segunda-feira, 18 de julho de 2011

sobre a distopia '1984' - de G. Orwell (2/2)









sobre “1984” (“1984”, 1949)
romance de George Orwell (Eric Blair, 1903-50)


A denúncia da distopia totalitária




2/ 2




O'Brien ao fazer parte do inner circle do Partido tem alguns privilégios – não é constantemente vigiado, pode desligar a tv-tela quando quiser, em suma, não sofre policiamento como um membro qualquer. Sua liberdade relativa tem relação com as suas responsabilidades – se o Partido não confiasse nele, ele já teria sido 'vaporizado'. Mas as esperanças de Winston levam-no a acreditar mais na Irmandade, assim o protagonista dá o passo fatal, como veremos.


“Ele fez uma pausa, entendendo, pela primeira vez, a vagueza de seus próprios motivos. Desde que ele de fato não sabia que tipo de ajuda ele esperaria de O'Brien, não era fácil dizer porque ele viera até ali. Ele continuou, consciente que o que ele estava dizendo devia soar tanto débil quanto pretensioso:

'Nós acreditamos que há algum tipo de conspiração, algum tipo de organização secreta trabalhando contra o Partido, e que você está involvido nela. Queríamos nos juntar a ela e trabalhar por ela. Somos inimigos do Partido. Não acreditamos nos princípios do Soc.Ing. Somos criminosos-do-pensamento. Somos também adúlteros. Digo isso porque nós queremos nos colocar a sua mercê. Se você quiser nos incriminar de algum modo, estamos prontos.”

.
He paused, realizing for the first time the vagueness of his own motives. Since he did not in fact know what kind of help he expected from O'Brien, it was not easy to say why he had come here. He went on, conscious that what he was saying must sound both feeble and pretentious:

'We believe that there is some kind of conspiracy, some kind of secret organization working against the Party, and that you are involved in it. We want to join it and work for it. We are enemies of the Party. We disbelieve in the principles of Ingsoc. We are thought-criminals. We are also adulterers. I tell you this because we want to put ourselves at your mercy. If you want us to incriminate ourselves in any other way, we are ready.'
p. 140, P.II



Uma vez em contato com O'Brien – e um suposto conhecimento que este tem, e que chegará às mãos de Winston – e obviamente saberemos – a narrativa ora adquire panoramas históricos ora prende-se a detalhes de uma vida íntima de casal. É um jogo de 'vida social' versus 'vida pessoal', pois conheceremos um pouco mais de 'História' – sabe-se lá qual versão agora – e um pouco mais dos pensamentos – e atividades – íntimas do protagonista, que torna-se mais corajoso porque não está mais sozinho. (Enquanto leitor até penso que Júlia poderia ser uma ótima delatora...)


No momento Winston só pode mesmo confiar. Acreditar em contato com os discípulos de Emmanuel Goldstein (os trotskistas?), com aqueles que vão derrubar o todo-poderoso Grande Irmão (que não sabemos se existe – pode ser apenas a 'personificação' do Partido...), e acabar com o controle do pensamento e com a História reescrita. Winston está disposto a morrer em luta, disposto a matar, a trair o país, a forjar documentos, etc, ou seja, tudo o que os revolucionários faziam em nome da “Causa” - que levou justamente à ditadura do Partido único e onipotente. Subversão para tirar a subversão oficializada? Novos revolucionários contra os revolucionários-reacionários de hoje? Confusão- eis o que envolve o protagonista (e nós, os leitores).


Winston então recebe um livro – aliás, O livro – como uma bíblia sagrada do movimento anti-Partido – assim como antes o “Manifesto Comunista” era a bíblia oculta dos revolucionários que se encastelam no poder. Para abater o Partido é preciso um livro com revelações? Ou seria um manual de táticas de guerrilha? Como ser um revolucionários bem-sucedido contra aqueles que já foram revolucionários um dia? De qualquer modo, vamos folhear, portanto, “A Teoria e Prática do Coletivismo Oligárquico” (“The Theory and Pratice of Oligarchical Collectivism”), 'coletivismo oligárquico' que poderia ser denominado também como o “socialismo real”, ou o “capitalismo de Estado”.


Mas não se assuste o leitor se ler - de repente - que a Oceânia está em guerra com a Estásia! A guerra é mesmo uma 'caixinha de surpresas'! E Winston vai descobrindo como a História é farsa – mais forjada do que ele imaginava! Teremos uma aula de História – na versão dos subversivos – assim como os Comunistas contam a História ocidental como uma 'luta de classes' – mas cada grupo social cria sua própria História. Os cristãos escrevem a História do pecado e da Redenção, os budistas esperam outra reencarnação de Buda, e os materialistas anotam as safras e entressafras e oscilações das bolsas de Valores. A chamada 'História Oficial' apenas serve aos grupos hegemônicos, os que dominam a máquina de propaganda e oficializam uma versão que é mais conveniente aos seus interesses.


