sábado, 18 de setembro de 2010

sobre a poética de Lord Byron (2/2)








Sobre as obras de Lord Byron (1788-1824)
poeta romântico inglês

Alegorias dramáticas do Herói Romântico

2/2
O lado menos sombrio – ou o mais idealista ou satírico - do poeta romântico
Com o amadurecimento do Poeta – de byroniano a anti-byroniano – enquanto arquiteto e demolidor da imagem romântica do herói, destaca-se as obras onde evidenciam-se a pregação da Liberdade (como é o caso de Chillon) ou a visão satírica das aventuras de um romantizado Don Juan, aquele mesmo das tantas narrativas ibéricas (vide o Don Juan, de Molière e o Don Juan Tenório, de José Zorrilla)

Da mesma época de “Manfred” temos o belo poema “O Prisioneiro de Chillon” (1816), a tratar da ânsia de liberdade e da necessária luta contra as tiranias. O poema abre com um belíssimo soneto, que traduzo,

Eternal Spirit of the chainless Mind!
Brightest in dungeons, Liberty! thou art,
For there thy habitation is the heart -
The heart which love of thee alone can bind;
And when thy sons to fetters are consign'd -
To fetters, and the damp vault's dayless gloom,
Their country conquers with their martyrdom,
And Freedom's fame finds wings on every wind.
Chillon! thy prison is a holy place,
And thy sad floor an altar - for 'twas trod,
Until his very steps have left a trace
Worn, as if thy cold pavement were a sod,
By Bonnivard! - May none those marks efface!
For they appeal from tyranny to God.
.
(“Eterno espírito da desacorrentada mente! / Brilhante na prisão, Liberdade! Tu és, / Pois lá tua habitação é o coração - / O coração cujo amor de ti só pode unir; / E quando teus filhos aos grilhões entregues – Aos grilhões, e à úmida cela em trevas, / A pátria deles conquista com o martírio deles, / E a fama da Liberdade usa asas no vento. / Chillon! Tua prisão é um lugar sagrado, / E teu triste chão um altar; pois pisado, / Até cada passo ter deixado uma marca / Gasta, como se teu frio piso fosse grama, /Por Bonnivard! - Ninguém deve apagar estas marcas / Pois elas clamam da tirania até Deus.” Trad. LdeM)

Esclarecemos: o protagonista é inspirado em François de Bonnivard, um patriota suiço, de Genebra, lutou, no século 16, contra o domínio da Casa de Sabóia, dinastia norte-italiana. O prisioneiro descreve a prisão, lugar sombrio, onde vive seu destino de penitência, junto aos seus irmãos, companheiros de luta. Antro que traz reminiscências da 'caverna de Platão', a alegoria do pensador grego,

They chain'd us each to a column stone,
And we were three-yet, each alone;
We could not move a single pace,
We could not see each other's face,
.
(“Eles nos acorrentaram cada um a uma coluna de pedra, / E éramos três – mas cada um sozinho; / Não podíamos dar um simples passo, / Não podíamos ver a face um do outro,” III, LdeM)

O prisioneiro descreve o desfiladeiro ao redor da fortaleza, onde lá embaixo golpeiam as ondas vorazes, mas o prisioneiro não teme as rochas, antes o prisioneiro sorri ao contemplar a morte nas ravinas,

And then the very rock hath rock'd,
And I have felt it shake, unshock'd,
Because I could have smiled to see
The death that would have set me free
.
(“E então a própria rocha teria tremido, / E eu tenho sentido tremer, não chocado, / Pois teria eu sorriso ao ver / A morte que teria me libertado”, VI, LdeM)

O prisioneiro – inspirado em François de Bonnivard – está preso junto a dois irmãos, aos quais não pode ajudar, enquanto vê impotente a morte deles. Certos críticos apontam aqui uma influência de “Inferno” de Dante, na cena em que o Conde Ugolino sofre acorrentado junto aos filhos.

