sábado, 25 de setembro de 2010

sobre a obra poética de Álvares de Azevedo




Os românticos (ensaio 2)

sobre a obra poética de Álvares de Azevedo
(1831-1852)
poeta romântico brasileiro
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Idealização juvenil do herói romântico
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No Brasil, o Romantismo representou o primeiro movimento cultural de espírito nacional (ou nacionalista, como queiram) quando sentiram a necessidade de representar (ou se identificar) como um 'espírito nacional' – a terra idealizada, assim como, na Europa, os poetas, os literatos re-criavam suas 'pátrias', ao resgatar um passado mítico, de sagas e fábulas.

Sim, um 'passado mítico', pois o passador é sempre uma re-leitura com o olhar do 'presente'. Ainda mais quando se precisa explicar o 'presente'. Quando uma 'identidade' é formada (assim como se formavam os Estados-Nações), quando um povo precisa dar um 'sentido' à cultura compartilhada (o que faz um suiço ser suiço? Ou um inglês ser inglês?), quando o dizer do Eu é ainda um dizer coletivo.

Mas o nacionalismo não convence muito. O Romântico idealiza a pátria, imagine então o mundo estrangeiro! Na ânsia de 'transportar' um modelo estranho para um tema nacional o literato acaba por confundir sonhos com delírios. Nem é um 'estranho' nem é um 'nacional'. Forma e conteúdo até se contradizem. (Nem vamos adentrar muito nesta questão).

Nosso Autor aqui é Álvares de Azevedo, o mais byroniano dos byronianos, que imagina brumas londrinas nos sertões brasileiros, e espectros de castelos medievais em casarões da avenida Paulista. O 'ultra-romantismo' chega a ser mais cômico que trágico se lermos com um olhar 'pós'-moderno. Se compararmos 'sonhos e delírios' britânicos (e europeus) com sonhos adolescentes de um estudante brasileiro da metade do século 19 – quando o Positivismo já semeava o vindouro Naturalismo...

Álvares é um leitor compulsivo, um leitor assombrado pelos autores clássicos, pelas paisagens europeias, pelos dramas europeus, pelos heróis europeus, como poderia ser um 'autor nacional'? Entre os autores lidos e citados por Álvares de Azevedo em dedicatórias, epígrafes, citações, referências, em suma, habitando o universo de suas leituras e releituras, digressões, diálogos, influências, podemos listar,

Bocage, Camões, Shakespeare, Cervantes, Victor Hugo, Lamartine, Musset, Georg Sand, Schiller, Goethe, Homero, Horácio, Dante, Leopardi, Molière, Gautier, Dumas, Vigny, Shelley, Byron, Cooper, Moore, Ossian, Uhland, Jó, Jeremias, Chenier, Alexandre Herculano, Spronceda, para ficarmos entre os principais.

Não encontramos referências a Poe, Baudelaire, Rimbaud ou Lautréamont, todos estes famosos após 1850. Época na qual Álvares já escrevia os poemas frutos das leituras de meio século – e até antes, não faltando referências aos clássicos renascentistas, barrocos, etc.

Muitas leituras e releituras criam um espírito crítico no Poeta enquanto escritor angustiado pela influência (para retomarmos a metáfora de H Bloom), ao dissociar-se em Poeta leitor e Poeta autor. Esta dissociação está presente nos indícios de 'metalinguagem' – o poema aborda o 'fazer poesia' – abundante em “Lira dos Vinte Anos”.

Há uma crise nos séculos como nos homens. É quando a poesia cegou deslumbrada de fitar-se no misticismo e caiu do céu sentindo exaustas as suas asas de oiro.”

A figura do Poeta enquanto gênio, ou louco (“a poesia é decerto uma loucura”), errante, amaldiçoado, carregando um corpo que mantem a alma reclusa, ou servindo para divertir os insensíveis,

“Deixem-se de visões, queimem-se os versos.
O mundo não avança por cantigas (...)”
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“Um poeta no mundo tem apenas
O valor de um canário de gaiola...”
(Um cadáver de Poeta)
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Mas, ao mesmo tempo, a Poesia surge como uma possibilidade de superação, de ascensão diante da finitude, de eternizar-se,

Os poetas passados e futuros
Vou todos ofuscar... Aqui no cérebro
Tenho um grande poema. Hei de escrevê-lo,
É certa a glória minha
!”

Mas somente a lírica individualista e ultra-romântica de Álvares não bastaria para 'eternizá-lo' (não no Meu Cânone) mas a capacidade de despersonalizar-se, de criar enredos onde os protagonistas são representações dos dramas subjetivos. São os 'poemas' que tecem 'narrações', os 'poemas narrativos'. As histórias se entrelaçam nos versos não em prosa.

Os 'poemas narrativos' na Obra de Álvares de Azevedo são “O Poema do Frade”, “O Conde Lopo”, ao lado do drama “Macário” e os contos macabros de “A Noite na Taverna”. O poema narrativo de Álvares tem uma inspiração no modelo romântico de Byron, mas não meramente 'cópia'. O autor tinha consciência de disso – tanto que assim ironiza a personagem lírica Nini, em “Boêmios”,

Um outro só com isso dera a lume
Um poema em dez cantos. Sou conciso,
Não ouso tanto: dou somente ideias,
Esboço aqui apenas meu enredo
.”