Se a guerra é bom negócio, um modo de manter as massas populares eletrizadas e aceitando as medidas restritivas, então porque parar a guerra? Se a guerra é de interesse do Estado, por que não transformar a guerra numa rotina? Por que não educar as crianças para a economia de guerra? Para a doutrinação de guerra – nós somos os mocinhos e os inimigos são os vilões? Assim é mais fácil dominar – pelo medo e pela doutrinação – quando as populações esperam a qualquer momento uma proclamação de vitória ou um estrondo de bomba ali ao lado. Tanto a vitória quanto a derrota são manipuladas segundo os interesses dos poderosos. O povo sempre perde.


As potências, incapazes de derrotarem definitivamente uma a outra, mantendo-se em conflitos de fronteiras ou 'guerra fria', garantem às suas populações que somente uma medida defensiva ( que poder ser ofensiva...) com exércitos em prontidão, com toda a 'eficiência militar', é possível manter a 'paz' – por isso a confusão guerra = paz. Para manter a paz nós entramos em guerra...!


“Numa combinação ou outra, estas três potências [Oceania, Eurásia e Estasia] estão em guerra permanente, e tem sido assim nos últimos vinte e cinco anos. A guerra, de qualquer modo, não é mais a luta desesperada e aniquilante que foi nas primeiras décadas do século vinte.” (“In one combination or another, these three super-states are permanently at war, and have been so for the past twenty-five years. War, however, is no longer the desperate, annihilating struggle that it was in the early decades of the twentieth century.” p. 153, P.II)


“O objetivo primário da guerra moderna (de acordo com os princípios do duplo-pensar, este objetivo é simultaneamente reconhecido e não-reconhecido pelas mentes dirigentes do Partido Interior) é usar os produtos da maquinaria sem elevar o padrão geral de vida. Mesmo desde o fim do século 19, o problema do que fazer com o excesso de bens de consumo tem estado latente na sociedade industrial. Atualmente, quando poucos seres humanos têm o suficiente para comer, este problema é obviamente não urgente, e nem se tornaria assim, mesmo se nenhuma processo artificial de destruição não estivesse em funcionamento.”
.
The primary aim of modern warfare (in accordance with the principles of doublethink, this aim is simultaneously recognized and not recognized by the directing brains of the Inner Party) is to use up the products of the machine without raising the general standard of living. Ever since the end of the nineteenth century, the problem of what to do with the surplus of consumption goods has been latent in industrial society. At present, when few human beings even have enough to eat, this problem is obviously not urgent, and it might not have become so, even if no artificial processes of destruction had been at work. p. 155, P. II



“O essencial do ato de guerra é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas dos produtos do trabalho humano. Guerra é um modo de despedaçar, ou espalhar na atmosfera, ou afundar no fundo do mar, materiais que deveriam de outro modo fazer as massas viverem mais confortáveis, e assim mais inteligentemente. Mesmo quando armas de guerra não sejam realmente destruídas, a fabricação delas é ainda um modo conveniente de gastar a força de trabalho sem produzir algo que possa ser consumido.”
.
The essential act of war is destruction, not necessarily of human lives, but of the products of human labour. War is a way of shattering to pieces, or pouring into the stratosphere, or sinking in the depths of the sea, materials which might otherwise be used to make the masses too comfortable, and hence, in the long run, too intelligent. Even when weapons of war are not actually destroyed, their manufacture is still a convenient way of expending labour power without producing anything that can be consumed. p. 157 P.II


“A guerra é negociada por cada grupo dirigente contra os seus próprios súditos, e o objetivo da guerra não é conquistar ou defender territórios, mas manter intacta a estrutura da sociedade. A palavra 'guerra', assim, tornou-se enganosa. Seria provavelmente certo dizer que ao tornar-se contínua a guerra deixa de existir.

[…]

A paz que fosse de fato permanente seria o mesmo que uma guerra permanente. Este – apesar de que a vasta maioria dos membros do Partido entendam apenas um sentido raso – é o significado profundo do slogan do Partido: GUERRA É PAZ.”

.
The war is waged by each ruling group against its own subjects, and the object of the war is not to make or prevent conquests of territory, but to keep the structure of society intact. The very word 'war', therefore, has become misleading. It would probably be accurate to say that by becoming continuous war has ceased to exist.

[…]

A peace that was truly permanent would be the same as a permanent war. This--although the vast majority of Party members understand it only in a shallower sense--is the inner meaning of the Party slogan: WAR IS PEACE.
p. 164, P. II



As guerras servem aos interesses das oligarquias que conservam privilégios, enquanto deviam as atenções para os inimigos externos. Estes poderosos mantêm todo um sistema de hierarquias, de comando, de senhas e contrassenhas, de arquivos confidenciais, de informações privilegiadas, que mantem sua força justamente com a ignorância das massas. Daí Ignorância = Força, como bem proclama o Partido.


