sobre
“Folhas
de
Relva”
(Leaves
of
Grass,
1955
/
1ª
ed.)
do
poeta
norte-americano
Walt
Whitman
(1819-1892)
Folhas
poéticas
enquanto
vozes
da
pluralidade
Parte 2
No
contato
com
o
outro,
o
contato
na
leitura,
o
contato
no
toque,
no
corpo-a-corpo,
realiza-se
uma
nova
dimensão
do
estar-junto,
com
a
percepção,
a
descoberta
do
ser
sexual,
o
despontar
da
sexualidade
consigo
mesmo,
com
o
outro,
com
a
multidão
de
outros,
todos
amantes
em
potencial
para
o
Eu
ávido
de
conhecer,
sentir,
descobrir.
Whitman
vem
para
proclamar
uma
sensualidade
libertada
de
tabus,
com
a
plena
valorização
do
corpo,
do
próprio
corpo,
enquanto
sagrado,
e
a
igualdade
de
gênero,
tanto
homens
quanto
mulheres
na
santidade
do
sexo,
“Eu
sou
o
poeta
do
corpo
e
sou
o
poeta
da
alma,
As
prazeres
do
Céu
estão
comigo
e
as
dores
do
inferno
estão
comigo,
O
primeiro
eu
planto
e
amplio
em
mim,
o
outro
eu
traduzo
em
novo
idioma.
Eu
sou
o
poeta
da
mulher
tanto
quanto
do
homem,
E
digo
que
é
tão
grande
ser
uma
mulher
quanto
um
homem,
E
digo
que
nada
é
maior
que
ser
a
mãe
de
homens.
I
am
the
poet
of
the
Body
and
I
am
the
poet
of
the
Soul,
The
pleasures
of
heaven
are
with
me
and
the
pains
of
hell
are
with
me,
The
first
I
graft
and
increase
upon
myself,
the
latter
I
translate
into
a
new
tongue.
I
am
the
poet
of
the
woman
the
same
as
the
man,
And
I
say
it
is
as
great
to
be
a
woman
as
to
be
a
man,
And
I
say
there
is
nothing
greater
than
the
mother
of
men.
(Song
of
Myself)
e
“O
cheiro
destas
axilas
um
aroma
mais
fino
do
que
de
orações.
Esta
cabeça
mais
do
que
igrejas,
bíblias
e
todas
as
crenças.”
The
scent
of
these
arm-pits
aroma
finer
than
prayer,
This
head
more
than
churches,
bibles,
and
all
the
creeds.
(Song
of
Myself)
também
“É
isto
então
um
toque?
Estremecendo-me
até
nova
identidade,
Chamas
e
éter
transtornando
minhas
veias,
Traiçoeiro
pedaço
de
mim
alcançando
e
povoando
para
ajudá-los,
Minha
carne
e
sangue
jogando
raios
para
golpear
o
que
é
dificilmente
diferente
de
mim
mesmo,
De
todos
os
lados
lúbricos
provocadores
entorpecendo
meus
membros,
Puxando
o
úbere
de
meu
coração
por
seu
fluido
interno,
Comportando-se
licenciosamente
diante
de
mim,
não
aceitando
recusa,
Is
this
then
a
touch?
quivering
me
to
a
new
identity,
Flames
and
ether
making
a
rush
for
my
veins,
Treacherous
tip
of
me
reaching
and
crowding
to
help
them,
My
flesh
and
blood
playing
out
lightning
to
strike
what
is
hardly
different
from
myself,
On
all
sides
prurient
provokers
stiffening
my
limbs,
Straining
the
udder
of
my
heart
for
its
withheld
drip,
Behaving
licentious
toward
me,
taking
no
denial,
(Song
of
Myself)
A
relação
entre
corpo
e
alma
que
no
cristianismo
é
carregada
de
valorizações
teológicas
e
morais,
com
a
hierarquia
superior
do
espiritual
sobre
o
físico,
numa
relação
platônica
(segundo
o
filósofo
grego
que
separava
o
mundo
da
percepção
do
mundo
das
Ideias),
onde
há
uma
clara
depreciação
do
corporal,
do
físico,
do
sensual.