Uma referência clara e não exatamente elegíaca aos tantos cantos de “Don Juan” , de Lord Byron, um extenso poema narrativo que ficou incompleto devido a morte do autor. É composto de 12 Cantos.

O ensaio não visa situar o romântico brasileiro como 'imitador' do Bardo britânico, mas, ao comparar, falar tanto de semelhanças quanto diferenças.

Por mais que Álvares tenha se influenciado, ele se diferencia pelo 'idealizado', enquanto Byron 'idealizou' e também 'vivenciou'. O ler sem vivenciar é apenas uma 'digestão' da 'tradição literária'. Segundo percebemos no poema “Ideias Íntimas”, onde a tradição literária é re-evocada pelos nomes de Ossian, Lamartine, Shakespeare, Goethe (“fantástico alemão”), Musset,

“Um sonho de mancebo e de poeta, / Eldorado de amor que a mente cria / Como um Éden de noites deleitosas... / Era ali que eu podia no silêncio / Junto de um anjo... Além o romantismo! (...)
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A mesa escura cambaleia ao peso / Do titâneo Digesto, e ao lado dele / Childe-Harold entreaberto ou Lamartine / Mostra que o romantismo se descuida / E que a poesia sobrenada sempre / Ao pesadelo clássico do estudo.” (II)

“Marca a folha do Faust um colarinho / E Alfredo de Musset encobre às vezes / De guerreiro ou Valasco um texto obscuro.” (III)

Referências à Victor Hugo, Lamennais, Georg Sand, Bonaparte (as batalhas de Wagram e Marengo, com a idealização do líder, do Poder, enquanto Redentor)

“As águas de Wagram e de Marengo / Abriam flamejando as longas asas / Impregnadas do fumo dos combates, / Na púrpura dos césares, guardando-o. / e o gênio do futuro parecia / Predestiná-lo à glória. (...)”(IV)

Mais ainda: os amores do Poeta são Amadas idealizadas devido a tantas leituras,

Que Elviras saudosas e Clarissas, / Mais trêmulo que Faust, eu não beijaria, / Mais feliz que Don Juan e Lovelace / Não apertei ao peito desmaiado!” (X)

“Junto do leito meus poetas dormem / - O Dante, a Bíblia, Shakespeare e Byron - / Na mesa confundidos. [...]” (XI)

O Poeta não teve tempo para viver e amar – então viveu e amou nos clássicos literários. Foi um seduzido e vitimado pela Literatura ! Basta listarmos as citações “Hinos do Profeta” na Parte I de “Lira dos Vinte Anos”,

Um canto do século”
(“Passei como Don Juan entre as donzelas, / suspirei as canções mais doloridas / E ninguém me escutou...”
“Que liras estaladas no bordel! / E que poetas que perdeu o mundo / em Bocage e Marlow! “
“Fora belo talvez, em pé, de novo / Como byron surgir – ou na tormenta / O homem de Waterloo; / com sua ideia iluminar um povo, / Como o trovão da nuvem que rebenta / E o raio derramou! // Fora belo talvez sentir no crânio / A alma de Goethe e resumir na fibra / Milton, Homero e Dante / - Sonhar-se, num delírio momentâneo, / A alma da criação e o som que vibra / A terra palpitante!”

Ao digerir leituras – as mais vastas, as mais sombrias e as mais iluministas – o poeta passa a sentir sua 'ambiguidade', sua 'dupla alma'. Na Segunda Parte de “Lira dos Vinte Anos” encontramos a noção de Álvares sobre a 'dupla alma' do artista: Byron e o anti-Byron na mesma pessoa.

“Nos mesmos lábios onde suspirava a monodia amorosa, vem a sátira que morde.
É assim. Depois dos poemas épicos Homero escreveu o poema irônico. Goethe depois de Werther criou o Faust. Depois de Parisina e o Giaour de Byron vem o Cain e Don Juan – Don Juan que começa como Cain pelo amor, e acaba como ele pela descrença venenosa e sarcástica.”

Coabita a 'alma dupla' do poeta o idealismo e o choque da realidade – vemos isso ao compararmos os Cantos I e II e depois III e IV do Childe Harold de Byron. Uma coisa é escrever poesia, outra é achar poesia no mundo. Se no mundo não há, então volta-se ao idealizado.

É no contato com o idealizado – ou seja, com o que o Poeta imagina apartir de sus leituras, influências, devoções, que surge a polifonia. O poeta abre um 'diálogo' com outros autores – e os textos sinalizam outros textos. Pois Álvares abre um diálogo com as obras de Byron.

