Anjos
numa
'gaveta'
da
Teoria
da
Literatura,
num
dado
'departamento'
e
assim
melhor
'domesticá-lo'.
Certamente,
de
início,
os
leitores
notam
– e
defendem
-
as
influências
do
Simbolismo,
assim após
as
tantas
leituras
de
Charles Baudelaire
e
Cruz
e
Sousa,
basta
vermos
algumas
aliterações,
assonâncias,
explorações
da
sonoridade
nos
versos,
que
se
aproximam
do
jogo
de
palavras
dos
poetas
que
preferem
a
musicalidade
ao
discurso.
Temos
farta
coleção
de
provas
quando
o
tópico
é
'influência
dos
simbolistas',
vejamos:
“A
vida
fenomênica
das
Formas,
/
Que,
iguais
a
fogos
passageiros,
luzem...”
,
“Brancas
bacantes
bêbedas
o
beijam.”
,
“A
destra
descarnada
de
um
duende,”
(“Monólogo
de
uma
Sombra”);
“Mostra
aos
montes
e
aos
rígidos
rochedos”
(“O
Lázaro
da
Pátria”);
Cinzas,
caixas cranianas, cartilagens / Oriundas, como os sonhos dos
selvagens, / De aberratórias abstrações abstrusas!” (“O Caixão
Fantástico”), Benigna água, magnânima e magnífica, / Em cuja
álgida unção, branda e beatifica, (“Os Doentes”), Da fértil
terra gorda, úmida e fresca, / A
ínfima
fauna
abscôndita
e
grotesca
/
Da
família
bastarda
dos
helmintos.”
(“Noite
de
um
Visionário”),
“E
quando
vi
que
aquilo
vinha
vindo
/
Eu
fui
caindo
como
um
sol
caindo
/
De
declínio
em
declínio;
e
de
declínio
/
Em
declínio,
com
a
gula
de
uma
fera,”
(“Poema
Negro”);
E
mais, “Fulguram
como
outros
sóis
/
Os
flamívomos
faróis”
(“Barcarola”),
“Que
vem
de
um
ventre
inchado,
ínfimo
e
infecto!”
(“Mistérios
de
um
Fósforo”),
“Viu
vísceras
vermelhas
pelo
chão...
/
E
amou,
com
um
berro
bárbaro
de
gozo,
/
O
monocromatismo
monstruoso”
(“A
Obsessão
do
Sangue”),
“sonorizando
os
sonhos
já
passados”
(“Soneto”),
“E
em
sevas
fúrias,
infernais
ardendo
/
Todas
as
feras,
as
panteras
todas”
(“A
Vitória
do
Espírito”),
“Diminuição
dinâmica,
derrota”
(“Apocalipse”),
“Conquanto
em
flâmeo
fogo
efêmero
ardas,”
(“Apóstrofe
à
Carne”),
“Quedo-me
aos
poucos,
penseroso
e
pasmo,
/
E
a
Noite
afeia
corno
num
sarcasmo
/
E
agora
a
sombra
vesperal
morreu...”
(“Cítara
Mística”)
A
preocupação
simbolista
com
as
sonoridades
('música
antes
de
qualquer
coisa',
segundo
Verlaine)
é
nitidamente
notada
no
soneto
“N'augusta
solidão
dos
cemitérios”
onde
encontramos
os
vocábulos
'solidão',
'sombras',
'sepultados',
'soturnais',
'silentes',
'soluços',
'sepulcral',
'suprema',
além
de
'sonhos'
(duas
vezes)
e
'sepulcros'
(duas
vezes).
Também
em
“Idealizações”,
com
os
vocábulos
'flameja',
'fulvos',
flamejam',
'fuzilem',
'fulvas',
'fatal',
'vulcão',
'violento',
'triste',
'treva',
'sombra',
'sangra';
além
de
'funerais',
'funéreas',
'frias'.
É
importante
ressaltar
as
relações
entre
o
decadentismo
(ao
estilo
Baudelaire)
na poética de Augusto
dos
Anjos,
como
aponta
o
ensaio
de
Eudes
Barros,
como
explicitado
no
trecho
abaixo,
“Eudes
Barros,
no
ensaio
Aproximações
e
antinomias
entre
Baudelaire
e
Augusto
dos
Anjos
(1994
pp.