E o Partido impera porque o ser humano tem medo da igualdade, da prosperidade, das utopias, em suma. Durante as revoltas da década de 1930, o pensador alemão Erich Fromm escreveu uma obra com o elucidativo título “Escape from Freedom”, Fuga da Liberdade, ou também “The Fear of Freedom”, pois as pessoas teriam um medo diante da liberdade. É por isso que seguiam slogans, líderes, numa marcha de 'maria-vai-com-as-outras', que desembocou nos movimentos de massas – nacionalismos, bolchevismo, fascismos, nazismo, estalinismo – que eram verdadeiros exemplos do que o pensador francês Étienne de La Boètie chamava de “servidão voluntária”. A obediência ao líder é uma forma de 'doença coletiva'.


“A mutabilidade do passado é o dogma central do Soc.Ing. Acontecimentos do passado, é argumentado, têm nenhuma existência objetiva, mas sobrevivem apenas em registros escritos e nas lembranças humanas. O passado está de qualquer modo em acordo com os registros e lembranças. E desde que o Partido tem pleno controle de todos os registros e igualmente pleno controle das mentes dos membros, segue-se que o passado é de qualquer modo o que o Partido escolher.”
.
The mutability of the past is the central tenet of Ingsoc. Past events, it is argued, have no objective existence, but survive only in written records and in human memories. The past is whatever the records and the memories agree upon. And since the Party is in full control of all records and in equally full control of the minds of its members, it follows that the past is whatever the Party chooses to make it. p. 176, P. II



Durante a longa leitura de trechos, e até capítulos inteiros, do livro proibido, podemos pensar numa troca da Narração pela Dissertação, onde o Autor preferiria explicar, tematizar do que tecer figurações. Claro que o Leitor – como indica Wolfgang Iser, em “O Ato da Leitura” - preenche as 'lacunas' – pois se o protagonista lê, ele lê em algum lugar, em algum tempo, sozinho ou acompanhado, em silêncio ou em voz alta (aqui sabemos que ele está com Júlia, e lê para ela em voz alta...), então a seção dissertativa está INSERIDA na teia narrativa.


O que Orwell deseja é fazer uma crítica do Poder – assim como Kant fizera uma Crítica da Razão – pois enquanto socialista-à-la-anarquista, o Autor teme que grupos oligárquicos – sejam revolucionários-profissionais, sejam burocratas-partidários, sejam milícias populares – alcancem o poder e lá se acomodem, perseguindo todos os outros grupos e sub-grupos, que poderiam querer ascender aos núcleos de decisão. É assim que as Elites se mantêm no poder – basta ler “Os Donos do Poder” do sociólogo e historiador Raymundo Faoro (1925-2003), que aborda a formação das Elites brasileiras.


Os burocratas do Partido formam uma 'nova classe' – e não destroem todas as classes, como pregava a Revolução – quando ao modo de uma 'nobreza' ocupam os melhores cargos e usufruem de privilégios. Não exatamente uma hierarquia de nascimento – não há transferência de títulos nobiliárquicos – mas os filhos dos burocratas terão mais chances de ocuparem cargos – assim como nas castas militares, os filhos de militares têm mais acesso à carreira das armas.


“Pois o segredo da dominação é combinar uma crença na própria infalibilidade com o Poder de aprender com os erros do passado. É necessário ser dito que o praticantes mais sutis de duplo-pensar são aqueles que inventaram o duplo-pensar e sabem que é um vasto sistema de dissimulação mental. Em nossa sociedade, que tem o melhor conhecimento do que está acontecendo estão também aqueles que estão longe de ver o mundo tal como é. Em geral, quanto maior o entendimento, maior a ilusão; o mais inteligente, o menos saudável mentalmente.”
.
For the secret of rulership is to combine a belief in one's own infallibility with the Power to learn from past mistakes. It need hardly be said that the subtlest practitioners of DOUBLETHINK are those who invented DOUBLETHINK and know that it is a vast system of mental cheating. In our society, those who have the best knowledge of what is happening are also those who are furthest from seeing the world as it is. In general, the greater the understanding, the greater the delusion; the more intelligent, the less sane. p. 177, P.II



Os revolucionários chegam ao poder, atuam para fortalecer o poder, tudo em nome do Socialismo, mas na verdade toda a ação vem a engessar ou destruir as atitudes socialistas – não socializam, mas estatizam; não descentralizam os fóruns de decisão, mas centralizam o poder. Os revolucionários desistiram do socialismo? Os revolucionários foram derrotaram por reacionários dentro do próprio Partido? Houve uma 'quartelada' sem que os não-membros soubesem? Winston entende como o poder se consolidou, mas não entende os motivos. Impossibilidade do socialismo? Desistências e desânimos dos revolucionários? Acomodação e sede de poder?


