quinta-feira, 26 de maio de 2011

sobre 'As Crônicas Marcianas' - de Ray Bradbury








sobre “As Crônicas Marcianas” (The Martian Chronicles, 1950)
série de contos de Ray Bradbury


A Literatura desbravando o Espaço


A série de contos que se passam em Marte – ou tratam da colonização de Marte – tematizam as aventuras, as vicissitudes e conquistas dos primeiros exploradores espaciais. Conheceremos os pioneiros da conquista aerospacial, os primeiros tripulantes de foguetes rumo ao Planeta Vermelho.


Como seriam as primeiras missões tripuladas? Como elas encontrariam o planeta vizinho? Outras civilizações – amigáveis ou hostis ? Seria possível montar bases no planeta em cooperação com os nativos? Ou seria preciso fazer guerra? Como seriam os conflitos no espaço?


Aliás, a presença dos exploradores do Espaço é também importante nos primeiros livros de Isaac Asimov, integrados na história dos Espaciais (nas série dos Robôs e do Império Galáctico)
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mais sobre os Espaciais de Asimov
http://pt.wikipedia.org/wiki/Espaciais
http://en.wikipedia.org/wiki/Spacer_(Asimov)
http://en.wikipedia.org/wiki/Settler_(Asimov)
http://en.wikipedia.org/wiki/Robots_and_Empire


Os pioneiros que dependem de toda uma indústria da exploração espacial, com investimentos em tecnologia e foguetes que avancem rumo ao vazio fora da nossa atmosfera. Muitos dos primeiros projetos de foguetes foram desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mundial, principalmente nos governos totalitários do III Reich e da URSS, onde os técnicos recebiam ordens 'de cima' para criarem foguetes cada vez mais poderosos, capazes de carregarem cargas (explosivas) através de longas distâncias.


Com a derrota do III Reich – invadido por ingleses, norte-americanos e russos – os projetos dos nazistas foram carregados para os países vencedores, e também muitos técnicos emigraram – voluntaria ou forçadamente – para os novos centros de poder hegemônico – os Estados Unidos e a URSS. Nos EUA as pesquisas com foguetes foram novamente desenvolvidas pelo engenheiro alemão Wernher von Braun (1912-1977), enquanto na URSS os projetos eram conduzidos pelo engenheiro ucraniano Sergei Korolev (1906-1966). A luta pela hegemonia mundial – durante a chamada Guerra Fria (1947-1991) levou os líderes dos EUA e da URSS a se interessarem igualmente pela hegemonia espacial, em disputa na 'Corrida Espacial'.

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mais sobre a exploração espacial na Guerra Fria
http://pt.wikipedia.org/wiki/Exploração_espacial
http://pt.wikipedia.org/wiki/Corrida_espacial
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Wernher_von_Braun
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sergei_Korolev
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Em “As Crônicas Marcianas”, publicadas nos anos 50, foram os norte-americanos quem venceram a 'corrida espacial' e primeiramente se lançaram em expedições tripuladas até os planetas exteriores, possíveis locais da instalação de novas colônias. Enquanto um Gagarin, um russo, seria o primeiro homem a chegar ao espaço em 1961, e a primeira missão tripulada à Lua seria de norte-americanos em 1969, nos primeiros passos da 'conquista' espacial, ainda em 1950 essas proezas soavam como 'ficção científica'.

Na ficção de Bradbury, Marte (ou Tyr, na mitologia nórdica) é um planeta habitável e habitado, com um ar de todo rarefeito, canais de água e terreno pedregoso – algo como o Meio-Oeste norte-americano, o deserto do Arizona, ou o sul-americano Deserto do Atacama. Cientificamente, Marte é inabitável, sem ar e sem água. Não há explicação definitiva para os canais – resto de rios? Falhas geológicas? Obra de civilizações?

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Marte na Wikipedia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Marte_(planeta)
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Podemos fazer algumas comparações quantos às temáticas das Crônicas Marcianas e de A Guerra dos Mundos de H. G. Wells – neste os marcianos invadem a Terra, naquele é o oposto: os terráqueos colonizam Marte.