177-8),
diz
que
as
aproximações
entre
a
poesia
do
brasileiro
com
a
do
francês
resultam
de
manifestações
análogas
de
sensibilidade
e
inspiração
efêmeras.
Nega
uma
possível
influência,
enfatizando
que
não
se
é
um
poeta
extremamente
sofrido
e
angustiado
como
Augusto
dos
Anjos
apenas
por
influência
de
outros
poetas.
Evidentemente, não compreendemos que a angústia que Augusto dos Anjos expressa em seus versos tenha derivado da poesia de Baudelaire, mas acreditamos ter havido um processo de identificação desencadeador de uma possível influência. Há fortes indícios de que Augusto dos Anjos leu Baudelaire, como a repetição de temáticas como a decomposição, a escatologia, o sangue, entre tantas outras. (...)”
Evidentemente, não compreendemos que a angústia que Augusto dos Anjos expressa em seus versos tenha derivado da poesia de Baudelaire, mas acreditamos ter havido um processo de identificação desencadeador de uma possível influência. Há fortes indícios de que Augusto dos Anjos leu Baudelaire, como a repetição de temáticas como a decomposição, a escatologia, o sangue, entre tantas outras. (...)”
Além
dos
simbolistas,
entre
as
influências
para
dos
Anjos
, temos
o
poeta
francês
Alfred
de
Vigny
(1797-1863), com
pensamentos
do
tipo:
“Condenados
à
morte,
condenados
à
vida,
eis
duas
certezas”,
e do poeta brasileiro Raimundo
Correia
(1859-1911),
com
seu
pessimismo,
José Isidoro Martins
Junior
(1860-1904),
com
seu
cientificismo,
característico
da
Escola
do
Recife.
O
próprio
poeta
– em
questionário
médico
de
1912,
em
tom
confessional
– cita
dois
autores
que
muito
o
impressionaram:
o
dramaturgo
britânico
William
Shakespeare
(1564-1616)
e
o
poeta
e
contista
norte-americano
Edgar
Allan
Poe
(1809-1849).
Mas
além de influências, o que se destaca são as singularidades.
Nota-se o uso
e
abuso
de
vocábulos
esdrúxulos,
raros,
excessos
de
proparoxítonas,
mudanças
de
acentuação,
hiatos
viram
ditongos
e
vice-versa
(ver
sinéreses
e
diéreses),
além
das
referências
a
autores
(Anaximandro de Mileto, Arquimedes, Pitágoras, Plínio, Shakespeare,
Dante, Gouncourts, Goethe, E.T.A . Hoffmann, Lord
Byron, E. A
.Poe, Laplace, Spencer, Haeckel, A. Schopenhauer, R. Wagner, etc) e
personalidades (Pilatos, Tibério, Lutero, Giordano Bruno, C.
Colombo, Luís XVI, Papa Pio X, o poeta francês André Chénier, os
pintores Rembrandt e Pedro Américo ).
Além
de
lendas
e
mitologias
e
figuras
bíblicas
e
religiosas
e
fictícias
(Rig-Veda,
Niebelungen,
Hércules,
Hidra de Lerna, Tântalo,
Vênus, Afrodite, Vulcano, Prometeu,
Orfeu, Proserpina,
Dioniso,
Cloto, Átropos, Procusto, Tifon,
Osíris,
Ísis, Shiva, Arimã, Buda,
Cristo,
Jeová,
Eva, Nabucodonosor,
Lázaro,
Sardanapalo,
Messalina,
Hamlet, Macbeth, Lear, Fedra, Iracema) e
também
lugares
(ilha
de
Cipango,
ilha
de
Lemnos,
mar Cáspio, Corinto, Calvário, Herculanum, Roma,
Recife,
serra da Borborema, Lisboa, etc)
bem
como
auto-referências
(em
“Tristezas
de
um
Quarto
Minguante”
o
poeta
faz
menção
ao
“Gemidos
de
Arte”,
ou se refere-se a si mesmo como “poeta
do hediondo”)
As
referências
aos
autores
e
obras,
sejam
poetas,
filósofos
ou
personalidades,
realmente
são
destaques
na
poética
de
Augusto
dos
Anjos,
sejam
metafísicos,
materialistas,
platônicos
ou
pré-socráticos,
evolucionistas,
figuras
bíblicas
ou
mitológicas
(gregas
e
romanas).
