sobre os poemas de “Eu” (1912)
de
Augusto
dos
Anjos
(1884-1941)
O
Eu
poético
entre
o
Corpo
e
a
Mente,
o
Finito
e
o
Metafísico
Parte 2
Drama
da Consciência
Augusto
dos
Anjos
era
a personificação
do
mal-estar
do
pensador:
o
autor
vivia
atormentado
entre
o
materialismo
e
o
misticismo,
entre
o
positivismo
e
o
espiritualismo,
num
embate
entre
o
vivido
e
o
possível,
o
que
se
pode
tocar
e
o
que
apenas
se
pode
imaginar,
e
sobretudo
uma
agônica
luta
entre
o
corpo
e
o
espírito
(que
também
encontramos
em
poemas
de
Baudelaire),
Mas
a
carne
é
que
é
humana!
A
alma
é
divina.
Dorme num leito de feridas, goza
O lodo, apalpa a úlcera cancerosa,
Beija a peçonha, e não se contamina!
Dorme num leito de feridas, goza
O lodo, apalpa a úlcera cancerosa,
Beija a peçonha, e não se contamina!
(“Gemidos
de
Arte”)
É
neste
embate
que
surge
a
crítica
do
poeta
ao
filósofo
moderno
sempre
cavando
em
busca
de
novas
descobertas,
investigando
a
Natureza
para
catalogar
fenômenos
e
leis
físicas,
mas
em
esforço
vão,
que
leva
ao
ceticismo
e
ao
niilismo,
Ai
vem
sujo,
a
coçar
chagas
plebeias,
Trazendo no deserto das ideias
O desespero endêmico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens,
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Filósofo Moderno!
Trazendo no deserto das ideias
O desespero endêmico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens,
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Filósofo Moderno!
(“Monólogo
de
uma
Sombra”)
e
Homem!
por
mais
que
a
Ideia
desintegres,
Nessas perquisições que não têm pausa,
Jamais, magro homem, saberás a causa
De todos os fenômenos alegres!
Nessas perquisições que não têm pausa,
Jamais, magro homem, saberás a causa
De todos os fenômenos alegres!
(“As
Cismas
do
Destino”)
A
poesia
é
carregada
de
morbidez,
mas
há
uma
faísca
de
profunda
filosofia
a repelir
a
morte,
por
mais
que
a
morte
seja
a
'palavra
final',
a
imperativa
condição
de
desintegrar-se
no
Nada,
assim em “As
Cismas do Destino”,
Morte,
ponto
final
da
última
cena,
Forma difusa da matéria imbele,
Minha filosofia te repele,
Meu raciocínio enorme te condena!
Forma difusa da matéria imbele,
Minha filosofia te repele,
Meu raciocínio enorme te condena!
Então,
mesmo
em
vão,
o
poeta
se
rebela
contra
as
leis
da
Natureza,
a
decadência
e
a
morte,
em
ciclos
do
fenecer
e
do
renascer,
antes
a
preferir
um
nirvana
(como
aquele
ansiado
pelos
budistas),
um
cessar
do
desespero,
E
eu
luto
contra
a
universal
grandeza
Na
mais
terrível
desesperação
É
a
luta,
é
o
prélio
enorme,
é
a
rebelião
Da
criatura
contra
a
natureza!
(“Queixas
Noturnas”)
e
No
alheamento
da
obscura
forma
humana,
De
que,
pensando,
me
desencarcero,
Foi
que
eu,
num
grito
de
emoção,
sincero
Encontrei,
afinal,
o
meu
Nirvana!
Nessa
manumissão
schopenhauereana,
Onde
a
Vida
do
humano
aspecto
fero
Se
desarraiga,
eu,
feito
força,
impero
Na
imanência
da
Ideia
Soberana!
(“O
Meu
Nirvana”)
Pois
“Vieram
todos,
por
fim;
ao
todo,
uns
cem...
