sábado, 16 de outubro de 2010

sobre BEL-AMI de Maupassant (P1)






Sobre “Bel-Ami” (1885) Romance
do escritor francês Guy de Maupassant (1850-1893)

Os Clássicos
(ensaio 5)

Quando a Literatura adentra bastidores de alcova e gabinete

O tema do arrivista ou do homem de província que atinge ascensão social na capital é fartamente encontrado na literatura clássica (ou não) do século 19, ainda mais na estética francesa (e naquelas influenciadas pela francesa, tais como a portuguesa e brasileira, anteriores às Guerras Mundiais do século 20) tanto como uma forma de moralismo (para denunciar os 'modos licenciosos') como para divertir os leitores (numa literatura de deboche, ou anti-literatura).

Podemos comparar Bel-Ami e Ilusões Perdidas (Illusions perdues, 1843) onde temos o arrivista na capital parisiense e o modus operandi – o jornalismo enquanto 'escrita de mercenários'. Temos um Julien chardon na província – jovem poeta de talento – que pretende 'brilhar' na capital, onde encontra os tipos mais suspeitos – aqueles que encontramos no Père Goriot, o ex-forçado Vautrin (ou Jacques Collin, ou Carlos Herrera) – bem diferente do ex-forçado Jean Valjean, de Os Miseráveis, que se regenera – e o arrivista Eugene de Rastignac nos bastidores da 'vida social'.

Assim, nessa galeria de oportunistas – a incluir Julien Sorel de O Vermelho e o Negro – com Vautrin, Rastignac, Lucien Chardon, vamos encontrar mais um, o Georges Duroy, ou Bel-Ami, como as mulheres preferem chamá-lo. Um arrivista sem escrúpulos que não vai se perder em metafísicas como aquelas personagens de um Stendhal ou de um Dostoiévski, mas saberá se posicionar na selva de interesses e na luta pela ascensão social – existente no mundo burguês, antes inexistente no mundo feudal.

Podemos também comparar Maupassant com Balzac – assim como podemos comparar com a estilística de Flaubert – assim como podemos comparar Balzac com Sir Walter Scott – no propósito de escrever o romance enquanto testemunho de uma época. (A diferença é que Balzac não vai ao passado buscar a 'História' mas apresenta o 'presente', a própria época enquanto registro histórico.) O romance tentará se situar na 'vida como ela é', no modo de organização social, no modo pelo qual as personagens são determinadas pelo ambiente de competição e hipocrisia. Tornam-se insensíveis para melhor 'pisar por cima ' dos 'miseráveis' (mostrados por Victor-Hugo' e dos 'humilhados e ofendidos' (apresentados por Dostoiésvki).

Tanto em Bel-Ami quanto em Ilusões Perdidas presenciamos a prostituição dos escritores que precisam escrever sobre boatos de sociedade, sobre bastidores de política, quando não folhetins açucarados para as leitoras burguesas.

Illusions Perdues (parte de A Comédia Humana)
de Honoré de Balzac
na Wikisource
em
http://fr.wikisource.org/wiki/Illusions_perdues
Georges Duroy é um camponês pobretão que volta das colônias francesas na África do Norte, onde havia sido soldado raso, e agora tenta 'vencer' em Paris. Na capital francesa,o ex-soldado encontra um conhecido, que lhe consegue um emprego num jornaleco, onde o moço tenta 'escrever' sobre as suas 'aventuras', e é prontamente 'ajudado' pela inteligente esposa do tal 'jornalista'. Temos o ambiente de 'Redação' – com as querelas entre 'jornalistas', com direito até a um duelo – enquanto ele faz dívidas para pagar dívidas, até que se casa com a inteligente esposa do amigo então falecido e descobrimos que a mulher 'ghost writer' vai 'alavancar' sua (dele) carreira.

Temos as vicissitudes financeiras e comportamentais – narradas ao estilo 'naturalista' – quando o protagonista tem dinheiro e quando não tem uma moeda. Como ele odeia aqueles que comem, quando ele tem fome E a primeira moeda que ele consegue logo paga para si-mesmo uma farta refeição. (Aqui Duroy faz lembrar o protagonista-narrador do clássico “Fome”, de Knut Hamsun, como veremos) O romance é composto de duas partes – antes e depois da morte do amigo 'jornalista' – e do casamento de Duroy com a inteligente viúva escritora.