Como forma de evasão, o prisioneiro se entrega à descrição lírica da Natureza, ao ouvir o canto de um pássaro, com algo de romântico e arcadista, que encontramos, por exemplo, nos poemas de Wordsworth (Lyrical Ballads; Michael, Uma Pastoral) e Keats (Ode ao Rouxinol)

A lovely bird, with azure wings,
And song that said a thousand things,
And seemed to say them all for me!
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(“Um amável pássaro de asas azuis, / E canção que dizia mil coisas, / E parecia dizê-la todas para mim!”, X, LdeM)

Sweet bird! I could not wish for thine!
Or if it were, in wingèd guise,
A visitant from Paradise;
.
(“Suave pássaro! Eu poderia não desejar-te! / Ou se assim fosse, em disfarce alado, / Um visitante do Paraíso;” X, LdeM)

O protagonista chora a morte dos irmãos, presos no mesmo infortúnio. Ainda em seus devaneios, o prisioneiro é libertado, sem saber o motivo – se clemência ou destino. Após tanto tempo de prisão, o prisioneiro havia se acostumado à masmorra, ao escuro e ao frio, esquecera o que é a Liberdade – estava tão alienado da esperança, tanto quanto aqueles acorrentados na caverna da alegoria de Platão,

My very chains and I grew friends,
So much a long communion tends
To make us what we are:-even I
Regain'd my freedom with a sigh.
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(“Ficamos amigos, eu e minhas correntes, / Assim a longa companhia tende / A fazer-nos o que somos: -assim / Eu recuperei minha liberdade com um suspiro.” XIV, LdeM)
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Don Juan, herói byroniano em questão

Este é um extenso poema – incompleto – em 16 Cantos, sendo escrito de setembro de 1818 a maço de 1824, e alguns críticos consideram como uma amostra do amadurecimento do Poeta que assume um tom irônico diante do herói romântico. Herói que a própria obra de Byron ajudara a difundir por toda a Europa letrada, e daí até as colônias europeias.

Em Don Juan evidencia-se (tal qual nos primeiros Cantos de Childe Harold) a destilação (e fermentação) das tantas leituras e vivências – nesta ordem – do Poeta, em suas viagens pela Europa continental. Principalmente o Mediterrâneo, onde se destacam a Itália – ainda não unificada – e a Grécia – dominada pelos otomanos.

Vários autores recebem referência – positiva e negativamente – tais como Homero, Safo, Aristóteles, Juvenal, Horácio, Virgilio, Longinus, Santo Agostinho, Calderón, Shakespeare, Bacon, Congreve, Walter Scott, J. Milton, Dryde, Pope, Wordsworth, Coleridge, Southey, Sotheby, Moore, dentre outros. Vê-se bem o 'cânone' do Bardo romântico. E o Eu-lírico não perde uma oportunidade de citar um autor clássico ou da época – 'mania' que veio a contaminar o 'influenciado' Álvares de Azevedo.

O Eu-lírico narrador apresenta o herói, o protagonista, um hidalgo hispânico, que descende de uma nobre linhagem. A nobreza de nascimento significa nobreza de caráter? Veremos. A Obra e o Leitor é situado na própria narrativa. Situa a voz que narra, situa o poema enquanto 'épico', a estrutura – dividido em doze cantos (enquanto a narrativa se interrompe no 17º) – com muitas aventuras e peripécias. Tudo o que promete um 'romance picaresco' (na melhor tradição que contextualiza um “Don Quixote”)

Mas o Poeta despreza a Prosa tanto quanto despreza os 'clássicos' – desejar “substituir todos os que vieram antes”. Ou seja, o Autor não espera a autoridade de terceiros, de 'grande clássicos'. Cada poeta inventa suas próprias regras ('que ninguém sabe'). Aqui o romântico se liberta dos clássicos – mesmo a conservar a métrica, a rima, o verso, a estrofe. (Mesmo os pós-românticos, o simbolista Baudelaire, e o surrealista Rimbaud, preservam o uso do soneto e das demais formas clássicas.)