Já que Winston descobre – e nós sabemos – quais foram os métodos e processos de consolidação do Poder das 'oligarquias coletivistas' que se proclamam 'socialistas', o importante agora é entender as motivações – e é o que nos prende agora ao texto. Afinal, o leitor é uma espécie de investigador; e no caso de '1984', sabemos junto com o protagonista, aprendemos com ele a cada nova fase. Ele desconfia, nós desconfiamos; ele teoriza, nós teorizamos; ele escolhe a subversão, nós acompanhamos sua subversão; ele trai o Partido, e nós também traímos. O que ele sabe é o que nós sabemos, e só sabemos o que ele sabe. Não sabemos se ele sairá vivo dessa aventura.


Winston sabe que até pensar contra o Partido é um crime, aliás, é já estar morto. Mas a segurança que ele imagina ter – num quarto de subúrbio, junto aos proles, longe das telas, monitores, crianças delatoras, etc – pode muito bem ser outra armadilha. Há uma paranoia de conspiração constante aqui. Ele desconfia até de si-mesmo: quando se sente satisfeito tem até momentos de culpa. Ele pode se afastar dos centros do Partido, mas o controle partidário está instilado dentro dele – chega um momento em que não se precisa mais de tv-telas para vigiar o cidadão: o próprio cidadão vigia a si-mesmo.


O quarto que parecia um útero de segurança, uma fuga da padronização, até uma nova oportunidade de vida íntegra, revela-se outra peça do jogo do poder. O que parecia inofensivo pode revelar câmeras ocultas e microfones embutidos. Tudo aquilo que conhecemos dos filmes de espionagem da Guerra Fria. Um casal numa cena de amor, numa quarto em penumbra, e desconhecem que tudo o que fazem e tudo o que dizem está sendo filmado e gravado. Não há mais privacidade no mundo controlado. Vivemos rastreados por câmeras. “Você pode estar sendo filmado”.


Obviamente que o casal é preso e torturado. Estão agora nas mãos da Polícia do Pensamento (Thought Police), uma mistura de Gestapo com KGB e Stasi, a personificação em uniforme do Estado contra o cidadão. De praxe em livros e filmes de totalitarismos. Não há 'habeas corpus', nem 'direitos humanos', nem 'dignidade humana' numa mundo totalitário – apenas o poder do Estado, do Governo, do regime político. O que faz a diferença no '1984' de Orwell é a explicitação das violências antes veladas – tanto físicas quanto psicológicas. Somos convidados a assistir as cenas de tortura e lavagem cerebral. Adentramos as salas abafadas, fétidas, cheias de sangue, onde a individualidade do detento é esmagada, desfigurada, eliminada. Ao fim da tortura ele pode estar ainda vivo – mas não é mais ele mesmo. Está pronto para trair os companheiros e a Causa. Ele é um convertido ao regime que o esmagou.


Na Parte III do romance, o protagonista está face a face com os torturadores nas masmorras do ironicamente denominado Ministério do Amor, mas que poderia ser o Quartel da Gestapo na Prinz-Albrechtstrasse em Berlim ou o prédio da KGB na Praça Lubianka em Moscou. Lugares amaldiçoados por todos os revolucionários e que se tornaram aparatos de poder para os revolucionários no poder, ou para os reacionários. Num movimento de avanço e recuo numa verdadeira estratégica bélica para assegurar as rédeas do poder.


Na prisão – onde os prisioneiros políticos são os mais temerosos – acabam o que restava de dignidade humana, num antro de prostituição, miséria, drogas, subornos, que nada tem de 'ressocializante', ao contrário, somente aumenta a sede de vingança e o instinto assassino dos presos. Há uma atmosfera de medo que já destrói o prisioneiro antes mesmo de ele ser torturado, pisado, quebrado até a medula. Por exemplo, a simplesmente menção de uma sala 101 um curto-circuito de arrepios percorre os presos políticos.


“Mais prisioneiros iam e vinham, misteriosamente. Um, uma mulher, estava indicada para a 'sala 101', e, Winston notou, parecia arrepiar-se e ficar pálida quando ouvia as palavras.” (“More prisoners came and went, mysteriously. One, a woman, was consigned to 'Room 101', and, Winston noticed, seemed to shrivel and turn a different colour when she heard the words.” p. 193, P. III”)


Na sala da prisão, Winston reencontra O'Brien. Também investigado? Também preso? Ou O'Brien apenas apareceu para delatar mais alguns 'companheiros' da tal Irmandade? Neste romance todo muito é suspeito, pois todos desconfiam de todos, todos vigiam todos. O famigerado Grande Irmão é o olhar de cada cidadão ao vigiar o cidadão ao lado – não é uma 'entidade', é um símbolo da não-privacidade.


É de se imaginar porque os torturadores não acabam logo com o serviço. Porque os policiais perdem tanto tempo em destruir um homem. Por divertimento? Por sadismo? Para sentirem o gosto do poder? Por que O'Brien perde tanto tempo em extrair os pensamentos de Winston? Por que explica e revela os fatos que tanto ele – quanto nós – desconhecemos? É para esclarecer ao protagonista – ou aos leitores? O papel de O'Brien aqui é o mesmo do Grande Inquisidor no romance “Os Irmãos Karamázovi” de Dostoiévski. É o mesmo papel de Mustapha Mond em “Admirável Mundo Novo” e do Capitão Beatty em “Fahrenheit 451” - eles têm o poder de eliminar o 'subversivo' mas ainda se dão ao trabalho de conversar com o condenado, explicar tudo, revelar tudo, justificar-se.