Todo
um
anexo
com
biografias
e
trechos
de
obras
é
necessário
para
compreender
algumas
alusões
feitas
pelo
poeta.
Outro
glossário
sobre
os
termos
de
metafísica,
religião,
filosofia
alemã,
naturalismo,
evolucionismo,
etc,
é
necessário
para
se
absorver
os
conhecimentos
eruditos
do
poeta.
Segundo
encontramos em Bosi
( História
Concisa
da
Literatura
Brasileira
, 1975.
pp.
321-26),
considerações
sobre
o
vocabulário
augustiano,
em
seus
aspectos
esdrúxulos,
rebuscado
e
científico,
“Essa
popularidade
deve-se
ao
caráter
original
paradoxal,
até
mesmo
chocante,
da
sua
linguagem
tecida
de
vocábulos
esdrúxulos
e
animada
de
uma
virulência
pessimista
sem
igual
em
nossas
letras.
Trata-se
de
um
poeta
poderoso,
que
deve
ser
mensurado
por
um
critério
estético
extremamente
aberto
que
possa
reconhecer,
além
do
'mau
gosto'
do
vocabulário
rebuscado
e
científico,
a
dimensão
cósmica
e
a
angústia
moral
da
sua
poesia.”
(p.
322)
Para
alguns
é
fascinante
este
vocabulário,
no
exercício
de
pesquisa
dos
campos
semânticos
(filosofia,
religião,
ciências),
além
das
consultas
ao
dicionário
de
língua
portuguesa,
em
busca
de
notas
de
etimologias
do
nosso
idioma
(que
conservou
radicais,
sufixos,
prefixos,
até
mesmo
palavras
do
latim
e
do
grego)
tão
variado
e
flexível
para
expressar
conceitos
e
teorias,
sentimentos
e
desassossegos.
Para
outros,
a
maioria,
o
vocabulário
é
o
elemento
que
afasta,
em
profundo
estranhamento
a
ponto
de
se
evitar
a
leitura
mais
atenta.
Assim,
julgam
o
poeta
um
autor
pedante,
a
despejar
palavras
esdrúxulas
numa
pretensa
poesia
filosófica
com
erudição
'mal
digerida'.
Sobre
o
vocabulário
(e
as
temáticas
obsessivas)
de
Augusto
dos
Anjos,
escreve
Darci
Damasceno
(in
Coutinho,
2004:
605),
a
ressaltar
os
aspectos
da
introspecção
e
da
consciência
da
finitude,
Assenhorando-se
de
um
vocabulário
pertencente
às
ciências
e
às
técnicas,
incorporando
a
temática
do
macabro,
imbuindo-se
de
filosofia
materialista,
Augusto
dos
Anjos
caldeou
tudo
isso
em
argamassa
de
extremado
pessimismo
e
fez
do
lado
sórdido,
negativo
ou
carcomido
da
vida
a
fonte
de
seu
canto.
A
obsessão
do
próprio
eu,
a
penetração
a
fundo
na
própria
personalidade
foi
a
constante
de
toda
sua
atividade
criadora,
e
a
consciência
da
morte,
ou
melhor,
do
aniquilamento
absoluto
era
a
soturna
voz
que
lhe
perpassava
poema
a
poema.
Fartura
de
erudição!
Eis a presença
do
poeta
enquanto um
pensador,
um
ser
consciente,
absurdamente
consciente
que
vive
a
descobrir filosofias
e
se
perde
entre
tantas,
ao
ponto
de
chegar
ao
ceticismo,
a
considerar
a
impossibilidade
de
se
saber
algo
em
definitivo.
É um Eu poético perdido entre livros brochuras calhamaços, velhas
erudições, tal qual o Eu assombrado pelo soturno Nevermore
em O Corvo / The
Raven de
Allan Poe. É
possível
ao
ser
humano
entender
o
universo?