My poem 's epic, and is meant to be
Divided in twelve books; each book containing,
With love, and war, a heavy gale at sea,
A list of ships, and captains, and kings reigning,
New characters; the episodes are three:
A panoramic view of hell 's in training,
After the style of Virgil and of Homer,
So that my name of Epic 's no misnomer. (CC)
.
(“Meu poema é épico, e pretende ser / Dividido em doze; cada livro contendo, / Com amor, e guerra, um temporal no mar. / Uma lista de navios, capitães, reins reinantes / Novas personagens; os episódios são três: / Uma panorâmica visão do inferno em processo, / Após o estilo de Virgílio e de Homero, / Assim que meu nome de Épico não é equivocada.” CC, LdeM)

O fazer poético, o mundo literário, as influências, os editores, os críticos, as publicações, tudo é comentado nos versos que se afastam da narrativa propriamente dita – o récit – e se perde em digressões. Ainda mais Byron, um desafeto a estes resenhistas e críticos, estes que criticam e não sabem fazer. Como é famosa a sátira de 1809 contra os 'críticos escoceses' ('English Bards and Scoth Reviewers')

No Canto I temos a descrição do ambiente e personagem, e o início das aventuras, mas a viagem pelo Mediterrâneo é relatada no Canto II, quando ocorre o episódio do temporal, levando a um naufrágio, e – devido a falta de alimentos – ao terrível canibalismo, na jangada à deriva. (Episódio que muito impressionou Álvares de Azevedo, segundo veremos.)

Depois o trágico e macabro episódio, sabemos que Don Juan foi atirado a uma praia, onde será encontrado por uma jovem grega. Ele ainda não sabe, mas está numa das Ilhas Cíclades, ao sul da península grega, e aquela espécie de Nausíaca (a mocinha que recebeu Ulisses na “Odisseia”) mostrar-se-á solícita e amável, a ponto de se apaixonar pelo jovem descenturado.

É assim que conhecemos a bela personagem Haidée, aquela mocinha apaixonada que será o refúgio de ternura para o herói sedutor (e seduzido!). Haidée é mais uma idealização de amor feminino do que uma realidade – ou melhor, é mais um contraponto as mulheres de antes e depois, na vida do herói. Haidée consegue unir desejo e ternura – enquanto as demais, no máximo, despertam desejo.

Assim esse 'Ulisses' moderno é salvo por sua 'Nausíaca' – e é o leitor (ou leitora) que espera o affair desse Don Juan. Mas haverá um sério impedimento – o pai da mocinha, como veremos. De início, a afeição resolve tudo. Como se comunicam? Ele não sabe grego, ela não sabe espanhol... Então, romanticamente, será o amor o nobre mensageiro...! Assim são várias stanzas dedicadas ao restabelecimento - e enamoramento – de Don Juan.

O eu-lírico – o Autor, o Poeta Byron – interrompe vez ou outra a narrativa para comentar ou ironizar. Quando Juan e Haidée tentam se comunicar, o Autor comenta os métodos de aprender idiomas com as jovens, principalmente belas jovens, e de que não foi assim que ele 'aprendeu' o inglês, “Tanto inglês eu não pretendo falar, / Ao aprender tal idioma com seus pregadores.” Em suma, o autor não perde uma oportunidade para ironizar os hábitos dos ingleses. No mesmo tom de um Swift (século 18) ou de um Oscar Wilde (século 19/20) .

Mas continuemos no idílio amoroso de Juan e Haidée. É assim amar e ser amado. Terá Juan esquecido os amores de outrora? Pois os sentimentos mudam; sabemos que o amor é inconstante (ainda que o Autor se revolte contra essa 'inconstância', nada pode fazer...), visto que o coração muda com o dia e a noite, e as nuvens, as estações. O Poeta odeia o amor efêmero e busca um 'amor constante'. (O mesmo ideal de Petrarca e Camões, como podem ver...)