No interrogatório de Winston há toda uma paródia dos Expurgos de Moscou, durante os anos de 1930, quando Stalin limpava os quadros do Partido, expulsando os velhos bolcheviques, para instalar os novos burocratas. Os condenados, em verdadeiras exibições, os julgamentos públicos, confessavam até o que nunca poderiam ter feito. Crimes que sequer poderiam cometer! (Talvez até quisessem, mas só pensar em cometer um crime – é um crime?)


“Ele [Winston] confessou que durante anos ele estivera em contato pessoal com Goldstein e fora membro de uma organização secreta que incluía quase todas as pessoas que ele conhecera. Era mais fácil confessar tudo e implicar todos. Além disso, em certo sentido era tudo verdade. Era verdade que ele fora o inimigo do Partido, e aos olhos do Partido não havia distinção entre o pensar e o agir.”
.
He confessed that he had murdered his wife, although he knew, and his questioners must have known, that his wife was still alive. He confessed that for years he had been in personal touch with Goldstein and had been a member of an underground organization which had included almost every human being he had ever known. It was easier to confess everything and implicate everybody. Besides, in a sense it was all true. It was true that he had been the enemy of the Party, and in the eyes of the Party there was no distinction between the thought and the deed. p. 200, P.III

.
mais sobre os Expurgos de Moscou – 1934-39
http://www.coladaweb.com/historia/revolucao-russa-parte-2
http://pt.wikipedia.org/wiki/Grande_Expurgo
.

Novamente, no momento da tortura, O'Brien surge como o que sabe-demais, o que pode conduzir tanto à libertação quanto à prisão – ele pode ser mesmo o líder de um 'grupo de resistência', mas apenas para atrair os 'resistentes' para as redes de vigilância da 'Polícia do Pensamento'. O'Brien pretende extrair os pensamentos criminosos de Winston – ora o torturador se mostra irascível, ora mostra-se 'camarada', alterna ira com piedade, confunde as percepções do prisioneiro, destrói toda a resistência física e mental.


“Ele [Winston] estava se erguendo da cama de tábua na semi-certeza que ele ouvira a voz de O'Brien. Durante todo o seu interrogatório, apesar de nunca tê-lo visto, ele [Winston] sentira que O'Brien estava junto, fora de vista. Era O'Brien quem estava dirigindo tudo. Fora ele quem enviara os guardas até Winston e quem impedira-os de o matarem. Fora ele quem decidira quando Winston deveria gritar de dor, quando dar uma pausa, quando alimentá-lo, quando ele devia dormir, quando injetar os entorpecentes. Era ele [O'Brien] quem fizera as perguntas e sugerira as respostas. Ele era o torturador, ele era o protetor, ele era o inquisidor, ele era o amigo. E certa vez – Winston não podia se lembrar se era num sono entorpecido, ou num sono normal, ou mesmo num momento de vigília – uma voz murmurara em seu ouvido: 'Não se preocupe, Winston; você está sob a minha guarda. Durante sete anos eu observei você. Agora o ponto decisivo chegou. Eu salvarei você, eu farei você perfeito.' Ele não esta certo se fora a voz de O'Brien; mas fora a mesma voz que dissera a ele, 'Nós nos encontraremos no lugar onde não há escuridão,' naquele outro sonho, sete anos antes.”
.
He was starting up from the plank bed in the half-certainty that he had heard O'Brien's voice. All through his interrogation, although he had never seen him, he had had the feeling that O'Brien was at his elbow, just out of sight. It was O'Brien who was directing everything. It was he who set the guards on to Winston and who prevented them from killing him. It was he who decided when Winston should scream with pain, when he should have a respite, when he should be fed, when he should sleep, when the drugs should be pumped into his arm. It was he who asked the questions and suggested the answers. He was the tormentor, he was the protector, he was the inquisitor, he was the friend. And once--Winston could not remember whether it was in drugged sleep, or in normal sleep, or even in a moment of wakefulness--a voice murmured in his ear: 'Don't worry, Winston; you are in my keeping. For seven years I have watched over you. Now the turning-point has come. I shall save you, I shall make you perfect.' He was not sure whether it was O'Brien's voice; but it was the same voice that had said to him, 'We shall meet in the place where there is no darkness,' in that other dream, seven years ago. p. 201, P. III


O'Brien tortura e, paternalmente, ministra explicações, dá aulas tal um professor atencioso, “Quando ele falava sua voz era gentil e paciente. Ele tinha o ar de um doutor, um professor, ou mesmo um padre, ansioso para explicar e persuadir mais do que punir.” (“O'Brien's manner became less severe. He resettled his spectacles thoughtfully, and took a pace or two up and down. When he spoke his voice was gentle and patient. He had the air of a doctor, a teacher, even a priest, anxious to explain and persuade rather than to punish.” p. 203, P. III)