Parte I

Encontramos o protagonista Georges Duroy nas ruas de Paris. A cena inicial é aquela da personagem saindo de algum lugar – temos algo parecido em “Crime e Castigo” de Dostoiévski, e “Ulisses” de J Joyce. (Outra clássica – que também encontraremos neste romance – é a da personagem quando acorda pela manhã – tal como veremos em Proust e Joyce)

Georges Duroy observa e é observado na capital francesa – populosa, tumultuada tal como vemos nos romances de de Victor-Hugo, de Balzac, e nos poemas de Baudelaire. “Ao chegar até a calçada, ele demorou-se um momento, parado, a se perguntar o que devia fazer. Estava em 28 de junho, e lhe restava no bolso apens a quantia de trs francos e quarenta para terminar o mês.” (“Lorsqu’il fut sur le trottoir, il demeura un instant immobile, se demandant ce qu’il allait faire. On était au 28 juin, et il lui restait juste en poche trois francs quarante pour finir le mois.” p. 7)

Duroy precisa então encarar a pobreza. Precisará escolher qual refeição é a mais importante (no Brasil, diríamos, 'vai ter que vender o almoço para comprar a janta'), “Esta (quantia) representava dois jantares sem almoço, ou dois almoços sem jantar, à escolha” (“Cela représentait deux dîners sans dejeuners, ou deux déjeuners sans dîners, au choix.” p. 7)

Pobre, mas elegante, bem-apessoado, diríamos, com marcha de soldado em veste civil, Georges Duroy segue pelas ruas, meio à multidão, ele se parecia bem com um anti-herói de romances populares” (“il ressemblait bien au mauvais sujet des romans populaires” ) eia a metalinguagem: temos uma personagem de romance que parece uma personagem de romance! (Onde começa o real e termina o ficcional?)

A cidade “quente como uma estufa” - como se a cidade fosse uma pessoa a suar – é uma entidade que existe à medida em que o protagonista anda... Expliquemos: não é descrita a cidade, e depois 'inserido' a personagem, como encontramos em “Le Rouge et Le Noir”, de Stendhal, ou “Les Misérables” de Victor-Hugo, mas a cidade é mostrada pela perspectiva da personagem – assim é em “Crime e Castigo” quando testemunhamos a pobreza do subúrbio de San Petersburg à cada passo do penseroso Raskólnikov.

Georges Duroy segue pela metrópole como se à espera de um 'encontro amoroso'. Sem dinheiro, ele não pode deixar-se seduzir pelo 'canto das sereias”, as prostitutas. A presença da 'vulgaridade' é perceptível neste romance mais para naturalista do que realista. Já vimos a quantidade de 'baixo calão' (gírias) no “Os Miseráveis” e no “Comédia Humana”, também a presença de 'personagens desqualificadas' – pobres, habitantes de mansardas e cortiços, putas, ladrões, forçados, etc, em suma, toda uma galeria de tipos que não era de 'bom tom' – assim é nos romances de Dickens, de Flaubert, e outros, sempre acusados de 'imorais', de 'indecorosos'. (A boa moral burguesa sempre alerta para censurar a obras que desmitificam o sistema burguês...)

Assim, o vocabulário de Maupassant é diferente daquele de Stendhal e mais próximo de Victor-Hugo, ainda que bem mais 'recheado' de gírias, palavras chulas, ofensas, e assemelhados. Afinal, em Bel-Ami o ambiente é urbano, de cidade grande & metrópole política, enquanto “Le Rouge...” tem um cenário provinciano, somente localizado em Paris no Livro II.

Quanto ao Narrador, podemos dizer que 'interfere' menos que aqueles nas obras lidas de Stendhal e Victor-Hugo – como todo aquele psicologismo e/ou enciclopedismo. No estilo de Maupassant a voz narrativa apresenta o cenário e as personagens – e o/a Leitor/a que tire as conclusões. (Um estilo que encontramos em Flaubert, e que influenciará os estilos de Hemingway, Sartre, Simone de Beauvoir, André Maulraux, etc)

O vulgar é até comum para o ex-soldado Duroy. Ele não despreza as 'mulheres do amor', mas o caso é que ele não tem dinheiro. Então se limita a ser um 'observador' – a admirar e invejar a diversão alheia. “Os grandes cafés, cheios de gente, transbordavam para as calçadas, expondo o público que bebia à luz radiosa e crua de suas faces iluminadas.” (“Les grands cafés, pleins de monde, débordaient sur le trottoir, étalant leur public de buveurs sous la lumière éclatant et crue de leur devanture illuminée.” I, p. 9)