O Eu-lírico não perde oportunidade de julgar o protagonista, a trama, a narrativa ('récit'), a desvelar as possíveis simbologias, onde certamente Haidée é uma espécie de Beatrice, aquele símbolo do amor singelo (ainda mais na primeira paixão de uma virgem) Este paralelismo (ou paródia, no sentido de 'narrativa paralela') se situa em relação a Dante e também Milton (se Eva pode ser a heroína da história), pois tratam-se de personagens femininas trágicas, pois as “tragédias findam-se em morte”, segundo sabe o Poeta.

O idílio de Juan e Haidée será interrompida e destruída pela chegada de um antagonista, o próprio pai da jovem grega. É justamente a intervenção do pirata Lambro que possibilita o ápice dramático. O pirata vem a cruzar os mares para afundar o amor dos jovens. Aqui há todo um conhecimento geográfico do Autor. Cenários no mar Mediterrâneo, o mar Egeu, o norte da África. Cenário das tantas sagas gregas, a Odisseia de Ulisses em sua volta para Ítaca...

O pirata Lambro é aquele tipo digno de sagas de piratas. Um homem astuto e paciente, acostumado ao comando, de temperamento forte. Acostumado às explorações marítimas, saque de outros povos. O personagem é moldurado pela descrição de belezas e riquezas da cultura grega e otomana. (Lembrar que a Grécia, na época, estava sob domínio otomano, e a Monarquia grega começaria em 1833 – durando até 1973, ora contando com apoio alemão ou britânico. Byron morreu justamente nas lutas de independência da Grécia, em 1823-24)

Em homenagem à Grécia há um poema dentro do poema, com 16 estrofes, entre as stanzas LXXXVI e LXXXVII, numa espécie de hino à cultura helênica – no mesmo sentimento que encontramos no Canto II de Childe Harold. Esta é uma parte de muitas referências, farta erudição. Em relação às chansons, baladas, Dante, Goethe, Homero, Shakespeare, Coleridge, Wordsworth, mais digressão, mais referências, a Ariosto, Horacio, Southey, mais Wordsworth, mais Homero, e Pope, Dryden, Boccaccio, ah, tantas leituras! É até pedante esta insistência autoral em ficar citando suas miríades de leituras – apesar de toda a fineza da ironia. (Está aqui a 'mania' do nosso romântico Álvares de Azevedo – em listar miríades de leituras e autores!)

Mas estou digressando”, se desculpa o Autor, sempre perdido entre leituras e vivências, out of time, fora do tempo, em vários tempos, em vários lugares, reais e imaginários – este 'esfumaçamento da realidade' também encontramos em poemas de Álvares de Azevedo, instáveis em épocas e lugares.

Isto porque o Autor – apossando-se do Narrador/Eu-lírico – permite-se divagar sobre o leitor ideal, imaginado, para o qual o escrito 'aparecerá exótico', aquele esperado “leitor gentil” a espera de algum conto exótico (aqui para rimar com “Quixotic”, quixotesco), “Ao leitor gentil do nosso clima sóbrio / Este modo de escrita aparecerá exótico” (“To the kind reader of our sober clime / This way of writing will appear exotic,” Canto IV, VI) O 'clima sóbrio' é uma referência a Grã-Bretanha, e seus habitantes, que 'torcem o nariz' para as digressões iconoclastas do Bardo – coisa que Sterne e Swift sempre provocaram, ou Rabelais e Voltaire, na França.

De digressão em digressão, atrasa-se o triste desenlace do idílio amoroso entre a jovem Haidée e o aventureiro Juan. Por que deve morrer um amor tão jovem, tão sincero? Até o Autor se comove... Algo aqui de “Romeo and Juliet” - e de Tristan & Isolda, com algumas referências a um tal rouxinol ('nightingale') – símbolo romântico por excelência, vide a peça de Shakespeare e a ode de Keats (Ode to a Nightingale).

Mas a presença do pirata Lambro – a interdição ao 'amor livre' – a autoridade paterna – a força de repressão – vem macular as estrofes onde a moça Haidée sente alegria e aflição, esperança e medo, enquanto Juan imagina-se diante de uma ameaça – mas é desprezado pelo prepotente patriarca. Eis o momento dramático (para arrepiar as leitoras!) quando Juan enfrenta o pirata e seus capangas. Ali o pai que Haidée obedece em submissão – e roga para que Juan também seja submisso! A moça se coloca entre o pai e o amante – quase dizemos que ela se oferece em sacrifício... A filha enfrenta o pai em nome da paixão. Mais romântico, impossível...!