É
contra
tão
desprezo
ao
físico
que
se
volta
a
voz
poética,
“Eu
tenho
dito
que
a
alma
não
é
mais
que
o
corpo,
E
tenho
dito
que
o
corpo
não
é
mais
que
a
alma,
E
nada,
nem
Deus,
é
maior
para
alguém
do
que
este
alguém
é
para
si
mesmo,”
I
have
said
that
the
soul
is
not
more
than
the
body,
And
I
have
said
that
the
body
is
not
more
than
the
soul,
And
nothing,
not
God,
is
greater
to
one
than
one’s
self
is,
(Song
of
Myself)
e
“O
amor
do
corpo
masculino
ou
do
feminino
passa
da
conta
– o
corpo
em
si
mesmo
passa
da
conta;
Que
o
do
macho
é
perfeito,
e
que
o
da
fêmea
é
perfeito.”
The
love
of
the
Body
of
man
or
woman
balks
account—the
body
itself
balks
account;
That
of
the
male
is
perfect,
and
that
of
the
female
is
perfect.
e
também
“O
corpo
do
homem
é
sagrado,
e
o
corpo
da
mulher
é
sagrado;
Não
importa
quem
seja,
é
sagrado;”
The
man’s
body
is
sacred,
and
the
woman’s
body
is
sacred;
No
matter
who
it
is,
it
is
sacred
;
(I
Sing
the
Body
Electric)
Com
a
sacralidade
do
corpo
liricamente
restaurada,
o
poeta
busca
na
sensualidade,
seja
idealizada
ou
alcançada,
o
complemento
para
suas
próprias
virtudes,
onde
o
sexo
não
é
menosprezo
nem
dominação,
antes
o
encontro,
a
comunhão,
e
a
compreensão,
sem
pudores
e
moralismos
que
apenas
segmentam,
afastam,
“Uma
mulher
espera
por
mim,
ela
que
contém
tudo,
nada
faltando,
Ainda
tudo
estaria
faltando
se
sexo
faltasse,
ou
se
a
mistura
do
homem
faltasse.
...
Sem
pudor
o
homem
que
eu
gosto
sabe
e
confessa
a
delícia
de
seu
sexo,
Sem
pudor
a
mulher
que
eu
gosto
conhece
e
confessa
a
si
mesma.”
(A
Woman
waits
for
Me)
Até
uma
comunhão
com
indisfarçável
voyeurismo
em
The
Sleepers
/
Os
Adormecidos,
onde
o
eu-lírico
vagueia
desperto
pela
noite
e
observa
os
adormecidos
em
seus
leitos
na
privacidade
liricamente
invadida,
quando
o
poeta
deseja
ver,
tocar,
insinuar-se
entre
os
outros
Eus,
que
nada
desconfiam
de
sua
cobiça
sensual,
tal
um
vampiro
de
sensações
em
busca
de
cúmplices,
a
se
identificar
com
os
desejo
alheios,
“Eu
sou
ela
que
se
adorna
e
ajeita
seu
cabelo
em
espera,
Meu
jovial
amante
chega,
e
escurece.
Redobre-se
e
receba,
trevas!
Receba-me
e
meu
amante
também
– não
não
me
deixará
ir
sem
ele,
Dou
voltas
sobre
ele,
assim
sobre
a
cama
– eu
me
entrego
ao
crepúsculo.”
I
am
she
who
adorn’d
herself
and
folded
her
hair
expectantly,
My
truant
lover
has
come,
and
it
is
dark.
I
roll
myself
upon
you,
as
upon
a
bed—I
resign
myself
to
the
dusk.
Particularmente
a
parte
“Cálamo”
,
em
“Folhas
da
Relva”
,
se
desenvolve
a
temática
do
amor
– acima
de
gêneros
e
preferências
sexuais,
sejam
hetero
ou
homoafetivas
– como
uma
interação
que
engrandece
enquanto
expressão,
contato
e
compreensão,
não
apenas
um
desejo
ou
ato
sexual
em
si
mesmo.
O
estar-com-o-outro
no
momento
de
compreensão
e
cumplicidade
é
a
verdadeira
alegria
da
sexualidade.
“Meu
espírito
passou
compassivo
e
determinado
ao
redor
da
Terra,
E
tenho
procurado
por
iguais
e
amantes
e
encontrado-os
prontos
para
mim
em
todos
os
países,
Penso
que
uma
relação
divina
harmonizou-me
com
eles.”