Em A Guerra dos Mundos de H. G. Wells , os marcianos atacam a Terra e acabam derrotados (não por nossa ciência ou armamentos) mas pelos vírus terrestres. Em Crônicas Marcianas de Bradbury, os marcianos sofrem com a chegada das expedições terrestres, usam telepatia para auto-defesa, mas acabam contagiados pelos vírus (da varicela, ou catapora, ou chicken-pox) trazidos pelos terráqueos – há, assim, um genocídio marciano! Assim como muitos nativos das Américas morreram em contato com as doenças dos europeus (portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, principalmente)


“O planeta Marte, pouco preciso lembrar ao leitor, gira ao redor do sol numa distância de 240.000.00 quilômetros, e a luz e o calor que Marte recebe do sol é cerca de metade do que recebe este mundo [a Terra]. Deve ser, se a hipótese da nebular for verdadeira, mais velho que nosso mundo; e bem antes esta terra terminar de ser moldada, a vida sobre sua superfície deve ter começado a existir. O fato de ter quase um sétimo do volume da Terra deve ter acelerado seu resfriamento até a temperatura na qual se inicia a vida. Tem ar e água e tudo o que é necessário para abrigar vida animada.

É ainda vão o homem, e tão cego em sua vaidade, que nenhum escritor; até o fim do século dezenove, expressou qualquer ideia que vida inteligente deveria ter se desenvolvido lá, ou realmente afinal, além do nível terrestre. Nem era geralmente entendido que desde que Marte era mais velho que a nossa Terra, com pouco menos de um quarto da superfície e mais distante do sol, segue-se necessariamente que é não apenas mais distante do início do tempo, mas bem mais próximo do próprio fim.” (capítulo 1, The Eve of War, 'A Véspera da Guerra')

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The planet Mars, I scarcely need remind the reader, revolves about the sun at a mean distance of 140,000,000 miles, and the light and heat it receives from the sun is barely half of that received by this world. It must be, if the nebular hypothesis has any truth, older than our world; and long before this earth ceased to be molten, life upon its surface must have begun its course. The fact that it is scarcely one seventh of the volume of the earth must have accelerated its cooling to the temperature at which life could begin. It has air and water and all that is necessary for the support of animated existence.
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Yet so vain is man, and so blinded by his vanity, that no writer, up to the very end of the nineteenth century, expressed any idea that intelligent life might have developed there far, or indeed at all, beyond its earthly level. Nor was it generally understood that since Mars is older than our Earth, with scarcely a quarter of the superficial area and remoter from the sun, it necessarily follows that it is not only more distant from time's beginning but nearer its end.
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link para The War of the Worlds
no Wikisource
http://en.wikisource.org/wiki/The_War_of_the_Worlds
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Que poderes possuem os enigmáticos marcianos? Constroem canais de irrigação e arranha-ceús? Ou preferem pirâmides e estátuas antropomórficas? Desenvolveram a anti-gravidade? Construíram naves espaciais e artefatos bélicos? Podem ousar uma invasão ao nosso desprotegido planeta? Ou seus poderes não são apenas técnicos, mas desenvolveram poderes não-físicos tais como clarividência, projeção astral e telepatia? Principalmente telepatia, segundo percebemos deste o primeiro conto/crônica, “Ylla” e “Homens da Terra”.

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Os Marcianos 'recolhem' as lembranças dos terráqueos e depois criam ilusões, projeções, até 'materializam' telepaticamente os acontecimentos e sensações, além de pessoas do passado – como uma imensa 'realidade alternada' que não passa de armadilha. Assim as três primeiras expedições são eliminadas – um completo fracasso para os 'colonizadores'.


Podemos comparar o poder telepático dos marcianos com o 'Oceano' que materializa pensamentos e desejos em “Solaris” do autor polonês Stanislaw Lem (1921-2006)


Solaris na Wikipedia
http://es.wikipedia.org/wiki/Solaris_(novela)
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na página do Autor S. Lem
http://english.lem.pl/works/novels/solaris/2-introduction

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Devido ao poder telepático, as crianças marcianas cantam 'rimas' sem sentido, as mulheres passam a esperar homens que nada se parecem com os marcianos, as memórias dos viajantes invasores é compartilhadas pelos habitantes do mundo invadido. Os marcianos podem 'falar inglês' porque telepaticamente capturam na mente alheia os mecanismos da linguagem.


Através da telepatia – e por causa de alguma demência ou loucura – os marcianos podem projetar 'espectros' como os médiuns terrestres projetam 'ectoplasmas' ao redor de si mesmos. Ectoplasmas que tomam formas corpóreas, antropomórficas, frutos dos 'desvarios' dos loucos telepatas. Assim, um dos primeiros capitães terrestres é exterminado – e com ele os oficiais da tripulação – quando os médicos marcianos acreditam estarem diante de um louco!