Num
único
soneto
podemos
encontrar
várias
referências
a
obras
e
autores,
de
várias
correntes
de
pensamento,
vejamos
“Agonia
de
um
Filósofo”,
Consulto
o
Phtah-Hotep.
Leio
o
obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo...
O Inconsciente me assombra e eu nele rolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!
Assisto agora à morte de um inseto...!
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de pólo a pólo
O ideal de Anaximandro de Mileto!
No hierático areópago heterogêneo
Das ideias, percorro como um gênio
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!...
Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo...
O Inconsciente me assombra e eu nele rolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!
Assisto agora à morte de um inseto...!
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de pólo a pólo
O ideal de Anaximandro de Mileto!
No hierático areópago heterogêneo
Das ideias, percorro como um gênio
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!...
Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!
Podemos
listar
algumas
referências,
para
nortear
nossa
leitura
em
âmbito
tão
metafísico,
tão
pleno
de
ideias,
conceitos,
visões
de
mundo.
Ptah-Hotep
:
Ensinamentos
de
um
sábio
egípcio
Ptah-Hotep,
de
vinte
e
séculos
antes
de
Cristo,
uma
espécie
de
testamento
moral,
composto
de
máximas,
tais
como:
“seja
um
bom
exemplo”,
“obedeça
a
lei”,
“seja
um
mensageiro
fiel”,
“ame
seu
vizinho”,
“seja
moderado
em
todas
as
coisas”,
“conserve
sua
reputação”,
etc,
o
que
deve
lembrar
muito
os
Provérbios
de
Salomão
ou
o
Livro
de
Eclesiastes,
da
tradição
bíblica
judaico-cristã;
ou
os
conselhos
dos
filósofos
gregos,
por
exemplo,
Aristóteles,
com
sua
ética
da
virtude
no
meio-termo,
a
justa
medida,
para
alcançar
a
felicidade
pessoal
e
coletiva.
Rig-Veda:
Primeiro
dos
Vedas,
ou
Conhecimento,
antigos
textos
em
sânscrito,
sagrados
para
o
Hinduísmo,
composto
de
hinos,
rituais,
oferendas
aos
deuses,
sendo
considerado
um
dos
textos
de
maior
antiguidade
na
cultura
indo-europeia.
Nos
hinos
encontram-se
descrições
de
cunho
cultural,
histórico,
sobre
o
modo
de
vida
e
a
devoção
às
divindades.
Anaximandro
de
Mileto:
filósofo
grego,
do
século
6º
a.C.
,
portanto
pré-socrático,
autor
de
“Sobre
a
Natureza”,
pesquisador
dos
princípios
das
coisas,
crente
na
existência
dos
contrários,
que
vivem
num
equilíbrio
de
forças.
Apresentava
um
pensamento
sobre
o
evolucionismo
(organizações
simples
até
as
complexas).
Mais sobre
os
filósofos pré-socráticos
(na
Wikipedia)
:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1tico
Haeckel
:
Ernst
Haeckel
(1834
– 1919),
naturalista
alemão,
evolucionista,
positivista,
ateu republicano, estudioso
da
embriologia,
autor
de
Kunstformen
der
Natur
(1904),
sobre
a
evolução
das
espécies
demonstrada
a
partir
do
estudo
comparativo
de
embriões.
A
ideia
de
uma
única
substância
que
tudo
compõe,
com
suas
variações,
num
entrelaçar
entre
naturalismo
e
religiosidade,
ciência
e
crença,
'como
o
espírito
de
todas
as
coisas'
é
base
para
o
Monismo,
defendido
por
Haeckel
e
que
tanto
atuou
sobre
o
pensamento
do
poeta
dos
Anjos.
Goethe:
Johann
Wolfgang
von
Goethe
(1749
– 1832),
escritor
e
pensador
alemão,
figura
do
Classicismo
e
do
Romantismo,
central
no
movimento
Sturm
und
Drang,
autor
de
romances
e
peças
teatrais,
entre
as
quais,
Sofrimentos
do
Jovem
Werther,
As
Afinidades
Eletivas,
Fausto
I
e
II
.