/
E
não
pôde
domá-lo
enfim
ninguém,
/
Que
ninguém
doma
um
coração
de
poeta!”
(“Vencedor”)
onde
a
condição
de
poeta
é
vista
como
superação
e
vitória.
No
ciclo
de
vida
e
morte,
jaz
à
margem
a
angústia
do
inexistente,
o
não-nascido,
o
Nada.
Então
a
se
questionar
se
pior
do
que
nascer
é
não
ter
nascido?
Eis
o
profundo
Desespero
que se projeta de uma visão
cósmica,
onde
fazem
falta
as
coisas
incriadas,
que
jazem
perdidas
em
potencialidades
que
não
se
realizam,
'o
que
poderia
ter
sido'
e
não
se
concretiza,
Triste,
a
escutar,
pancada
por
pancada,
A
sucessividade
dos
segundos,
Ouço,
em
sons
subterrâneos,
do
Orbe
oriundos
O
choro
da
Energia
abandonada!
E
a
dor
da
Força
desaproveitada
-
O
cantochão
dos
dínamos
profundos,
Que,
podendo
mover
milhões
de
mundos,
Jazem
ainda
na
estática
do
Nada!
É
o
soluço
da
forma
ainda
imprecisa...
Da
transcendência
que
se
não
realiza.
Da
luz
que
não
chegou
a
ser
lampejo...
E
é
em
suma,
o
subconsciente
aí
formidando
Da
Natureza
que
parou,
chorando,
No
rudimentarismo
do
Desejo!
(“O
Lamento
das
Coisas”)
Atentos,
alguns
autores
defendem
um
olhar
espiritualista
sobre
a
poética
de
Augusto
dos
Anjos,
que não
seria tão
materialista
assim,
como
outras
leituras
apontam;
antes
um estudioso
de
gnoses
e
outros
esoterismos,
segundo
o
psiquiatra
e
psicoterapeuta
Paulo
Urban,
em
seu
blog
“Amigo
da
Alma”,
“Entretanto,
se
nos
detivermos
mais
serenamente
sobre
sua
obra,
encontraremos
não
obstante
os
termos
difíceis
por
onde
esbanja
o
cientificismo,
toda
uma
mística
que
lhe
serve
de
arcabouço,
inequívoca
função
compensatória
para
o
pessimismo
declarado
do
poeta,
sempre
a
questionar
severamente
o
sentido
de
nossas
vidas.
Em
alguns
de
seus
sonetos
e
outras
partes
não
tão
popularizadas
de
seus
versos,
deparamo-nos
com
um
caráter
filosófico
ocultista
absolutamente
singular
em
toda
a
literatura
brasileira,
com
genuínas
reflexões
à
moda
esotérica,
em
versos
sublimados
por
uma
religiosidade
espiritualista,
voltados
para
a
libertação
e
transcendência
de
nossa
alma,
que,
no
mais
das
vezes,
vive
atormentada.”
e
mais,
“Esta
sua
mística,
espécie
de
filosofia
em
forma
de
poesia
inclassificável,
destoante
de
qualquer
escola
literária,
transborda
por
seus
intrincados
versos,
científicos
sim,
mas,
sobretudo,
herméticos.
Exemplos
tácitos
de
sua
espiritualidade
poética,
dentre
tantos
outros,
são
“O
Lamento
das
Cousas”,
soneto
schopenhaueriano
que
bem
sintetiza
os
paradoxos
atualmente
pesquisados
pela
mecânica
quântica;
“O
Meu
Nirvana”;
“Caput
Immortale”;
“Louvor
à
Unidade”,
soneto
que
privilegia
a
mônada
de
Leibnitz
(ou
pitagórica,
se
preferirem);
“Supreme
Convulsion”;
“Natureza
Íntima”,
verdadeira
máxima
alquimista,
a
de
que
a
natureza
evolui
per
si
e
também
em
decorrência
do
aprimoramento
pessoal
de
cada
um;
“Ao
Luar”,
soneto
em
que
descreve
aquilo
que
bem
pode
ter
sido
uma
experiência
sua
fora
do
corpo,
fenômeno
este
com
que
se
preocupam
hoje
os
parapsicólogos;
e
“Ultima
Visio”,
no
qual
é
a
alquimia
gnóstica
quem
se
pronuncia.”