My
spirit
has
pass'd
in
compassion
and
determination
around
the
whole
earth,
I have look'd for equals and lovers and found them ready for me in
all lands,
I think some divine rapport has equalized me with them.
I have look'd for equals and lovers and found them ready for me in
all lands,
I think some divine rapport has equalized me with them.
(Salute
au
monde!)
e
Neste
momento
ansioso
e
pensativo
sentado
aqui
sozinho,
A
mim
parece
que
há
outros
homens
em
outras
terras
também
ansiosos
e
pensativos,
A mim parece que poderia eu observar cada um deles
na
Alemanha,
Itália,
França,
Espanha,
Ou
mais
longe,
distante,
na
China,
ou
na
Rússia
ou
Japão,
falando
outros
dialetos,
A
mim
parece
como
se
eu
pudesse
conhecer
estes
homens
e
pudesse
me
comunicar
com
eles
tanto
quanto
aos
homens
de
minha
terra,
Ó
eu
sei
que
deveríamos
ser
irmãos
e
amantes,
Eu
sei
que
seria
feliz
junto
a
eles.
(This
moment
yearning
and
thoughtful
sitting
alone)
e
também,
Nós
dois
garotos
juntos
agarrando-se,
Nunca
deixando
um
ao
outro,
Seguindo
pra
baixo
e
pra
cima
nas
estradas,
para
o
norte
e
para
o
sul
em
excursões,
Desfrutando
poder,
ombros
esticados,
dedos
apertados,
Armados
e
destemidos,
comendo,
bebendo,
dormindo,
amando,
(We
two
boys
together
clinging,)
A
voz
– ou
as
vozes
– que
ressoa(m)
nos
poemas
precisa(m)
ecoar
nas
mentes
e
corações
dos
leitores,
caso
contrário
são
apenas
palavras
numa
página,
enchendo
folhas
num
livro.
A
compreensão
é
um
elemento
essencial
para
se
seguir
em
frente
nas
estradas
e
ilhas
do
mundo
de
Whitman,
que
está
sempre
em
andanças,
em
viagens,
servindo
em
plena
guerra
civil,
peregrinando
pelas
paisagens
norte-americanas,
em
busca
de
algo
ou
alguém,,
ou
de
si
mesmo,
enquanto
reescreve
sua
obra
“Folhas
de
Relva”,
aumentando-a
a
cada
nova
edição.
O
mundo
na
estrada
é
uma
realização
do
estar-livre
assim
como
um
convite
a
que
os
leitores
se
libertem
e
acompanhem
o
eu-lirico
em
viagens
de
descobertas,
aprendizagens
e
auto-conhecimento,
onde
o
'pé
na
estrada'
é o
aprender
constante no exercício de superação – inclusive superar a si
mesmo,
“A
pé
e
de
coração
leve
eu
pego
a
estrada
aberta
Saudável,
livre,
o
mundo
diante
de
mim,
A
longa
trilha
diante
de
mim
conduzindo-me
aonde
quer
que
eu
escolha.
De
agora
em
diante
eu
não
questiono
sobre
a
boa-sorte,
eu
mesmo
sou
a
boa-sorte,
...”
('Canção
da
Estrada
Aberta'
/ Song
of
the
Open
Road)
mais,
“Allons!
Vamos!
a
estrada
está
diante
de
nós!
Ela
está
salva
– tenho
a
experimentado
– meu
próprios
pés
a
experimentaram
bem
-
não
chegue
atrasado!
Deixe
o
papel
ficar
não-escrito
sobre
a
mesa,
e
o
livro
não-aberto
na
prateleira!
Deixe
as
ferramentas
ficarem
na
oficina!
Deixe
o
dinheiro
continuar
não-acumulado!
Deixe
a
escola
ficar
lá!
Não
se
importe
com
o
grito
do
professor!
Deixe
o
pregador
pregar
no
púlpito!
Deixa
o
advogado
a
defender
causa
na
corte,
e
o
juiz
expor
a
lei.
Camarada,
dou
uma
mãozinha
a
você!