Além
das
referências,
aqui
o
ponto
central
é
a
questão
da
consciência
:
saber
que
existimos,
sempre
conscientes
da
nossa
posição
existencial
e
moral,
“A
Consciência
Humana
é
este
morcego!
/
Por
mais
que
a
gente
faça,
à
noite,
ele
entra
/
Imperceptivelmente
em
nosso
quarto!”
(“O
Morcego”)
A
consciência
surge
como
uma
'agulhada'
no
ser
pensante,
que
se
percebe
afastado
da
animalidade
inconsciente
– ainda
que
humano
e
animal
façam
parte
da
mesma
'substância'
(segundo
o
Monismo)
– deixando
a
mente
deslocada,
em
busca
de
um
'sentido'
para
estar-aí
(o
Dasein,
na
filosofia
do
alemão
M.
Heidegger).
A
consciência
é
um
drama?
Alberto
Caeiro
(Fernando
Pessoa)
em
“Guardador
de
Rebanhos”
considera que
mais
misterioso
do que
tudo
existir
é
haver a
consciência
de
que
tudo
existe.
“O
único
mistério
é
haver
quem
pense
no
mistério.”
E
a
consciência
nos
tira
a
possibilidade
de
sermos
felizes.
Melhor
viver
sem
metafísicas,
sem
buscar
a
“constituição
íntima
das
coisas”
ou
o
“sentido
íntimo
do
universo”,
mas
sentir
o
mundo,
aceitar
sol,
árvores,
campinas,
dores
e
alegrias.
Nada de ficar iguais aos poetas místicos (são “filósofos
doentes”)
que transferem sentimentos para as árvores e rios e plantas. Afinal,
para Caeiro, os rios são rios e as flores são flores. Nada mais.
Visto que a Natureza não tem consciência.
A
consciência pode conhecer o mundo, o cosmos? Ou antes advém um
cansaço? O cansaço de ser filósofo, ver o que os outros não viram
(daí a sina do 'visionário'), “Na
síntese
acrobática
de
um
salto,
/
O
espectro
angulosíssimo
do
Medo!
/
Em
cismas
filosóficas
me
perco
/
E
vejo,
como
nunca
outro
homem
viu,”
(“Mistérios
de
um
Fósforo”),
o
poeta
que
é
um
visionário
(daí
os
“Solilóquios
de
um
visionário”,
e
“Noite
de
um
visionário”,
poemas
que
ousam
descrever
as
visões
da
decadência.
Para
expressar
(eis
um
verbo
importante)
suas
visões
(e
desilusões)
o
Eu
poético
recorre
às
imagens
fortes,
amargas,
doentias,
até
chocantes
e
escatológicas
que
deixam
o
leitor
perplexo
e
até
enojado.
É
uma
das
características
do
movimento
Expressionismo,
que
foi
muito
forte
na
Alemanha
pré-nazismo,
com
a
presença
do
mórbido
e
do
escatológico
(que
logo
depois
saiu
da
ficção
para
invadir
a
realidade
-
vide
os
campos
de
extermínio
e
massacres),
com
imagens
deformadas
e
iconoclastas
(os
hitleristas
logo
rotularam
esta
escola
artística
de
“Arte
Degenerada”
e
armaram
uma
exposição
apenas
para
melhor
desprezar
os
artistas!)
Encontramos
temáticas
de
decrepitude
e
enfermidades
em
poemas
de
Georg
Trakl
(1887-1914)
e
Gottfried
Benn
(1886-1956),
poetas
do
expressionismo
alemão,
sendo
que
o
primeiro
atuou
como
enfermeiro
em
campo
de
batalha,
e
o
segundo
foi
médico,
tendo
antes
estudado
teologia.
Em
ambos
encontramos
morbidez,
descrições
anatômicas
e
grotescas,
a
finitude,
a
podridão,
como
antes
abundavam
no
Simbolismo
(ou
ainda
Decadentismo).