A imagem do torturador se confunde com a do professor que conversa com aluno indisciplinado, “O'Brien olhava-o com atenção. Mais do nunca ele tinha o ar de uma professor se esforçando com uma criança teimosa, mas promissora.” (“O'Brien was looking down at him speculatively. More than ever he had the air of a teacher taking pains with a wayward but promising child". p. 204, P. III)


A necessidade da mutabilidade do passado – o mudar da memória – para se manter o poder. O partido deve ser infalível – mesmo que para isso os acontecimentos históricos tenham que ser mudados. Ou melhor, os registros dos acontecimentos históricos. “Nós, o Partido, controlamos todos os registros, e nós controlamos todas as lembranças. Então controlamos o passado, não é?” ( “We, the Party, control all records, and we control all memories. Then we control the past, do we not?'” p. 205, P. III )


Assim os governos controlam os registros, decretam 'top secret' e ninguém sabe o que acontece nos bastidores das políticas, das diplomacias. Mas, ainda bem que hoje temos o Wikileaks para adentrar arquivos confidenciais e disponibilizar tudo na rede mundial de computadores.


Para o inquisidor, o crime de Winston : não disciplinar-se, não controlar a própria memória. “Você não fez o ato de submissão que é o preço da sanidade. Você preferiu ser um lunático, uma minoria de um apenas. Apenas a mente disciplinada pode ver a realidade, Winston.” ( “You would not make the act of submission which is the price of sanity. You preferred to be a lunatic, a minority of one. Only the disciplined mind can see reality, Winston.” p. 205, P. III)


Aqui, O'Brien atua como um inquisidor-psicanalista ao declarar que Winston é louco, não o mundo em que ele vive. A Realidade existe deformada nos cidadãos deformados – e Winston é louco porque não é suficientemente deformado!


A mente solitária de Winston é rotulada de louca, pois a sanidade é estar de acordo com os ditames do Partido. A mente do Partido é coletiva e imortal! Não pode errar – e caso ocorrer erro, é o evento que é apagado, deletado, do arquivo) O Partido diz que 2 + 2 = 5, então o cidadão deve aceitar que 2 + 2 = 5, sem pestanejar.


O'Brien, paternalista e inquisidor, é amado e temido, é admirado e demonizado por Winston – uma verdadeira 'síndrome de Estocolmo' que se estabelece entre a vítima e o carrasco.

“Ele [Winston] abriu os olhos e observou O'Brien com gratidão. À visão da pesada e delineada face, tão feia e tão inteligente, seu coração parecia revirar. […] Ele nunca o amou tão profundamente como neste momento, e não apenas porque ele fez cessar a dor. O velho sentimento, que jazia fundo que não importaria se O'Brien era um amigo ou um inimigo, voltou. O'Brien era uma pessoa com quem ele poderia conversar.”
.
[…] He opened his eyes and looked up gratefully at O'Brien. At sight of the heavy, lined face, so ugly and so intelligent, his heart seemed to turn over. If he could have moved he would have stretched out a hand and laid it on O'Brien's arm. He had never loved him so deeply as at this moment, and not merely because he had stopped the pain. The old feeling, that at bottom it did not matter whether O'Brien was a friend or an enemy, had come back. O'Brien was a person who could be talked to. p. 208, P. III


O Ministério do Amor não apenas faz confessar sob torturas, não apenas ministra dor e punição, mas sobretudo CONVERTE os 'subversivos', os 'não-adaptados' “Nós não meramente destruímos os nossos inimigos; nós os convertemos. (“We do not merely destroy our enemies, we change them.” p. 209) Converter aqui significa 'reajustar', isto é, reintegrar, curar, submeter à terapia. O Partido não pretende criar 'mártires', mas convertidos.


Aqui a ficção faz referência à realidade histórica – a mesma que o Partido 'modifica'. O'Brien faz menção aos regimes totalitários do passado, “Os nazistas alemães e os comunistas russos.” (“German Nazis and the Russian Communists”. p. 209) Os Comunistas julgavam as vítimas em público, mas antes retiravam toda a dignidade do preso – não criavam 'mártires'. Os presos se auto-acusavam!


No mais, a posteridade nada saberá dos 'subversivos' . Aqueles que se rebelaram – e que forem convertidos - serão 'vaporizados' – deletados fisicamente e da memória.


“A posteridade nunca ouvirá sobre você. Você será apagado do fluxo da História. Nada restará de você: nem nome num registro, nem memória num cérebro vivo. Você será aniquilado no passado e também no futuro. Você nunca terá existido.” (“Posterity will never hear of you. You will be lifted clean out from the stream of history. We shall turn you into gas and pour you into the stratosphere. Nothing will remain of you, not a name in a register, not a memory in a living brain. You will be annihilated in the past as well as in the future. You will never have existed.'” p. 210, P. III)


Então por que todo esse interrogatório, toda essa tortura? Objetiva uma lavagem cerebral, uma reconversão do inimigo político.