Percebemos
que
a
interpretação
espiritualista
de
P.
Urban
ajudaria
a
entender
versos
como
estes
de
“Queixas
Noturnas”,
que
destoam
na
obra
de
um
poeta
'materialista',
As
minhas
roupas,
quero
até
rompê-las!
Quero,
arrancado
das
prisões
carnais.
Viver
na
luz
dos
astros
imortais,
Abraçado
com
todas
as
estrelas!
e
em
“A
Vitória
do
Espírito”,
Além,
entanto,
na
redoma
clara
Que
envolve
a
porta
da
região
etérea,
O
espírito
da
viúva
se
quedara
Ao
contemplar
dessa
fulgente
porta
E
dessa
clara
e
alva
redoma
aérea,
No
desfilar
de
sua
carne
morta
A
transitoriedade
da
matéria!
O
eu
lírico
encontra-se
num
dilema
entre
a fé e o ceticismo, entre o
cristianismo
(no qual foi criado, por família tradicional) e
o
niilismo
(que
foi
aprendido
nas
tantas
leituras),
ora
situa-se de
um
lado,
ora
do
outro,
basta
comparar
“As Cismas
do Destino”
com
“Cítara
Mística”,
para nos inquietarmos com as ambivalências do poeta, dilacerado e
antagônico,
Não!
Não
era
o
meu
cuspo,
com
certeza
Era a expectoração pútrida e crassa
Dos brônquios pulmonares de uma raça
Que violou as leis da Natureza!
(...)
Era a expectoração pútrida e crassa
Dos brônquios pulmonares de uma raça
Que violou as leis da Natureza!
(...)
Cuspo,
cujas
caudais
meus
beiços
regam,
Sob a forma de mínimas camândulas,
Benditas sejam todas essas glândulas,
Que, quotidianamente, te segregam!
Escarrar de um abismo noutro abismo,
Mandando ao Céu o fumo de um cigarro,
Há mais filosofia neste escarro
Do que em toda a moral do Cristianismo!
Sob a forma de mínimas camândulas,
Benditas sejam todas essas glândulas,
Que, quotidianamente, te segregam!
Escarrar de um abismo noutro abismo,
Mandando ao Céu o fumo de um cigarro,
Há mais filosofia neste escarro
Do que em toda a moral do Cristianismo!
(...)
e
Cantas...
E
eu
ouço
etérea
cavatina!
Há
nos
teus
lábios
-
dois
sangrentos
círios
-
A
gêmea
florescência
de
dois
lírios
Entrelaçados
numa
unção
divina.
Como
o
santo
levita
dos
Martírios,
Rendo
piedosa
dúlia
peregrina
À
tua
doce
voz
que
me
fascina,
-Harpa
virgem
brandindo
mil
delírios!
Quedo-me
aos
poucos,
penseroso
e
pasmo,
E
a
Noite
afeia
corno
num
sarcasmo
E
agora
a
sombra
vesperal
morreu...
Chegou
a
Noite...
E
para
mim,
meu
anjo,
Teu
canto
agora
é
um
salmodiar
de
arcanjo,
É
a
música
de
Deus
que
vem
do
Céu!
Entre
a
fé
e
a
descrença,
há
uma
possibilidade
de
esperança?
Temos
a esperança,
mas
é
de
se
desconfiar
da
Esperança
– a lembrar o
episódio
da
caixa
de
Pandora
-
para
o
pensador
Nietzsche
a
esperança
é
derradeiro
e
o
pior
dos
males
(em
“Humano,
Demasiado
Humano”),
uma
vez
que
ter
esperança
apenas
reforça
o
comodismo
de
esperar
pelo
melhor
que
virá
amanhã
ou
sabe-se
lá
quando...