Mas Juan é ferido ao enfrentar os piratas e em seguido vai preso para um navio, que deve seguir para o Oriente. O Narrador se comove com as 'vicissitudes' que narra – um jovem rico e belo, Don Juan, a sofrer assim por causa de um aamor sincero. (As leitoras, certamente, se comovem...) Haidée sofre de amor, enquanto Juan é embarcado para ser vendido como escravo. O herói sofre nas feridas o que a jovem sofre no peito. É quando Haidée morre de amor em ultraromântica poética narração. A Beleza morre em nome do Amor, pois “Mais cedo ou mais tarde o Amor é o seu próprio vingador” (LXXIII) E ferido e algemado, D Juan está no navio que navega para a Turquia, onde será um pobre escravo entre outros tantos prisioneiros.

Quem são os demais prisioneiros? Vítimas de piratas, de corsários, de turcos armados até os dentes. Há uma trupe de artistas italianos – que inserem comédia na tragédia: ironias com o universo italiano [absorvido nas leituras/ vivências, pois os Cantos III e IV foram escritos em 1820, quando Byron morava na Itália]. Em suas digressões, o Autor precisa encerrar o Canto IV, e debate-se como narrar para agradar leitores e editores, como manter um 'estilo' – tal um Ariosto ou um Fielding – como sobreviver para a posteridade. Tudo isso NO poema!

No plano narrativo, temos o mercado de escravos – uma 'salada' de nacionalidades. Uma digressão sobre a escravidão, a desumanização do Outro, o uso (compra e venda) de pessoas, um mercado mantido pela “Sagrada Porta” (ou seja, o Império Otomano). Pachás negociam escravos para algum grão-vizir ou para o Grande Sultão. Mas o canto já finda, por demais longo. No próximo, o leitor saberá para onde vai o herói Don Juan.

O Canto V abre com digressões autorais sobre 'poetas passionais' ('amatory poets'), certamente os sentimentais, que se envolvem nos relatos, enquanto discute a 'impessoalidade' de Platão, Ovídio, Petrarca, mestres de 'estilo'. Enquanto isso descreve a fronteira entre Europa e Ásia, ali no Mar Egeu. O Bósforo, o Ponto Euxino, e a bela Constantinopla. Seus recursos estilísticos são a mescla de conhecimento geográfico britânico da época mais mitologia grega (um estilo meio Defoe mais Homero...)

No meio dos escravos, o protagonista se destaca – tinha uma 'aparência de inglês' ('English look') ao permanecer altivo, com sangue-frio. (Aliás, este Don Juan é um hispânico demasiadamente anglo-saxão...!) Um outro escravo busca fazer amizade com jovem tão distinto meio a multidão de miseráveis. Juan não tem aparência de 'cão servil'. Aqui toda uma visão eurocêntrica dos povos orientais – onde se confundem turcos, russos, caucasianos, armênios, etc – no que são marcados pelo 'exótico' – povos curiosos para a ávida curiosidade dos leitores europocêntricos.

É este o choque cultural entre o Ocidente e o Oriente que foi muito explorado nos chamados 'contos orientais' – Lara, Giaour, Sardanapalus – onde as personagens exóticas, de turbante e sabres desfilam a sequestrarem mocinhas indefesas. E eis ali o cristão Juan meio aos servos turcos, como se fosse mercadoria de troca! Ah, a bela decadência do nosso bom mocinho europeu!