A capacidade de gerar todo um mundo por projetação telepática – fazer o outro 'ver e sentir' o que o telepata deseja – é uma das armas dos marcianos para derrotar os viajantes invasores. Toda uma tripulação é recepcionada por um mundo deveras familiar – na verdade, 'sugado' da mente do capitão – e encontram entes queridos já falecidos. Telepaticamente é criada uma cidade idêntica àquela do capitão, que logo desconfia que algo está errado. Mas é tarde demais.


“Suponha que todas estas casas não sejam reais afinal, esta cama não seja real, mas apenas frutos da minha própria imaginação, que ganharam substância através da telepatia e da hipnose dos marcianos, pensava o Capitão John Black. Suponha que estas casas sejam realmente de outra forma, de uma forma marciana, mas, ao jogarem com os meus desejos e vontades, estes marcianos tenham feito com que pareçam iguais às de minha cidade natal, minha velha casa, para distrair-me de minhas suspeitas. Que modo melhor de enganar um homem do que usar seus pais como isca?



“E suponha que estas duas pessoas no quarto ao lado, adormecidas, não sejam meus pais afinal. Mas dois marcianos, inacreditavelmente brilhantes, com a habilidade de manter-me sob esta hipnose onírica durante todo esse tempo.” ('A Terceira Expedição')
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“Suppose all of these houses aren't real at all, this bed not real, but only figments of my own imagination, given substance by telepathy and hipnosis through the Martians, thought Captain John Black. Suppose these houses are really some other shape, a Martian shape, but, by playing on my desires and wants, these Martians have made this seem like my old home town, my old house, to lull me out of my suspicions. What better way to fool a man, using his own mother and father as bait?”

[…]

“And suppose those two people in the next room, asleep, are not my mother and father at all. But two Martians, incredibly brilliant, with the ability to keep me under this dreaming hypnosis all of the time.”
p. 59



O fato é que os marcianos conseguem 'colocar fora de combate' as três primeiras expedições, mas ainda uma quarta expedição vem aterrissar, em junho de 2001 – realmente uma data muito simbólica, vide “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, filme de Kubrick com roteiro de Arthur Clarke.

A expedição sob comando do capitão Wilder – sempre os militares na frente! - será aquela que encontrará as primeiras ruínas da civilização marciana, que mostrou-se frágil diante de uma coisa básica, simples e controlada pelos terrestre: os vírus e suas viroses. Pois ao entrarem em contato com os terrestres das expedições anteriores, os marcianos se deixaram infectar – e fatalmente!

Os mesmos vírus que derrotariam os marcianos quando aqui eles chegassem – em “A Guerra dos Mundos” de Wells – derrotam os marcianos em casa – assim como os nativos das Américas, os peles-vermelhas, os apaches, os sioux, os cheyene, os tupis, os tapajós, os timbiras, e tantos outros, foram exterminados pelas espadas, pelo fogo e pelas viroses.


As expedições até Marte se assemelham assim as invasões europeias do continente americano ao longo dos séculos 16 a 18, e depois a conquista do Oeste no século 19, com a 'corrida do ouro' e a anexação do Alaska – como mostram os contos de Jack London. Os viajantes invasores não hesitam em se apossar das terras, poluir as águas, dominar a natureza e lucrar. Tudo aquilo que o Chefe Seattle temia que o 'homem branco' fizesse com as terras dos povos tradicionais. Os nativos sempre conviveram integradamente com a Natureza, enquanto os povos europeus pensam apenas em usar os recursos naturais de forma exploradora.

Indiferentes aos marcianos que morreram de uma simples catapora ('chicken pox'), os terrestres surgem como uma ameaça ao meio ambiente marciano. Fato logo percebido por um dos tripulantes, o inteligente e amargurado Spender,


“Não seria correto, na primeira noite em Marte, fazer confusão, montar algo estranho e ridículo como um forno. Seria uma espécie de blasfêmia importada. Haverá tempo para isso mais tarde; tempo para jogar latas de leite-condensado nos orgulhosos canais marcianos; tempo para que exemplares do jornal New York Times possam voar e flutuar e cobrir o fundo dos oceanos marcianos, solitários e cinzentos: tempo para que cascas de bananas e restos de piqueniques nas delicadas ruínas das velhas cidades marcianas lá no vale. Muito tempo para tudo isso. E ele até estremeceu intimamente com o simples pensamento disso.” ('A lua ainda brilha')
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“It wouldn't be right, the first night on Mars, to make a loud noise, to introduce a strange, silly bright thing like a stove. It would be a kind of imported blasphemy. There'd be time for that later; time to throw condensed-milk cans in the proud Martian canals; time for copies of the New York Time to blow and caper and rustle across the lone gray Martian sea bottoms; time for banana peels and picnic papers in the fluted, delicate ruins of the old Martian valley towns. Plenty of time for that. And he gave a small inward shiver at the thought.” p. 63