“O
homem
tem
agora
o
vaso
da
felicidade,
e
pensa
maravilhas
do
tesouro
que
nele
possui;
este
se
acha
a
sua
disposição:
ele
o
abre
quando
quer;
pois
não
sabe
que
Pandora
lhe
trouxe
o
recipiente
dos
males,
e
para
ele
o
mal
que
restou
é
o
maior
dos
bens
– é
a
esperança
– Zeus
quis
que
os
homens
por
mais
torturados
que
fossem
pelos
outros
males,
não
rejeitassem
a
vida,
mas
continuassem
a
se
deixar
torturar.
Para
isso
lhe
deu
a
esperança:
ela
é
na
verdade
o
pior
dos
males,
pois
prolonga
o
suplício
dos
homens.”
Para
a
poética
augustiana
a
Esperança
tem
o
papel
de
equilibrar,
quando
se
perdem
sonhos
para
um
ser
descrente,
há
a
superação
na
presença
de
novos
sonhos
que
incentivam
a
novos
avanços,
A
Esperança
não
murcha,
ela
não
cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
Muita
gente
infeliz
assim
não
pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
Mocidade,
portanto,
ergue
o
teu
grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!
E
eu,
que
vivo
atrelado
ao
desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!
(“A
Esperança”)
Compreendemos,
enfim,
que
o
EU
de
Augusto
dos
Anjos
não
é
um
ente
egocêntrico
no
sentido
de
egoísta,
pois
não se volta apenas para si mesmo, em seus dramas cotidianos ,
mesquinhos, mas, antes, está
preocupado
com
o
drama
de
todos
os
humanos,
do passado, do presente e do futuro, sacudidos
pela
consciência,
abatidos
pelas
dúvidas
e
golpeados
pelos
infortúnios.
Ele
tem
consciência
de
si
mesmo,
ao
mesmo
tempo
em
que
procura
se
entender,
a
antiga
questão
do
'quem
sou
eu',
assim
no
soneto
“Anseio”,
Quem
sou
eu,
neste
ergástulo
das
vidas
Danadamente,
a
soluçar
de
dor?!
-
Trinta
trilhões
de
células
vencidas,
Nutrindo
uma
efeméride
interior.
Neste
olhar
voltado
para
um
macrocosmo
– onde
se
insere
o
efêmero
microcosmo
da
consciência
individual,
mera
ilusão
– situa-se
convincente
o
budismo
no poeta, que não ignorava as
correntes
filosóficas
do
época,
principalmente
o
evolucionismo
e
o
positivismo,
todas
estudadas
com
o
arraigado
pessimismo
– que encontramos também
no poeta italiano Leopardi
e
no
pensador
alemão
Schopenhauer
– sempre a manter o eu lírico em inquietação, em doloroso
ceticismo, sem abraçar uma fé em devoção.
Entre
o corpo e a alma, entre a fé e a descrença, em pleno drama da
Consciência, 'em som e fúria' sobre um palco (mas expressou
Shakespeare em Macbeth),
o poeta Augusto dos Anjos deixou como legado uma poética de
indagações, de visões inquietantes, que ameaçam o nosso senso
comum de meias-verdades e mesquinharias cotidianas, ao dispor em
caleidoscópio, entre sombrio e escarlate, o mundos das verdades que
sangram, dos pesadelos que dilaceram, das podridões que insistimos
por ocultar de nós mesmos. Seu Eu sem egoísmos engloba o nosso Nós
de aflitos indagadores de um Sentido para existir.
Out/12
(revsd:
nov/12)
Leonardo
de
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de
Augusto
dos
Anjos
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Augusto
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1982.
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Coutinho;
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Coutinho.
7ª
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rev.
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atual.
São
Paulo:
Global,
2004.
Gostei muito do ensaio, me fez conhecer mais sobre esse grande poeta que tanto prezo. OBRIGADO.
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