Até que Duroy encontra o Sr. Forestier, um conhecido de outros tempos. Agora é um cidadão respeitado, “casado e jornalista, em boa situação” (“il était marié et journaliste, dans une belle situation” ) até por que viver bem em Paris é ter um dinheiro excedente e se enturmar nas rodas da vida social. A vida em Paris é viver em teatro, é sempre atuar/interpretar um 'papel', e Duroy sabe ser um 'bom aluno', pois “ele estudava [as atuações] como os atores estudavam os seus papéis” (“Alors il s'étudia como font les acteurs pour apprendre leurs rôles.” II, p. 28)

Mas não será as observações do mundo parisiense que deverão trazer o foco sobre Duroy. Ele foi um soldado nas colônias francesas na África do Norte e tem histórias para contar. É esse conhecimento – obtido in loco – que permite a Duroy atrair a atenção dos convivas numa cena de vida social. E atrair a atenção – sobretudo – das mulheres – leitoras ávidas de 'aventuras'.

Vous êtes irresistible, monsieur Duroy” será uma frase que ele se acostumará a ouvir. Conquista as mulheres e conquista os cargos. O sucesso depdende das relações de amizade e sexo com as 'damas de sociedade'. Até o interessante personagem – o poeta Norbert de Varenne , algo parecido com o Autor – se vê enciumado enquanto duroy comenta suas 'aventuras' na colonização francesa na Argélia,

“O velho poeta, que chegara tarde à fama, detestava e temia os novatos. Ele respondia com um ar pouco gentil.” (“Le vieux poète, arrivé tard à la renommée, détestait et redoutait les nouveaux venus. Il répondit d'un air sec” II, p. 38)

É Forestier quem 'guia' o novato Duroy por dentro do labirinto 'jornalístico'. O novo jornalista deve escrever crônicas épicas sobre as aventuras argelinas. Mas como? Duroy nada entende disso de escrever! Duroy quer ser 'jornalista' – igual ao bem-sucedido Forestier – mas quem escreve a crônica é a Sra. Forestier. E é justamente a Sra. Forestier quem 'joga' Duroy 'em cima' da Sra de Marelle.

Há portanto uma alternância de ambientes – a 'redação' e a 'alcova' – como veremos – pois a vida em ascensão se faz com 'crônicas' sem qualquer talento e com posses amorosas que mentem o orgulho masculino em alta. Na descrição da 'redação' – o ambiente do jornalismo comercial mercenário do La Vie Française, um jornaleco de um judeu burguês cheio de ligações obscuras no mundo político – temos o plano do marido Forestier, respeitado, enquanto no outro plano – a alcova, sabemos que os artigos do jornalista são ditados pela Sra. Forestier – tal como ela fizera com o novato Duroy.

Ferido no orgulho – pois é rejeitado junto aos Forestier, quando novamente solicita ajuda na 'escrita' do artigo, Duroy começa a perceber que escrever não é justmante o meio mais fácil para subir na vida. Daí a outra polaridade – a alcova – se tornar mais importante. A mulher refinada,a amante de classe alta, poderá ser um trampolim para o sucesso.

Não adiante copiar os 'romances folhetins' com passagens 'picantes' e enredos mirabolantes – tudo lugar-comum, como sabemos – pois objetivo do Narrador (e do Autor) é justamente mostrar que o que menos existe no jornalismo (diríamos 'imprensa marrom') é escrita séria, autêntica. É a mesma denúncia de Balzac quando mostra o poeta de província Lucien numa redação de jornal em Paris, no segundo parte de “Illusions Perdues”.

Assim, labutando sobre o não-talento de escritor, Duroy enquanto o tempo passa, almeja antes conquistar a Sra. De Marelle, aquele dama de sociedade, e pouco importa se a Madame é casada. Ele é um pobretão, mas ela quer apenas o amor livre, sem compromisso. A madame que é sensual, engana o marido e vive sem dores de consciência – igual às heroínas de “Relações Perigosas” (de Laclos) – a madame que adora frequentar as taverna de bairros pobres – algo tematizado em Baudelaire, e também em “Orlando”, de V. Woolf, e “Picture of Dorian Gray”, de O Wilde, segundo veremos, quando a diversão dos nobres era se divertir 'prosmicuamente' com os 'de classe baixa', os plebeus.