Podemos apreender um trecho de “Conde Lopo” em relação a “Childe Harold”,

“Amigos – não os tinha / como o Childe de Byron – mais ainda / Desgosto amargo do viver – tão fundo / Não lhe roera o coração -” (Canto I, IV)
Comparar com Canto I, X de “Childe”, “If friends he had, he bade adieu to none.” (“Se ele tivesse amigos, não diria adeus a nenhum”)

As obras “Childe Harold”, “Don Juan”, “Manfred”, “Mazeppa” e “Cain” são as mais citadas por Álvares de Azevedo, ao lado de obras de Dante, Shakespeare e Goethe. Também Homero e Victor Hugo recebem referências. Tudo é uma digestão de leituras, mas não exatamente absorção. Coisa de 'antropofagia' da qual somente os Modernistas serão capazes.
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Poemas de Álvares de Azevedo
http://www.revista.agulha.nom.br/avz.html
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O Conde Lopo

Os diálogos entre personagens – Lopo, o Banqueiro, o Fantasma, Inês, O Moço Louro, Cavaleiro Gastão, o Mancebo - dentro do poema configuram “Conde Lopo” no estilo de poema em drama (ou drama em verso). Há toda uma tensão entre as 'muitas vozes' que compõem o poema.

O Conde Lopo se entrega aos vícios e ao jogo – e perde sua fortuna. É um devasso que despreza qualquer futuro. Mas tem consciência de sua miséria ao referir-se a si mesmo,

“O Conde Lopo já morreu – eu hoje / sou um pobre vivente sem amigos, / Sem travesseiro ao menos pra a fronte, / Que não as lajes de enlameadas ruas.” (Canto V, VII)

Mas quem é o Conde Lopo? É um mistério, um enigma. “Minha sina / É um mistério – como o mar – profundo; // O Conde Lopo / Ninguém o conhecia – era um mistério / sua passada vida – negro abismo / O seu imaginar – ninguém pudera / Obter-lhe história dos transatos anos.”
e faz referência ao Childe de Byron...

O 'herói byroniano' já é uma idealização. Os 'heróis byronianos' de álvares são idealizações de uma idealização. Vejamos assim o Conde Lopo, o Jônatas (do Poema do Frade), Bertram e Claudius Hermann (de Noite na Taverna) e Macário.

No poema “Conde Lopo” o idílico e o trágico (ou 'eros e tânatos' ) se confundem, pois amor e morte estão entrelaçados (assim é na poesia romântica, assim é no The Raven, de Poe...)

“Beber-lhe os trêmulos beijos, / Vê-la mórbida em ansejos, / Quase morta de desejos, / O colo arfar-lhe e tremer. [...] e num beijo que inebria / vinho e amor – de amor morrer!” (Canto II, II)
No Canto III temos uma verdadeira “Invocação” ao Lord Byron,

Misterioso Bretão de ardentes sonhos”, “poeta altivo das brumas de Albion”, “foste poeta, Byron!”, “Bardo sublime das Britânias brumas”, e “- E riste, Byron, / Que do mundo o fingir merece apenas / Negro sarcasmo em lábios de poeta. / foste poeta, Byron!”

Uma verdadeira “angústia da influência” disseminando de autor para autor – vejamos que Byron vivia em 'ágon' com os clássicos e os pré-românticos - que faz com que o influenciado se identifique com o influenciador, seja um cúmplice na 'zombaria' diante do mundo,

“Vem, pois, poeta amargo da descrença, / Meu Lara vagabundo - / E co'a taça na mão e o fel nos lábios, / Zombaremos do mundo!”

ou ainda, no Canto III (Prelúdios),

Poeta – acordarei meus hinos dalma / Os mais ternos – por ti!”
ainda mais se considera as paixões como 'contaminadas' de idealismo, onde o amor seria igual a mais outra ilusão,
“Não te deixes amar, que amor na terra / É sonho falso e vão -” (Canto III, IV)

Zombarias típicas de um Conde Lopo, sempre em exageros de luxúria e desperdício. O protagonista é tão 'mão aberta' que até o barqueiro já conhece a fama! (Digamos que vem lembrar aquele Gatsby, de Fitzgerald, um século depois! Com suas festanças e gastanças...)

Mas o amor – aquele suspeito de idealismo – é o que traz crença ao cético Lopo,

“Fundia-se-lhe o gelo da descrença! / amava – e amar é crer – já não pensava / Nessas fugidas ilusões mentidas / Que em chumbo ardente lhe tornaram a alma.” (Canto III, VI)

O 'amor' enche a mente de delírios – terreno fértil para os românticos (vide como a paixão foi essencial para os entrelaçares líricos de um Keats tendo visões ao ouvir os trinados de um rouxinol...!)