A
poética
niilista
não
evidencia
uma
visão
positiva
da
existência,
o que a aproxima
mais
da
lírica
decadentista
de
um
Baudelaire
ou do surrealismo sombrio um
Lautréamont
, assim a afastar-se de uma cosmovisão globalizante e entusiasta de
um
Walt
Whitman.
Sobre
a relação entre Expressionismo
e
Augusto
dos
Anjos,
segundo
o poeta e ensaísta Zemaria
Pinto
(Manaus),
temos
“Uma
propriedade
fundamental
da
poesia
de
Augusto
dos
Anjos
é
o
uso
do
grotesco,
como
projeção
de
uma
civilização
em
decadência,
corrompida
pelo
egotismo
que
brutaliza
as
cidades
– aglomerados
desumanos
e
caóticos.
Na
esteira
do
grotesco,
o
uso
de
elementos
caricaturais
e
de
humor
corrosivo
são
complementos
que
deformam
ao
extremo
a
visão
distorcida
que,
longe
de
se
pretender
engraçada,
provoca
asco.
Despersonalizado,
o
ser
humano
que
emerge
dessa
poesia
é
arrastado
pela
convulsão
de
uma
realidade
que
se
lhe
afigura,
o
mais
das
vezes,
uma
dimensão
demoníaca,
que
ele
não
entende,
mas
da
qual
não
se
desgarra.
Por
isso,
sua
simpatia
real
pelos
indivíduos
marginalizados,
atrofias
sociais,
sempre
presentes
em
suas
visões
aterradoras.
Diante
de
um
mundo
em
decomposição,
em
que
a
técnica
esmaga
o
ser
humano
e
a
ciência
o
ilude
e
o
desaponta,
onde
a
própria
natureza
mostra-se
também
enferma,
não
resta
alternativa
à
máscara
expressionista
senão
pregar,
em
tom
messiânico,
o
retorno
aos
valores
do
espírito
e
o
nascimento
de
uma
nova
humanidade,
que
virá
substituir
aquela
massa
amorfa
e
anônima,
marcada
pela
solidão,
pela
mecanização
e
pela
esterilidade
espiritual.”
fontes:
também
comparações
com
poéticas
de
expressionistas
encontramos
em
“A
Lira
dos
Tormentos”,
“Em
1955,
Manuel
Cavalcanti
Proença,
publicou
um
estudo
sobre
o
seu
artesanato
poético,
pontuando
a
riqueza
de
sua
linguagem
e
de
suas
sonoridades
inusitadas.
Anatol
Rosenfeld
abre
uma
nova
vertente
de
leitura,
ao
aproximá-lo
dos
expressionistas
Gottfried
Benn
e
Georg
Trakl
que,
a
mesma
época,
incorporavam
a
linguagem
poética
o
vocabulário
das
inovações
técnico-científicas
(1969).
Antônio
Houaiss,
em
suas
observações
introdutórias,
destaca
que
há
em
Augusto
“uma
dolorosa
visão
solidária
com
os
seres
e
as
coisas”.
Para
o
filólogo,
a
visão
pessimista
do
poeta
“eticamente
é
acompanhada
de
uma
sentida
confraternidade
entre
os
homens”
(Houaiss,
1960,
p.
9).”
Na
amargura
e
no
macabro
não
podemos
deixar
de
garimpar
influências
do
pessimismo
do
filósofo
alemão
Arthur
Schopenhauer,
que
também
mergulhou
em
águas
do
Budismo,
dentre
outras
filosofias
de
origem
oriental.
Um
certo
orientalismo
ficou
em
moda
como
uma
reação
à
'razão
instrumental'
da
civilização
capitalista
ocidental.
“Não
temos
como
afirmá-lo,
porque
não
há
nenhuma
documentação
a
respeito,
mas
parece-nos
que
é
por
essa
época,
aos
24
anos,
que
Augusto
dos
Anjos
se
deixa
“fisgar”,
definitivamente,
pela
filosofia
de
Schopenhauer.