“Ela responde: “Ó, não, é muito chique. Queria mais qualquer coisa mais divertida (exótica), mais comum, tal um restaurante, onde vão os empregados e operários; adoro as festinhas em tavernas! Ó, se nós pudéssemos ir até o campo!” (“Elle répondit: 'Oh! Non, c'est trop chic. Je voudrais quelque chose de drôle, de commum, comme un restaurant, où vont les employés et les ouvrières; j'adore les parties dans les guinguettes! Oh! Si nous avions pu aller à la campagne!” VI, pp. 115/16)

Assim para manter esta conquista amorosa, Duroy acaba sufocando ciúmes e gastando o dinheiro recém-ganho no jornal ao sustentar os caprichos da amante. Afinal, a mulher é caprichosa – e não aceita os 'caprichos' do homem. Escândalo, vexame: a madame insultada por uma prostituta.
Portanto não causa surpresa o triste e endividado Duroy – se endividando para pagar dívidas... - enquanto mantem uma amizade (respeitosa) com a Sra. Forestier (quanto o marido está doente) a ponto de obter uma indicação para freuqentar o salão da Sra. Walter (a esposa do diretor do jornaleco, aquele judeu ricaço, já mencionado). E Duroy logo fascina as mulheres com um jeito galante e ou ditos irônicos. E realmente é como disse o Sr. Forestier – logo no início do Romance – é “ainda através das ajuda das mulheres que se pode subir na vida”.

Por falar em Forestier, cada vez mais doente, o foco volta-se para à 'redação' do La Vie Française, onde o 'bom' jornalista não tem qualquer escrúpulos. Vejam o encarregado da seção de 'Boatos', o Sr. Boisrenard. O jornalista que “trabalhava tal qual um cego que nada vê, tal um surdo que nada ouve, e tal um mudo que nada fala” (“Il travaillait comme un aveugle qui ne voit rien, comme un sourd qui n'entend rien, et comme un muet qui ne parle jamais de rien.” VI, p. 147) e só tem lealdade pelo editor que lhe paga. Aliás, os jornais vivem de 'escritores mercenários'.

“Pois se procurava, a baixo preço, críticos de arte, de pintura, de música, de teatro, um redator para a parte criminal e um redator sobre hipismo, entre a grande tribo mercenária dos escritores de prontião.” (“Puis on s'était procuré, à bas prix, des critiques d'art, de peinture, de musique, de thêatre, un rédacteur criminaliste et un rédacteur hippique, parmi la grande tribu mercenaire des écrivains à tout faire.” VI, p. 148)

Duroy descobre que até as madames nobres escrevem, usando pseudônimos – assim como no século 18, a literatura francesa teve a Madame de Staël – assim a cultura burguesa 'absorve' os talentos da nobreza, como revela a irônica Sra. De Marelle, “Os restos da nobreza são sempre recolhidos pelos novos ricos burgueses.” (“Les épaves de la noblesse sont toujours recueilles par les bourgeois parvenus” p. 159)

Mas meio a todo este elenco de arrisvistas e hipócritas, há aqui um destaque para uma personagem: o velho poeta Sr. Norbert de Varenne, que trata o jovem Duroy com certo paternalismo, e desabafa pensamentos metafísicos sobre a finitude – uma verdadeira 'seção' a la Hamlet num romance demasiadamente irônico! (Confesso que a parte do romance que mais me emociona – quase animei em traduzi-la na íntegra)

“Ah, é difícil encontrar um homem que tenha amplidão de pensamento, que lhe dê a sensação de um grande fôlego a respirar sobre o mar. Já conheci alguns, eles estão mortos.
Norbert de Varenne falava com uma voz clara, mais contida, que soava no silêncio da noite como se finalmente libertada. Ele parecia superexcitado e triste, de uma dessas tristezas que caem às vezes sobre as almas e deixam-nas vibrantes tal a terra sobre a geada.”
(“Ah ! c’est qu’il est difficile de trouver un homme qui ait de l’espace dans la pensée, qui vous donne la sensation de ces grandes haleines du large qu’on respire sur les côtes de la mer. J’en ai connu quelques-uns, ils sont morts.
Norbert de Varenne parlait d’une voix claire, mais retenue, qui aurait sonné dans le silence de la nuit s’il l’avait laissée s’échapper. Il semblait surexcité et triste, d’une de ces tristesses qui tombent parfois sur les âmes et les rendent vibrantes comme la terre sous la gelée
.” VI, pp. 160/61)

Toda a cena é poética, lírica, de uma profundidade que destoa da mesquinha 'vida de sociedade' da cena anterior. Justamente parece ser este o propósito do Autor, mostrar-se sem hipocrisias na fala da personagem menos inclinada à hipocrisia, pois já se encontra na velhice, já se despedindo da 'vida social'. (Alguns críticos lembram que nesta época o escritor Maupassant já se percebia doente.)