No Canto IV o corcel em corrida - “como o Ucrânio potro de Mazeppa” (VI) - é a mesma imagem de “Mazeppa” de Byron – já referido, na Invocação, assim, “como o galope do corcel da Ucrânia”. Não tratamos sobre “Mazeppa” no ensaio sobre a poética de Byron, mas esclarecemos tratar-se de um poema baseado na estória de nobre ucraniano que sofreu o suplício de ser amarrado a um cavalo, que logo é precipitado em selvagem correria por todo tipo de vegetação e terreno acidentado. Este conto também foi inspiração para o russo Pushkin (escreveu “Poltava”) e para uma ópera de Tchaikovsky de mesmo nome.
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O Poema do Frade

É um poema extenso, em oitavas decassílabas (versos heroícos e sáficos), onde há poesia sobre a poesia, considerações do Narrador/Eu-lírico para o Leitor imaginado,

“Escutai-me, leitor, a minha história / É fantasia, sim, porém amei-a. [...] Escrevi por que a alma tinha cheia / - Numa insônia que o spleen entristecia - / De vibrações convulsas de ironia!” (XIV)
A zombaria transpõe o texto, quando o Narrador não poupa os críticos,
“Mas a crítica, não... eu rio dela...” (XV) e “A crítica é uma bela desgraçada / Que nada cria nem jamais criara;” (XVI)

Eis algo inerente nos românticos : o desprezar a Crítica – vemos o quanto Byron atacava os críticos,principalmente os demais poetas e os críticos escoceses (vejam “English Bards and Scotch Reviewers”, 1809) onde o desprezo aos críticos é aquele de um criador (ou de uma mãe) quando atacam sua obra (ou seus filhinhos).

Zombaria dentro do texto não falta, onde o Narrador não poupa a Personagem,
“Meu herói é um moço preguiçoso / Que viveu e bebia porventura / como nós, meu leitor; [...]” (XXIV)
É assim que o Narrador chega a ironizar o personagem romântico (e os tantos ditos poetas que andam por aí),
“Dizer que em poeta – é coisa velha: / No século da luz assim é todo / O que herói de novelas assemelha. / vemos agora a poesia a rodo!” (XXV)
Zombaria que só não se estende para os próprios versos, veículo da censura dos outros. O poeta irônico se julga mais criativo, mais original, mais peculiar. Ainda mais quando assume buscar a inspiração no álcool, no Vinho, o êxtase báquico,

“Então a inspiração lhe afervorava / E do vinho no eflúvio e nos ressábios / Vinha o fogo do gênio à flor dos lábios” (XXVI)

No jovem poeta encontramo uma reflexão sobre a própria poética, num exemplo de metalinguagem onde o eu-lírico no poema fala sobre o poema,

“Prometi um poema, e nesse dia / em que a tanto obriguei a minha ideia, / Não prometi por certo a biografia / do sublime cantor desta Epopeia.” (Canto I, XXXIV)

Pois explicita, “não quero contar a minha vida”, numa referência a Lord Byron, que confunde a vida e a obra, nos versos de “Childe Harold” e “Don Juan”.

O protagonista aqui é Jônatas apaixonado por uma cortesã, uma prostituta, aqui, vista como ser amaldiçoado. Enquanto o amor (desejo sexual, imaginemos) é visto como 'gozo efêmero', um carpe diem na vida breve,

“Misérrimos de nós! Nossa existência / O hoje abrange e só, vermes de um dia! / Ontem foi de um anelo a impaciência / Um desejo fogoso que incendia!” (Canto II, XIX)

Consuelo é o nome da “cândida e bela mulher”, na descrição da beleza e da sedução. Mas a voz que narra que suas auto-censuras. O Eu-lírico narrador volta-se para o(a) leitor(a), “Se quereis, meu leitor, saber agora / O que a isto seguiu-se – eu não o digo , / Porque senão minha leitora cora:” (XXVII)

O Canto seguinte é um mosaico, fruto de tantas leituras, pois o Eu-lírico não desabafa vivências, mas destila os mil enredos outrora 'devorados'. (O bom escritor enquanto bom leitor. Borges e Calvino que o digam!)

O Canto III configura-se diverso, não tem mais oitavas, mas sextetos, com disposições de rimas variadas. Ocorrem citações de comédias de Molière, e as personagens dramáticas de Shakespeare (Hamlet, Falstaff). O próprio Eu-lírico comenta a mudança da estrutura métrica,

Como varia o vento – o céu – o dia, / como estrelas e nuvens e mulheres, / Pela regra geral de todos seres, / Minha lira também seus tons varia, / e sem fazer esforço ou maravilha / troca as rimas da oitava p'la sextilha' (Canto III, V)

e o Eu-lírico 'se apresenta', “Falemos sem rodeio e com verdade: / Estre livro escreveu um pobre frade.” (VI) E acaba que o Eu-lírico fala de si-mesmo – o velho frade – e esquece o tal Jônatas... Um frade muito 'byroniano', aliás. Entregue à luxúria, ao vinho, ao 'mundo prostituto', ao charuto. Principalmente o charuto! “Só amores guardei ao meu charuto!” (VIII), “Viva a fumaça lânguida e cheirosa!” (IX), “Só peço inspirações ao meu charuto” (X), “Só tu não mentes não, ó meu charuto!” (XVII)

O Eu-lírico se dirige aos leitores (“Vós, bardos nutridos de amargura” (XXIII), para que venham compartilhar a 'mágoa tanta', “Vinde chorar a minha desventura” (XXIII)) O poema nada mais é que um fruto de mágoas & tristezas & saudades. As lágrimas regaram esta safra de versos, onde as palavras não passam de lápides de sentimentos. Imagens de morte & luto & melancolia se infiltram nestas stanzas.