Já
não
contava
mais
a
dor
individual
ainda
expressa,
sob
o
disfarce
da
máscara
lírica,
em
poemas
como
“Queixas
noturnas”,
“Poema
negro”,
“Gemidos
de
arte”
e
“Tristezas
de
um
quarto
minguante”,
mas
uma
dor
coletiva,
trágica:”
…
“Por
outro
lado,
o
pensamento
de
Schopenhauer
sobre
a
imanência
do
sofrimento
no
ser
humano,
enquanto
os
organismos
simples
pouco
ou
nada
conhecem
dele
(SCHOPENHAUER,
2005,
p.
399-400),
vem
ao
encontro
das
ideias
de
Haeckel
e
Spencer
sobre
o
monismo
e
a
evolução,
que
Augusto
dos
Anjos
conhecera
ainda
adolescente.
Ora,
não
sendo
senão
um
homem
comum,
mas
ciente
de
seu
potencial
como
artista,
Augusto
dos
Anjos
desenvolve
a
ideia
de
“dor
estética”,
que
seria
exposta
no
“Monólogo”,
como
um
subterfúgio
a
sua
incapacidade
de
criar
com
expressividade
a
partir
de
seu
próprio
eu.
Até
aqui,
a
máscara
atuara
intuitivamente;
agora,
ela
estava
embasada
filosoficamente,
por
uma
metafísica
ética
e
por
uma
metafísica
estética,
cujo
estuário
místico
seria
o
budismo.”
Como
conciliar
as
leituras
de
teorias
científicas
com
uma
filosofia
de
pessimismo
e
ceticismo?
Aliás,
como
o
poeta
tomou
contato
com
os
textos
mais
avançados
de
Ciências
da
época
de
fim
de
século,
marcada
por
conquistas
imperialistas
e
teorias
etnocêntricas?
Em
que
nível
as
leituras
de
antropologia
e
evolucionismo
se
'digeriam'
ao
lado
de
outras
filosofias
e
esoterismos?
Como
hipótese
de
trabalho,
volta-se
o
olhar
para
os
autores
contemporâneos
do
autor,
que
exerceram
influências
certamente.
Assim,
os
poetas
cientificistas
da
Escola
de
Recife
podem
ter
influenciado
Augusto
dos
Anjos,
já
atento
aos
simbolistas
(principalmente
Baudelaire
e
Cruz
e
Sousa),
“O
que
se
convencionou
chamar
de
Escola
do
Recife
foi
um
movimento
cultural
de
ampla
repercussão,
congregando
pensadores,
estudiosos,
juristas,
sociólogos,
poetas,
preocupados
em
debater
os
mais
variados
temas
dentro
de
suas
respectivas
especialidades.
A
Escola
do
Recife
não
teve
um
ideário
próprio
e
definido.
Antes,
foi
um
movimento
heterogêneo,
um
cadinho
de
filosofias,
de
sociologias,
de
correntes
literárias
e
jurídicas.
Conforme
assinala
Pinto
Ferreira,
o
grande
esforço
válido
da
Escola
do
Recife
foi
o
convite
ao
debate
filosófico
e
cultural.
...
Primitivamente,
pois,
a
Escola
teve
três
fases:
a
fase
poética,
a
fase
crítico-filosófica
e
a
fase
jurídica.
Durante
essas
três
fases,
vários
nomes
podem
ser
identificados
como
exponenciais
da
Escola:
Tobias
Barreto,
sem
dúvida,
a
maior
figura
do
movimento,
Castro
Alves,
Sílvio
Romero,
Clóvis
Beviláqua,
Martins
Junior,
Artur
Orlando
e
outros
mais.”
Podemos
pesquisar,
mesmo
rastrear,
as
várias
leituras
e
influências
de
Augusto
dos
Anjos,
mas
não
medir
em
que
proporção
ele
se
apropriou
de
ideias
e
imagens
e
obsessões
de
outros
autores
– pois
em
Eu
tudo
se
mistura,
num
mosaico
de
imagens
simbolistas,
vocábulos
científicos,
visões
céticas
sobre
a
existência
entre
ciclos
de
vida
e
morte,
ora
em
descrenças
ora
em
esperanças
de
superação.
Enquanto
ser
visionário,
o
poeta
é
assombrado
por
visões
e
pesadelos,
sobre
os
quais
não
tem
qualquer
controle.
Continua...
Leonardo de Magalhaens
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