Diz Norbert, “A vida é uma colina. Quando se sobe, se vê o cume, e se sente feliz; mas, logo que se chega lá encima, percebe-se, de repente, a descida, e o fim que é a morte.” ( “La vie est une côte. Tant qu'on monte, on regarde le sommet, et on se sent heureux; mais, lorsqu'on arrive em haut, on aperçoit tout d'un coup la descente, et la fin qui est la mort.” p. 161) pois só pressente a presença da morte ao redor, “Só a morte é certa” (“La mort seule est certaine”)

“E depois então? E a glória? De que serve a glória se não se pode mais colhê-la sob a forma do amor?
“E depois? Sempre a morte para acabar com tudo.
“Eu, agora, eu a vejo tão perto que é preciso estender os braços para afastá-la. Ela cobre a terra e enche o espaço. Eu a descubro em toda parte. Os pequenos animais mortos nas trilhas, as folhas que caem, o fio branco percebido na barba de um amigo, me devastam o coração e grito: 'Ei-la!'”
(“Et puis encore? De la gloire? A quoi cela sert-il quand on ne peut plus la cueillir sous forme d'amour?
“Et puis, après? Toujours la mort pour finir .
“Moi, maintenant, je la vois de si près que j'ai souvent envie d'étendre les bras pour la repousser. Elle couvre la terre et emplit l'espace. Je la découvre partout. Les petites bêtes écrasées sur les routes, les feuilles qui tombent, le poil blanc aperçu dans la barbe d'un ami, me ravagent le coeur et me crient: 'La voilà!'
“ p. 163)

O ser que sente, pensa e fala jamais se repetirá – eia a angústia. (O Existencialismo aprofundará a angústia ainda mais, cinquenta anos depois...) Somente não sofrem os medíocres, sem consciência,

“Por que nós sofremos assim? É que somos nascidos, sem dúvida, para viver segundo à matéria e menos segundo o espírito, mas, devido ao pensar, uma desproporção se fez entre o estado de nossa inteligência ampliada e as condições imutáveis de nossa vida.
“Olhe as pessoas medíocres: a menos que os grandes desastres caiam sobre elas, elas se acham satisfeitas, sem sofrer da desgraça comum. Os animais tampouco não a sentem.”
Pourquoi souffrons-nous ainsi? C'est que nous étions nés san doute pour vivre davantage selon la matière et moins selon l'esprit; mois, à force de penser, une desproportion s'est faite entre l'état de notre intelligence agrandie et les conditions immuables de notre vie.
“Regardez les gens médiocres: à moins de grands désastres tombait sur eux ils se trouvent satisfaits, sans souffrir du malheur commun, les bêtes non plus ne le sentent pas
.” pp. 164-65)

(Uma nota interessante: aqui o poeta menciona a querela românticos X naturalistas, sendo Maupassant o autor que se situa, estilistica e cronologicamente, entre Victor-Hugo e Émile Zola.)
Mas Duroy não se deixa abalar por semelhante tom sinistro, 'baudelairiano' de Norbert de Varenne. Duroy passa a tratar dos boatos, os escândalos da 'alta sociedade', da vida de celebridades – trabalho medíocre para tratar de medíocres. Ele observa os 'grã-finos' e sabe dos 'deslizes' de cada um, ali a zelar pela imagem, no jogo das aparências,

“Esse jogo o divertia muito, como se ele tivesse constatado, sob as aparências severas, a eterna e profunda infâmia do homem, e que isso o tivesse alegrado, excitado, consolado.
Pois ele pronuncia bem alto: 'Bando de hipócritas!'
“Ele via os homens de finanças cuja imensa fortuna tinha por origem um roubo, e eram recebidos em toda parte, nas mansões mais nobres, ...”
Ce jeu l'amusait beaucoup, comme s'il eût constaté, sous les sévères apparences, l'éternelle et profonde infamie de l'homme, et que cela l'eût réjoui, excité, consolé.
Puis il prononça tout haut: 'Tas d'hypocrites!'
“Il vit des hommes de finance dont l'immense fortune avait un vol pour origine, et qu'on recevait partout, dans les plus nobles maisons
, (...)” pp. 167-68)