Toda uma Poesia advinda da idealização de Dor & Perda. As imagens invariavelmente sugerem idílios & trevas & brumas, tudo se esfumaça nos vapores de um charuto... Meio a fumaça vemos a narrativa de Jônatas e Consuelo...

As imagens de suicidas (“o gélido cadáver do suicida”(XXVII), “Perguntai-o da insônia aos arrepios, / De Werther o suicida aos lábios frios!” (XXXVII), “taça do mistério do suicida” (XLIII)) são recorrentes, pois se o jovem poeta não alcança o mundo idealizado do amor idílico (“amor, ébrio desejo”, “vento de amor que nos delira”) ele prefere se apagar na morte.

O sofrimento de 'perda do ideal' é semelhante à tortura de Prometeu! (XLVI). O amor – enquanto idealização do ser amado, a bela donzela, a 'belle dame sans merci', de Keats - deixa o 'peito exausto' tal aquele do insano Faust (XLVII), vitimado pelas tantas imagens literárias, idealizadas.

É visível a imagem idealizada – romântica – da mulher, sempre donzela, lânguida e perfumada (em contraponto a 'rameira', prostituta, devassa), pois no padrão, ou fora do padrão, esta 'mulher' é uma idealização do desejo dos homens. A mulher amada está no 'inalcançável', logo na perda de 'Eros', sobra apenas o 'Thânatos', a morte?

A morte é aquela mesma que desperta a dúvida de Hamlet (em Shakespeare) – 'ser ou não ser' – diante da sepultura – há algo além ou é tão-somente o 'sono eterno' – e o sofrer antevisto do suicida, “E tu dormes, suicida? ... e à noite infinda / Que sonhos roçam-te o livor sombrio?” (LX)

Nem família (pai, mãe) nem pátria seguram o suicida à vida. Mais referências às personagens de Byron (“Don Juan dormido, / De fome, sede e frio embranquecido” (LXIX), “Não veio Haidéa, não ao naufragado” (LXXI), que delimitam as fronteiras do idealizado não-vivido. O exemplo de suicida é um personagem de poesia...

Mas quem é o poeta sem o choro da musa? É pois Consuelo quem chora junto a Jônatas, “enlouquecera / Junto ao amante a mísera Consuelo” (LXXIX), “por que era morto aí o libertino / Jônatas – o cantor da vida impura” (LXXXI)

No Canto IV, o Eu-lírico se dirige à própria Consuelo. “Por que és tão bela, ó pálida Consuelo?” (I), “E quem te não sonhou? Desses perdidos / Que o gênio a suspirar beijou em fogo;” (V), “E tão pálida e bela! Seminua, / As pálpebras do sono em véu sombrio,” (XII), onde a musa parece mais como uma mulher idealizada do que propriamente real. A plena idealização da mulher – mais amada quanto mais inalcançável! São as 'mulheres de nuvens' que os realistas tanto criticam.

Referências às protagonistas – travestidas de 'heroínas românticas' - de dramas de Shakespeare, seja Julieta (“Romeo and Juliet”) seja Cordélia (“King Lear”), “Ou da Julieta, pálida, risonho / Por seu belo Romeu ardia em sonho?” (XVI), “Suspiros de Romeu na despedida, / A sua Julieta desmaiada! / Blasfêmias do Rei Lear, beijo sem vida / Nos lábios de Cordélia inanimada!” (XX)

Também há referências à mulher oriental – que tanto fascinou Lord Byron, em suas 'oriental tales' – como uma fêmea exótica, mais 'caliente' e sedutora que a europeia. “Tarde! Quem não te amou, minha sultana? / Quem tão árido eivou a mente insana” (XXVI) A mulher que serve ao desejo NÂO é aquela que serve à idealização 'vaporosa'.

É visível a distinção – quando o Poeta busca uma Musa, ou quando busca uma Amante. (Algo que encontramos nos poetas barrocos – vide Gregório de Matos – e no simbolista Baudelaire ) A virgem 'vaporosa' de Álvares de Azevedo é aquela que encontraremos ainda nos sonhos e pesadelos de Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Souza, sempre inalcançável, e quanto mais inalcançável, mais louvada.

E sempre virginal e vaporosa / Pensativa de amor, volutuosa...” (XXVII) diante da qual o Poeta se apercebe de seus 'sonhos de amor', e o eu-lírico se interpela, se adjetiva, por isso,
“Acorda-te, ó poeta macilento! / Acorda-te, meu peito, ao sentimento,” (XXXII) e “Acorda-te, meu peito moribundo, / Às visões juvenis de um outro mundo!” (XXXIII)

Mas onde se situa o Poeta? Que ambiente o acolhe ou rejeita? No Canto V temos a descrição da natureza idílica e ao mesmo tempo sombria – um tom ultraromântico a ambiente arcadista, pleno de 'beleza gótica'. Afinal, trata-se de um cenário funesto, um cemitério. O coveiro a cantarolar enquanto abre uma cova – plenamente a lembra outras cenas trágico-cômicas, em Hamlet (Shakespeare) e Faust (Goethe).