O Poeta não poupa ironias ao 'desmitificar' as 'fantásticas viagens' aos países estrangeiros, que 'qualquer idiota' publica e 'exige aplausos'. Aliás, o que não faltava na Inglaterra e França eram os livros sobre viagens, relatos de viagens, paródias de relatos de viagens, como os clássicos “Robinson Crusoé”, de Defoe, e “Viagens de Gulliver” de Swift, ou “Cândido” de Voltaire (mais inspirado nas 'digressões' dos ensaios de Montaigne...)
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À narrativa se mesclam considerações sobre o narrar, sobre outros narradores, sobre as circunstâncias em que se processam o ato de compor e escrever, sobre a época da escrita, sobre as leituras antigas e recentes – tudo forma um mosaico que enreda o leitor – no espaço de poucas stanzas, o Autor faz referências à mitologia grega, narrativas bíblicas, clássicos latinos, costumes ingleses, anedotas italianas, considerações filosóficas cheias de ironia.

É difícil acompanhar as voltas e reviravoltas, as vicissitudes deste herói picaresco Don Juan de Byron – que os críticos consideram diferente daquele Don Juan tradicional do folclore ibérico, típico das comédias de um Tirso de Molina – pois se o hispânico é mulherengo, debochado, e até perverso, em Byron, o Juan é seduzido, é sincero (e por isso irônico) e sempre a lutar pelo que considera justo.
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Sendo Don Juan a obra final de Byron, deixada pois incompleta, não podemos deixar de comparar com a primeira – Childe Harold – e observar as mutações, avanços e retrocessos da arte poética do Autor. Há claras diferenças. Se Harold é melancólico, é um tanto Hamlet (assim como Manfred é um anti-Fausto), Juan é um sujeito vitalista, instintivo, aventureiro, irônico.

Contudo, se traçamos um plano comparativo, a personagem mais plena – mais shakesperiana, digamos –, da obra Duan Juan, é a jovem grega Haidée – bela , singela, bucólica. Mais uma ninfa salvadora do que uma adolescente. É a presença de um sentimentalismo deveras 'lírico' num poema que se destaca pelo 'satírico'.

Na verdade, todo o meu interesse – enquanto leitor – se esgota após a morte de Haidée. Há um exagero digressivo (julgado 'estilístico) quando o essencial já foi dito. [Assim como é difícil ler os exageros cultistas de um Padre Vieira ou as figurações fáusticas-barrocas de Faust II.] Ler a sátira pela sátira não faz, hoje, mais sentido. Para ler Don Juan – e entender quem são os 'ironizados' – precisaremos de notas de rodapé.

Se comparamos Autor e Protagonistas, podemos dizer que Juan é o Byron errante, exilado – não o jovem nobre entediado, aquele Harold, cheio de sonhos. Pois os sonhos foram destruídos em contato com a realidade – esta mesmo descrita no poema final – onde encontramos naufrágios, canibalismo, piratas, escravidão, exploradores, cossacos, mercenários, e não aquela natureza maravilhosa, aqueles amores eternos, aqueles heróis nobres, aqueles patriotas que morrem pela dignidade.
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Influências da Poética de Lord Byron
nas artes plásticas e na música

A poética arrebatada de Lord Byron influenciou não apenas outros poetas, mas também pintores, escultores e músicos. Um pintor que se notabilizou por espírito romântico é William Turner (1775-1851), na Inglaterra, que se inspirou em Byron. O pintor Eugène Delacroix inspirou no Prisioneiro de Chillon para fazer um expressivo quadro. Também o artista William Daniell (1769-1837) retratou Bonnivard aprisionado.
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Entre os músicos, temos Paganini, Liszt, Strauss, Wagner, com destaque para o compositor L H Berlioz (1803-1869), que musicou não apenas Byron (obra 'Harold na Itália', 1834), mas também Goethe (a obra 'Danação de Faust', 1848)
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jul/ago / 10

por Leonardo de Magalhaens
http://leoleituraescrita.blogspot.com

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Notas


(1)“Seja como for, o romantismo é um fato histórico e, mais do que isso, é o fato histórico que assinala, na história da consciência humana, a relevância da consciência histórica. É pois, uma forma de pensar que pensou e se pensou historicamente. Com efeito, o Romantismo é antecedido pelo Século das Luzes, que abandonou uma visão de História que se mantivera pelo menos formalmente, apesar da contestação maquiavélica do Renascimento, desde a instauração do Cristianismo. [...]