Em sua ascensão, Duroy percebe os 'bastidores' das ascensões alheias, como se 'joga' no 'cassino' da alta sociedade, o campo de batalha dos interesses egoístas. (em comparação temos o fim das ilusões que atinge Julien Sorel, em “Le Rouge” e Lucien Chardon, em “Illusions Perdues”)

Mas diferente de Sorel e Chardon, aqui em Bel-Ami, Duroy não tem 'escrúpulos de consciência' ao 'subir na vida', ao 'possuir' a mulher do próximo – no caso, a Sra. de Marelle – e em jogar o jogo das aparências, a ponto de ir jantar na casa da amante e travar conversa com o marido traído! (Há toda uma ironia que encontramos no nosso clássico Machado de Assis, principalmente em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, “Quincas Borba” - e trechos de “Dom Casmurro”)

No capítulo VI, da Primeira Parte, temos o 'campo de batalha' da redação do jornal e o 'campo de honra' de um duelo – duelo motivado por querelas entre jornalistas – afinal, a cena de duelo não pode faltar nos romances do século 19 – assim como as tramas de adultério. Temos a cena de duelo no “Eugênio Oniéguin” de Pushkin – o Autor que, ironias à parte, morreu num duelo! - temos o duelo de Julien Sorel, temos o duelo de Victor-Hugo (sim, o Autor!), temos o duelo em “Os Possessos” (ou “Os Demônios”) de Dostoiévski. Outro literato que viveu um duelo fora e dentro da ficção foi o russo Mikhail Lermontov (autor de “Um herói do nosso tempo”, 1840)

Mesmo achando arriscado e idiota aceitar tal duelo – vide também a reação de Julien Sorel, na obra de Stendhal – Duroy não rejeita o desafio,

“Como era besta tudo isso, essas coisas! O que isso provava? Um gatuno era menos gatuno após ter se batido? O que ganhava um homem honesto insultado que arriscava sua vida contra um crápula? E seu espírito vagabundeava neste escuro a se lembrar das coisas ditas por Norbert de Varenne sobre a pobreza do espírito dos homens, a mediocridade das ideias e preocupações deles, a ninharia da moralidade deles!” (“Comme c'était bête tout de même, ces choses-là! Qu'est-ce que ça prouvait? Un filou était-il moins un filou après s'être battu? Que gagnait un honnéte homme insulté à risquer sa vie contre une crapule? Et son esprit vagabondant dans le noir se rappela les choses dites par Norbert de Varenne sur la pauvreté d'esprit des hommes, la médiocrité de leurs idées et de leurs préoccupations, la niaiserie de leur morale!” p. 181)

Mas o duelo ocorre – somente para a volúvel emoção dos leitores – ou, quiçá, principalmente das leitoras. Ninguém é ferido.

O resultado do duelo é outro degrau na ascensão de Duroy. Os outros 'jornalistas' passa a respeitá-lo, e seu estilo é destacado – atinge, então, uma 'reputação'. Passa a morar no apartamento alugado pela amante – deixa assim, o 'cortiço' de subúrbio.

Nessa época, piora a saúde de Charles Forestier – o homem que ajudou Duroy a 'sair da lama' – e é bem possível que a real escritora Madeleine Forestier será em breve viúva. Duroy vai visitar o casal numa 'villa' de Cannes. Aqui as cenas de agonia representam - no plano dramático - a encenação dos devaneios metafísico de Norbert de Varenne em cena anterior (cap. VI) – a morte não é 'tematizada', é demonstrada.

“E Duroy de repente se lembra do que dizia Norbert de Varenne, algumas semanas antes: “Eu, agora, vejo a morte tão perto que é preciso estender os braços para afastá-la.” (“Et Duroy tout à coup se rappela ce que lui disait Norbert de Varenne, quelques semaines auparavant: 'Moi, maintenant, je vois la mort de si près que j'ai souvent envie d'étendre le bras pour la repousser... (...)” VIII, p. 206)

Presenciamos, enfim, a morte de Charles Forestier, as propostas de Duroy à recém-viúva Madeleine, e o encerramento da Primeira Parte do romance.


continua...




ago/set/10


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Bel-Ami (em francês) no Wikisource
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