“Era um canto sombrio – era o coveiro / Que nas urzes, cantando, um fosso abria: / e no lábio o sarcasmo zombeteiro / Na cantiga fatal estremecia!” (VII)

Esta visão da morte, o morrer na juventude – e sempre ser jovem na morte, tal a alegoria do vampiro – é também o que conservou a beleza de Julieta – pois como escreveu Keats, 'a beleza deve morrer', e como lembrou Poe, 'a morte da jovem amada, a bela mulher, é o tema mais trágico de todos',

“Tão bela! Parecia adormecida!... / Era o sono... porém não o da vida!” (XII) e “Assim a noiva de Romeu dormia - / A pálida Julieta regelada -” (XIII)

É a mesma visão trágica de Ofélia morta (em Hamlet), aquela do morrer de amor. E o Narrador se desculpa diante de tanta morbidez, “É sombrio, confesso-vos, meu canto: / E obscuro demais, o que é defeito,” (XVI) e ainda mais se compararmos aos clássicos (“Não teve o Dante mágoa mais profunda...”, XVII), em referência às cenas medonhas de “Inferno”.

Após o pesadelo 'dantesco' é que o Eu-lírico escreveu, “Escrevi o meu sonho. Nas estâncias / Há lágrima e beijos e ironias,” (XXII) e passa a 'dialogar' com o leitor, “Vai, que tu sofres, implorar – sedento / Um remédio de amor a teu destino!...” (XXIV) e “E agora – boa noite eu me despeço / Desta vez para sempre do poema:” (XXVI) e também, “Se eu gostasse dos versos eloquentes, / como eu descreveria bem rimados” (XXVII)

O poeta se esforça para conter a ironia – e não “profanar as ilusões na lira” (XXVIII) e percebe que é preciso se despedir, eis uma longa despedida em 24 stanzas! Há aqui algo de Hamlet, de Faust, de Ossian, meio às loas à Natureza, a interlocutora-mor para os arcadistas e os românticos de primeiras gerações,

Adeus! Tudo que amei! O vento frio! / Sobre as ondas revoltas me arrebata,” (XXXVIII),

é a evocação da Natureza, um cenário a espelhar os sentimentos – “ventos avendiços”, “lânguida baía”, “brisas sussurrantes”, “vagabunda lua”, “vales cheirosos” - o natural é descrito pleno em subjetividade, não 'objetivado' como será depois no Realismo/ Naturalismo.

Ainda sobra tempo e versos para referências ao 'herói byroniano' quando morre, “eu todos vos amei! Cri no mistério / Que o libertino Don Juan levava,” (XLVIII), o mesmo D Juan - “Ergue-te, libertino!” em “Sombra de D. Juan”.

O byroniano enquanto herói byroniano morre, eis notificada a 'angústia de influência'.
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Mais que uma Noite de ébrios numa Taverna

Entre a poética e a prosa, na mescla de ambas, destaca-se os contos de “Noite na Taverna”, obra que sempre gerou polêmica. Morbidez, sadismo, satanismo, tudo reunido sobre o rótulo 'ultra-romântico'.

Mais que uma simples noite de bebedeiras e farra, mais que um conjunto de contos de terror e romantismo, temos uma cena a resumir o clima de época para os jovens românticos – entre o ideal e o real, entre o espiritualismo e o materialismo.

No embate entre a Razão e a Embriaguez, debate-se imortalidade da alma, metempsicose, platonismo, niilismo, ceticismo, para definir o que seria a vida e o que seria a morte – não-vida? Outra-vida?

Para Solferi, “a vida não é mais que a reunião ao acaso das moléculas atraídas”, no que é prontamente refutado por Archibald, “o materialismo é árido como o deserto” e “A nós os sonhos do espiritualismo”.

Mas Solferi é aquele que se debate em meditações, para o jovem, o porto do ceticismo é o fanatismo, “Se entendes por ele os ídolos que os homens ergueram banhados de sangue, e o fanatismo beija em sua inanimação de mármore de há cinco mil anos... não creio nele!” No que recebe o apoio de Johann, “Verdades religiosas, visões santas... miragens do deserto

Para os debatedores, o ateísmo é tão louco quanto o idealismo e o panteísmo, pois a verdadeira filosofia é o epicurismo, o Prazer. Daí reunidos todos em torno de um lugar comum: beber, fartar-se de vinho. “Embriagai-vos!”(“Enivrez-vous!”), um dia dirá o simbolista Baudelaire.

E meio à bebedeira o que não falta é erudição. Basta ver as epígrafes, às referências à “Hamlet” e “Romeo and Juliet” (Shakespeare), “Cain” e “Childe Harold” (Byron), Corneille, Alexandre Dumas. Clássicos e autores românticos se encontram nas leituras desvairadas do jovem Autor.