No cinema podemos nos lembrar de dois subversivos. Ambos em distopias totalitárias, o Neo de “Matrix” (1999) e o John Preston de “Equilibrium”(2002) que se rebelam contra suas vidas controladas por regimes totalitários.


“Nós convertemos [o herético], nós capturamos uma mente mais íntima, nós o reformamos. Nós queimamos todo mal e toda ilusão dele; nós o trazemos para o nosso lado, não em aparência, mas genuinamente, coração e mente. Nós o transformamos em um de nós, antes de o matarmos.” (“We convert him, we capture his inner mind, we reshape him. We burn all evil and all illusion out of him; we bring him over to our side, not in appearance, but genuinely, heart and soul. We make him one of ourselves before we kill him." p. 210, P. III)


A vítima morre amando o Grande Irmão, é portanto uma vítima morta-viva. O'Brien não é hipócrita, ele crê fanaticamente no Partido (outro exemplo de 'lavagem cerebral', a mocinha no filme “V de Vingança” (2006). Ela foi torturada pelo próprio 'mocinho', o tal mascarado V a la 'Guy Fawkes'. No filme, baseado nos quadrinhos de Alan Moore e David Lloyd, o lema era “Strength through Unity – Unity through Faith”, ou seja, “Força através da Unidade – Unidade através da Fé”. E há até uma espécie de 'grande irmão', um tal de Alto Chanceler Adam Sutler (no filme, ou Adam James Susan, no HQ dos anos 1980).

.
mais sobre o V de Vendetta
http://pt.wikipedia.org/wiki/V_for_Vendetta
.



O'Brien, além do partidário, representa o fanático, o que crê que os métodos são justificados pelos fins, pelos objetivos: criar cidadãos disciplinados e cooperativos. Mas é de se perguntar se O'Brien não seria um dos grandes do Partido. Afinal, o Grande Irmão existe? Existe, porque o Partido existe, e o Big Brother é a corporificação do Partido. Existe até mais do que o próprio Winston – que não existe. “'Ele [Grande Irmão] existe do mesmo modo que eu existo? 'Você não existe – disse O'Brien.'”(“'Does he exist in the same way as I exist?' 'You do not exist,' said O'Brien.” p. 214)


De fato, no coletivismo o indivíduo é o que menos importa – o indivíduo existir ou não é apenas em função do Estado, do coletivo. (É nesse ponto que o anarquismo individualista do Autor se revela – e seu 'socialismo libertário' evidencia ter muito do individualismo iluminista-liberal do Ocidente. Para os Estatismos orientais – ver Arábia, Rússia, Índua, China – o indivíduo é o que menos interessa, pois o idolatrado é o 'bem estar coletivo' (desde que de acordo com os interesses dos líderes, do Partido, do Estado, etc)


A Irmandade existe? Nenhuma resposta é dada – pode ser que sim, mas é logo exterminada pelo regime; pode ser que sim, uma 'resistência' montada pelo próprio regime, para acima trair e neutralizar os subversivos; pode ser que não, ser apenas uma fábula, uma quimera, para desorientar os subversivos. Por exemplo, o tal livro escrito pelo proscrito Goldstein tem trechos escritos pelo próprio O'Brien – o livro é uma farsa montada pelo Partido!


O'Brien – isto é, o Partido – não crê na revolta dos proletários. E realmente nas revoltas bolcheviques, fascistas, hitleristas, as massas proletárias foram instrumentalizadas por vanguardas, partidos, revolucionários profissionais, golpistas – mas as decisões não foram compartilhadas, mas centralizadas nas mãos das novas oligarquias. “Os proletários nunca se revoltarão, nem em mil anos nem em um milhão. Eles não podem.” (“The proletarians will never revolt, not in a thousand years or a million. They cannot.” p. 216, P. III)


Então o Partido governa para o bem do próprio povo? A nova Elite faz tudo em interesse do povo fraco e desprotegido? Ora, o Partido quer o poder pelo próprio poder! É melhor governar do que ser governado! O Partido quer o poder, 'apenas o poder, o poder puro.' não por luxo ou felicidade.


“Somos diferentes de todas as oligarquias do passado pois sabemos o que fazemos. Todas as outras, mesmo as que se assemelham a nós, foram covardes e hipócritas. Os nazis alemãs e os russos comunistas se aproximaram de nós em seus métodos, mas ele nunca tiveram coragem de reconhecer seus próprios motivos.” (“We are different from all the oligarchies of the past, in that we know what we are doing. All the others, even those who resembled ourselves, were cowards and hypocrites. The German Nazis and the Russian Communists came very close to us in their methods, but they never had the courage to recognize their own motives.” p 217) e conclui, “Poder não é um meio; é um fim em si-mesmo.” (“Power is not a means, it is an end.”)