Dou
a
você
meu
amor
mais
precioso
que
o
dinheiro,
Dou
a
você
eu
mesmo
antes
de
pregações
ou
leis;
Você
me
dará
você
mesmo/a?
Você
virá
viajar
comigo?
Deveremos
nos
juntar
um
ao
outro
enquanto
nós
vivermos?”
('Canção
da
Estrada
Aberta'
/
Song
of
the
Open
Road)
Sim,
a
estrada
está
aberta,
disponível,
entregue,
à
espera
dos
passos
ansiosos
do
viajante,
do
andarilho
de
mente
poética
em
sintonia
com
tudo
e
todos,
do
poeta
e
do
anunciador,
mas
é
uma
peregrinação
incomunicável,
pois
cada
leitor
deve
fazer
sua
viagem,
ninguém
pode
seguir
a
trilha
em
lugar
de
outro,
pois
as
experiências
de
conhecimento
e
superação
são
individuais,
do
'conhece-te
a
ti
mesmo'
socrático,
“Não
eu,
não
outro
alguém
pode
viajar
esta
estrada
por
você,
Você
deve
viajar
por
você
mesmo,
Não
é
distante,
está
ao
alcance,
Talvez
você
está
nela
desde
que
você
nasceu
e
não
sabia,
Talvez
esteja
em
todo
lugar
sobre
água
e
terra.”
Not
I,
not
any
one
else
can
travel
that
road
for
you,
You
must
travel
it
for
yourself.
It
is
not
far,
it
is
within
reach,
Perhaps
you
have
been
on
it
since
you
were
born
and
did
not
know,
Perhaps
it
is
everywhere
on
water
and
on
land.
(Song
of
Myself)
Whitman,
enquanto
poeta
das
multidões,
fala
em
coletivo
mas
cada
indivíduo
vai
se
identificar
ali
dentro
do
universo
de
folhas
poéticas
como
se
recebessem
cartas
com
seus
nomes
por
extenso
nos
envelopes.
A
voz
messiânica
quer
se
expressar
para
cada
um,
não
importa
sexo,
idade,
classe
social,
nacionalidade,
nada
destas
segmentações
que
servem
para
estatísticas
que
instrumentalizam
tais
segmentos,
uma
vez
separadas
as
pessoas
em
grupos
de
amostragens,
sejam
consumidores
em
potencial,
como
público-alvo,
sejam
selecionados
eleitores
para
eleições.
O
poeta
sabe
intimamente
que
a
obra
é
tal
um
cultivo,
uma
plantação
que
ele
rega
e
deixa
brotar
a
cada
dia
– tanto
que
escreveu
poemas
para
novas
edições
do
livro
“Leaves
of
Grass”
durante
35
anos
– para
que
outros
possam
colher
convenientemente
uma
vez
que
o
artista
pode
passar
desapercebido
em
sua
época
(afinal,
quantos
poetas
não
nasceram
póstumos?),
e
ao
lerem
possam
fazer
renascer
os
versos
derramados
em
cada
folha,
eis
o
legado
poético
do
grande
bardo
norte-americano.
Nenhuma
máquina
para
poupar
trabalho,
Nenhuma
descoberta
eu
fiz,
Nem
deixarei
após
mim
algum
rico
legado
para
hospital
ou
biblioteca,
Nem
lembrança
de
algum
ato
de
coragem
pela
América,
Nem
sucesso
literário
ou
intelectual;
nem
livro
para
estantes,
Mas
umas
poucas
odes
vibrando
no
ar
eu
deixo,
para
os
camaradas
e
amantes.
(No
labor-saving
machine)
e
“Eu
me
planto
na
lama
para
crescer,
com
a
relva
que
eu
amo,
quando
me
quiseres
novamente,
é
só
me
procurarem
sob
a
sola
de
seus
sapatos.
Dificilmente
saberás
que
quem
eu
sou,
o
que
quero
dizer,
mas
serei
saúde
para
vocês
dando
ao
vosso
sangue
pureza
e
frescor.
Se
não
me
encontrarem
logo,
paciência,
se
eu
não
estiver
num
lugar,
procurem-me
outro,
em
algum
lugar,
estarei
à
espera.”
(Song
of Myself)
(*)aqui
todas
as
citações
de
poemas
traduzidas
por
LdeM
ago/12
Leonardo
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