A narrativa de Solfieri tem como cenário a cidade de Roma, “Cidade Eterna”, “cidade do fanatismo e da perdição” - que será também cenário do romance “O Fauno de Mármore”, de Hawthorne, como veremos. A donzela-vítima – virgem pálida – numa trama de necrofilia, se não caso de catalepsia (vide o conto de Poe, “Berenice”), para depois a moça realmente morrer.

Tudo é tão mórbido, grotesco, exagerado, que os bêbados duvidam da narrativa - “Solfieri, não é um conto isso tudo?” - criando uma atmosfera de 'acredite se quiser' (semelhante a muitos contos e obras de Conrad, “Heart of Darkness” e “Lord Jim” - onde há um Narrador – Charles Marlow - que se situa em relação a uma plateia deveras cética.) Estes ouvintes céticos parecem animar o locutor a aumentar, a superdimensionar as narrativas já bizarras.

Quando é a vez de Bertram, este se entrega à aventuras na Espanha – tal qual o Childe Harold e o D. Juan – com referências à Desdêmona de Othelo (da peça de Shakespeare), “Andaluzas! Sois muito belas!” e “Senhores! Aí temos vinho d'Espanha, enchei os copos: - à saúde das espanholas!...” Claro, trata-se de uma Espanha idealizada, bucólica e festiva.

Aqui o amante da mulher casada, situação em que o marido faz papel de Otelo (e sabemos que Otelo acaba por matar Desdêmona, no drama shakespeariano), mas, surpreendemente, eis que a espanhola degola o marido! E ela também assassina o próprio filho! Eis a mulher enquanto Medeia: criminosa em nome da paixão. O moço foge com a adúltera assassina – mas depois ela o abandona. Depois o moço seduz uma virgem, rapta a jovem, perde no jogo, e vende a amante, que mata o novo 'amo' e afoga-se. Uma romântica sucessão de tragédias. (É que a Humanidade ainda não tinha vivenciado o século 20...)

O Narrador – Bertram – tece considerações sobre si-mesmo, “Eis aí quem eu sou: se quisesse contar-vos longas histórias do meu viver, vossas vigílias correriam breves demais.” Quem sou? O que 'narrou'? O que sabemos sobre quem 'narra'? As histórias se pretendem reais – ou tudo um excesso de leituras de clássicos românticos? A própria narrativa – com idas e vindas, avanços e retrocessos, interrupções, divagações – cria um clima de sonho, onde é a fantasia que seduz. O 'espírito crítico' é entorpecido, o leitor se deixa levar à galope.

Não pode faltar a cena de suicídio. Mas o moço se joga ao mar e é salvo. (Lembra aquela cena de Manfred, de Byron, quando o mago vai se jogar ao precipício, e é salvo por um caçador) . Aqui é mais trágico: o moço, em seu desespero, acaba por afogar seu salvador. Acaba sendo salvo pelo capitão – apenas para depois seduzir a mulher do capitão e causar mais tragédias. Bertram tem prazer em se menosprezar, é um masoquista – ou melhor, um sádico para consigo mesmo.

Há uma cena que tem referência àquela em Don Juan, de Byron, onde há uma jangada à deriva, em pleno Mediterrâneo, sem víveres, o que acaba por levar os náufragos ao canibalismo. Também encontramos referências aos “anjos perdidos de Milton”, da obra “Paradise Lost”, de John Milton, um clássico do século 17.

No mais, o conto de Bertram é cético, irônico, niilista, decadentista, gótico, sadomasoquista, onde há fatura de ceticismo e cinismo. Nisso, adentra um velho. Diz ter corrido muito mundo, foi poeta (outro?...!) a ponto de citar uns e tantos autores – Sêneca, Bocage, Dante, Shakespeare, Marlowe, Byron...

“Sêneca o disse: - a poesia é a música. Talvez o gênio seja uma alucinação e o entusiasmo precise da embriaguez para escrever o hino sanguinário e fervoroso...”

O velho sai. Fim da interrupção. Saberemos o que ocorreu na jangada (canibalismo?) Não sem antes as digressões – ao estilo Swift – sobre 'o que é o homem?', com mergulhos no Humanismo, na seara de Cervantes e Shakespeare. “O homem é uma criatura perfeita?”

Pois bem, não é. Temos a mesma antropofagia na jangada – vide o Canto II, XL a CXI, de Don Juan, de Byron – onde o tutor de Juan é devorado pelos demais náufragos. Aqui a sorte – ou azar! - cai sobre o capitão... o capitão agônico que ainda tem esperanças... e luta pela vida. O Narrador se volta para a plateia – tal um Iago em cinismo,

“O valente do combate desfalecia... caiu: pus-lhe o pé na garganta, sufoquei-o e expirou...
Não cubrais o rosto com as mãos – faríeis o mesmo... Aquele cadáver foi nosso alimento dois dias...”

Antes que o sono do torpor alcoólico venha, há outro recurso – chamar a taverneira, “Olá, taverneira! Bastarda de Satã!” - para encher as taças de vinho.