Mas o Romantismo pôs de lado não só o enfoque teológico judio-cristão, como também a concepção clássica da história, porque no século XVIII, embora já se fale de uma história natural das instituições, e pensamento dominante é aquele que considera a História como produto das 'vidas ilustres', do sábio, filósofo, herói, rei, gênio, cuja razão e ação (rei-filósofo, déspota esclarecido), ainda que às vezes toldadas pelas paixões e pagando por estas falhas trágicas o preço heróico, iluminam e melhoram o homem, produzindo o aperfeiçoamento ou progresso nas suas instituições. [...] p.14


“assim, porque tudo se faz 'história' no romantismo, a História se faz então 'realidade', integrando historiograficamente o estudo do desenvolvimento dos povos, de sua cultura erudita e de seu saber popular (folclore), de sua personalidade coletiva ou espírito nacional, de suas instituições jurídicas e políticas, de seus mores e práticas típicas, de seus modos de produção e existência material e espiritual, cada vez mais nas linhas de um tempo cada vez menos mítico ou idealizado. [...] p. 18


artigo de Guinsburg, “Romantismo, Historicismo e História” em “O Romantismo”, GUINSBURG, J (org.) SP: Ed. Perspectiva, 2002. 4a ed.


(2)“O amor romântico oscila entre extremos de abnegação e sacrifício, quando exaltado, e de libertinagem e deboche suicida (“Rolla”, de Musset), quando decepcionado. Mas sempre em íntima relação com o estado de fruição estética, incorporando a antecipada melancolia que o envenena diante da transitoriedade da beleza “Beauty that must die” - que Keats exprimiu na sua “Ode on Melancholy”, o amor é, como dirá Max Scheler, mais a consciência reflexiva do amor do que o próprio amor. Fantasma do desejo insatisfeito e indefinido, o amor será,a ssim compreendido, um autêntico paradigma da sensibilidade romântica, de que foi a motivação psicológica fundamental e o tema prioritário.


O pathos da rebeldia, implícito ao individualismo egocêntrico, desse desejo insatisfeito e indefinido, sublinhou-se no satanismo, transformando a sede de conhecimento e de poder na causa de um conflito dramático de proporções teológicas, pelo qual o homem não é o único agente responsável. Como potência espiritual externa de atuação ambígua, maléfica e benéfica, de que o homem se aproxima, com quem pactua por vontade própria, e contra quem se debate, Lúcifer, anjo caído e acólito de Deus, instiga a sede do poder e do conhecimento, a fim de tornar a consciência, tal como no Manfred de Byron, presa da morte e da consciência de culpa. Adversário e aliado, antagonista necessário que transfigura a árvore do Bem e do Mal na árvore da vida, ao encorajar o homem a, infringindo as interdições de Deus-Pai, defrontar-se com o seu destino e com a morte, Satã, fonte do vigor do espírito e da imaginação para William Blake, “aquele que fala aos homens nos desejos do coração e nos sonhos da alma” (Vigny), é o símbolo maior da sequiosidade ambivalente da alma romântica, de sua introversão, de seu desdobramento interno, do conflito entre as suas aspirações ideais e a sua impotência real: símbolo de tudo isso que o Primeiro Fausto de Goethe, já num plano que ladeia e supera o Romantismo, captou sintetizou como trágico embate do destino humano.


A ascensão e a descensão, a subida e a queda vertiginosas, verdadeiros padrões retporicos, que tipificam, na lírica e no romance, a conduta espiritual dos românticos, acompanharam a 'turbulência fáustica' em que se forjou 'o escudo de sublimação ou do ideal do eu' [RÓHEIM, Géza]” (p. 73)

Artigo “A Visão Romântica” de Benedito Nunes, em “O Romantismo”, GUINSBURG, J (org.) SP: Ed. Perspectiva, 2002. 4a ed.

O Autor lembram também os heróis de Victor Hugo, o 'Childe Harold', de [Lord] Byron, o herói romântico e seu 'titanismo'.
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