O'Brien não se preocupa consigo mesmo – mas com a Oligarquia. Como um papa da nova Igreja,

“Nós somos os padres do Poder. Deus é o Poder. […] a primeira coisa que você deve entender é o que o poder é coletivo. O indivíduo apenas tem o poder na proporção em que ele deixa de ser um indivíduo. […] Sozinho – livre – o ser humano é sempre derrotado. Mas se ele pode fazer-se completo, sob submissão, se ele pode escapar de sua identidade, se ele pode fundir-se no Partido então ele é o Partido, então ele é todo-poderoso e imortal.”
.
“'We are the priests of power,' he said. 'God is power. But at present power is only a word so far as you are concerned. It is time for you to gather some idea of what power means. The first thing you must realize is that power is collective. The individual only has power in so far as he ceases to be an individual. […] Alone--free--the human being is always defeated. But if he can make complete, utter submission, if he can escape from his identity, if he can merge himself in the Party so that he IS the Party, then he is all-powerful and immortal. p. 218, P. III


O Partido cria a realidade: “ A Realidade está dentro do crânio”, cada mente lavada pela propaganda, claro. “Nós fazemos as leis da Natureza” pois o Partido controla até o Saber, crente de que “Nada além da consciência humana”. O totalitarismo está justamente na fusão do indivíduo no todo do regime que se intromete em tudo – fundindo vida particula e vida pública.


Podemos comparar esse poder coletivo com a Nova Classe dos Burocratas, dos Administradores que não possuem os bens de produção, mas administram, controlam. Basta lermos os livros de Milovan Djilas, “A Nova Classe”, 1957, e de Michael Voslensky, “A Nomenklatura”, 1984. ambos os autores trabalharam em sistemas ditos 'comunistas' e sabem do que estão falando. As promessas do comunismo não se realizaram. (Culpa dos Partidos? Culpa do ser humano? Mas, os líderes do Partido não são humanos?)


O sistema do Partido é praticamente 'religioso' – não apenas pela hierarquia de castas – quase 'católico' ao ser universal, com sua crença total, fé na infalibilidade do Grande Líder, submissão islâmica às regras partidárias, etc – nada diferente dos sistemas que rotulamos de 'fundamentalismos'.


“O poder verdadeiro, o poder pelo qual lutamos noite e dia, não é poder sobre coisas, mas sobre homens.”( "The real power, the power we have to fight for night and day, is not power over things, but over men.'" p. 219)


“Poder é despedaçar as mentes humanas e reajuntá-las em novos formatos à sua própria escolha. […] É o exato oposto das estúpidas Utopias hedonistas que os velhos reformadores imaginaram.” (“Power is in tearing human minds to pieces and putting them together again in new shapes of your own choosing. […] It is the exact opposite of the stupid hedonistic Utopias that the old reformers imagined.” p. 220, P. III)

“Progresso em nosso mundo será progresso rumo a maior sofrimento.” (“Progress in our world will be progress towards more pain.” p. 220 )

“O instinto sexual será erradicado. Procriação será formalidade. Aboliremos o orgasmo. Lealdade apenas ao Partido. Amor apenas ao Grande Irmão. Nada de riso, apenas gozo com a derrota do inimigo. Não haverá arte, nem literatura, nem ciência.” (“The sex instinct will be eradicated. Procreation will be an annual formality like the renewal of a ration card. We shall abolish the orgasm. […] There will be no loyalty, except loyalty towards the Party. There will be no love, except the love of Big Brother. There will be no laughter, except the laugh of triumph over a defeated enemy. There will be no art, no literature, no science.” p. 220 )


Aqui as três distopias se assemelham – a dignidade humana é abolida, e tanto artes quanto ciência são instrumentalizadas ou abolidas. O sofrimento e a guerra são usados como métodos de terror e submissão visando maior obediência e idolatria das massas populares – sempre afastados dos centros decisórios. As oligarquias – o Partido, os Burocratas – instauram a dominação permanente em nome da infalibilidade partidária, ou melhor, dos privilégios da 'nova classe'. Aos não-privilegiados somente resta o Terror.


“Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota pisando uma face humana – para sempre.” ( “If you want a picture of the future, imagine a boot stamping on a human face--for ever.” p. 220)


A imagem aqui é a apoteose do romance distópico de Orwell. Nada mais precisaria ser acrescentado – se Winston sobrevive ou não, se reencontra a amante Júlia ou não, se será vaporizado em breve ou não. Temos aqui a imagem do totalitarismo: uma bota a esmagar uma face. Nada mais precisa ser dito. O recado está dado. O Autor faz sua opção por um socialismo desde que libertário – o que o aproxima dos anarquistas, dos libertários anti-estatistas, dos arautos da autogestão. Que ainda sobrevivem enquanto Utopia – até que uma distopia da autogestão venha a ser escrita algum dia.



jun/11


Leonardo de Magalhaens

http://leoliteraturaescrita.blogspot.com






.

.

Nenhum comentário:

Postar um comentário