O próximo a falar de amor, morte e bebida é o artista Gennaro. Aprendiz de pintor no ateliê de um pintor, onde nutre paixão pela jovem mulher do mestre. Sempre e sempre a figura da mulher, entre bela e trágica. E, como se não bastasse, o mestre tem uma filha jovem, que seduz e é seduzida, e percebe-se grávida... Mas o moço ama a jovem esposa do mestre, não a filha que se entrega... A mocinha grávida definha até tirar a própria vida... cena trágica... o pai chora a morte da filha, e o moço seduz a jovem esposa.

É quando o mestre decide livrar-se do aprendiz tão nefasto: no alto de uma ravina, o discípulo deve julgar o próprio crime: atira-se ao abismo. “O velho riu-se: infernal era aquele rir dos seus lábios estalados de febre. Só vi aquele riso... Depois foi uma vertigem...” Mas, como vaso ruim não quebra fácil, o moço sobreviveu. No dilema de pedir perdão – ou se vingar. Mas o mestre se envenenara junto com a jovem esposa infiel.

Em seguida, outro conviva é narrador. Com epígrafe de “Hamlet”, e referências às obras de Petrarca, Shakespeare, Goethe, e Byron, o conto Claudius Hermann é um desafio dentro do próprio narrar – pois cada relato parece competir em horror. “Pois bem! Quereis uma história?” Os bêbados dizem que o moço está deveras 'romântico'! Claudius, cuja fala é poética, é um homem rico, e viciado em jogo.

“- Romantismo! Deves estar muito ébrio, Claudius, para que nos teus lábios secos de Lovelace e na tua insensibilidade de D. Juan venha a poesia ainda passar-te um beijo!”

O moço apaixona-se por uma senhora nobre, e adentra os aposentos da dama, embebedando-a, e seduzindo-a; passa a esconder-se sempre na antecâmara – até ousar raptar a duquesa – a idealização da mulher é sempre presente – 'ela é minha ou de ninguém mais', parece ser o lema do apaixonado. E é o mesmo que sofre quando a Mulher não aceita a idealização, não corresponde à adoração. Pois a mulher prefere morrer do que amar o raptor, este que se derrete em promessas de luxos e luxúrias. Claudius está tão ébrio que nem finda a história... assim é Arnold quem conclui a tragédia.

Mas então o foco está em Johann, um jogador, que numa questão de jogo, não hesita em travar um duelo. (Aliás, que romance romântico clássico do século 19 não tem ao menos uma cena de duelo? ) O narrador descreve um duelo com um moço louro. Depois o encontro com a 'amante' do moço. Para completar a tragédia, a moça seduzida é irmã do narrador...!

Tamanha é a bebedeira que os convivas adormecem. Um mulher adentra a taverna, apunhala Johann e acorda Arnold. A mulher revela-se uma prostituta. Arnold – ou seria Artur – é o 'moço louro'. (Há um romance romântico de J. Manuel de Macedo, de 1845, com esse mesmo epíteto, “O Moço Loiro”) Quem é a dama da noite? É Giorigia, a irmã do funesto (e agora defunto) Johann. Giorgia se envenena – e Arnold-Artur se apunhala e cai sobre ela. Mais “Romeu e Julieta” é impossível. “A lâmpada apagou-se.”

Percebe-se que desde a descrição do ambiente de orgia até o final trágico há uma cadeia de elos, uma narrativa a adentrar a outra, completando-a. Por exemplo, lancemos um foco sobre este final. Arnold não contou sua (dele) história ao ficar 'estranho à conversa'. Só quando ele se manifestou no conto de Claudius, é que Johann começou a história do tal moço louro, chamado 'Artur'. Depois sabemos quem é, de fato, o Artur. Saímos do 'plano narrativo' e caímos na realidade – dentro de uma ficção! É assim que as histórias se completam – igualmente aquelas bonecas russas, uma dentro da outra.

A necessidade de viver outras vidas e outros mundos é o que basicamente move estas viagens poéticas (e de poema em prosa) de Álvares de Azevedo, no impulso de viver o que jamais poderá viver – eis o que move 90% das narrativas fantásticas, de um Hoffmann, de um Poe, de um Borges, onde o autor basicamente ousa o que jamais ousaria no 'plano da realidade' , um plano demasiadamente prosaico e comu. A fantasia surgiria como um 'escape' desta mesmice que agride a alma de artista, de poeta, de literato.

O poeta Álvares de Azevedo não viveu – nem teve tempo para isso – mas fez o que lhe era humanamente possível no momento: leu e quase releu, mesmo sem tempo para digerir as leituras, de absorvê-las e remontá-las numa obra própria. Contudo mesmo no exercício da cópia, no veneno da influência, o poeta juvenil foi capaz de deixar sua voz, de se eternizar enquanto símbolo dos 'bons morrem cedo' ('the good die young'), do 'morra jovem' ('die young') , do 'viva como um suicídio' ('live like a suicide'), que será a glória dos 'ultra-românticos' do século 20, de Jim Morrison a Ian Curtis.

jul/ago/10
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