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A expedição do Capitão Wilder será um referencial importante para vários outros contos – como a primeira a encontrar o que restou dos nativos – ao apresentar os primeiros duelos entre preservadores e exploradores, digamos. Enquanto a tripulação preocupa-se em 'se estabelecer', sem qualquer comoção quanto a ruína dos nativos, um dos tripulantes mostrasse sensibilizado com o fim dos marcianos, e 'passa para o lado' destes.

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“Nós, os terrestres, temos um talento para arruinar as grandes coisas belas. A única razão pela qual ainda não temos carrinhos de cachorro-quente no meio do templo egípcio de Karnak é porque era meio afastado e não serviria como uma grande empresa comercial.” (“We Earth Men have a talent for ruining big, beautiful things. The only reason we didn't set up hot-dog stands in the midst of the Egyptian temple of Karnak is because it was out of the way and served no large commercial purpose. “ pp. 69-70 )


O capitão Wilder, um otimista a acreditar que os colonos terrestres vão aprender a 'lição' (ou seja, ter consciência ecológica ), ainda procura entender as razões para a loucura do tripulante Spender, que passa a se identificar com os marcianos – assim como alguns brancos passam a morar nas aldeias indígenas e adotar nomes e estilos de vida nativos – a ponto de desejar o extermínio dos invasores, os companheiros de expedição. Mas Spender demonstra certa razão na loucura, em sua febril defesa ecológica.

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“E então outros interesses de poder surgiriam. Os mineradores e os desbravadores. Se lembra do que aconteceu ao México quando Córtez e seus bons amigos chegaram vindo da Espanha? Uma completa civilização destruída por tipos intolerantes e gananciosos. A História nunca perdoará Córtez.” (“And then the other power interests coming up. The mineral men and the travel men. Do you remember what happened to Mexico when Cortez and his very fine good friends arrived from Spain? A whole civilization destroyed by greedy, righteous bigots. History will never forgive Cortez” p. 83)


“O que eu poderia fazer? Discutir com vocês? Sou apenas eu contra todo o deturpado esquema ganancioso da Terra. Eles vão jogar suas sujas bombas atômicas aqui, lutando por bases para fazerem guerras. Não é suficiente que eles tenham arruinado um planeta, sem estar arruinando outro; ainda precisam usurpar a morada de outros? Os fanfarrões idiotas! Quando cheguei aqui senti que não estava apenas livre da assim chamada cultura deles, mas também livre de suas éticas e costumes. Estou fora dos padrões deles, eu pensei. Tudo o que preciso fazer é matar todos vocês e ir viver a minha própria vida.”
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“What could I do? Argue with you? It's simply me against the whole crooked grinding greedy setup on Earth. They'll flopping their filthy atom bombs up here, fighting for bases to have wars. Isn't it enough they've ruined one planet, without ruining another; do they have to foul someone else's manger? The simple-minded windbags. When I got up here I felt I was not only free of their so-called culture, I felt I was free of their ethics and their customs. I'm out of their frame of reference, I thought. All I have to do is kill you all off and live my own life.” p. 83

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O desloucado Spender é morto – ou se deixar matar, pois a cena é ambígua para o Capitão e até para o leitor – mas a mensagem estará pairando sobre todo o restante do livro – o que o terráqueos pretendem fazer em Marte/ criar um mundo melhor ou reproduzir as insanidades auto-destrutivas da cultura terrestre?


Marte realmente desperta a imaginação. Na crônica “Encontro Noturno” (Night Meeting), cuja cena se passa em 'agosto de 2002', temos uma espécie de viagem no tempo nos vales de Marte, ou um 'cruzamento', uma 'intersecção', um encontro de dois momentos do Tempo – um ponto onde presente se confunde com o passado.

Pois, um colono terráqueo, de repente, percebe a presença de um nativo marciano. Mas estão em níveis temporais diversos – o marciano está no passado, no apogeu da civilização marciana, e enquanto o marciano narra o esplendor das cidades marcianas e dos canais, o terráqueo descreve as ruínas das mesmas cidades.

Neste 'cruzamento temporal' é evidente a incomunicabilidade – cada um é 'fantasma' para o outro – não podem se entender, muito menos de tocar. O marciano é o Passado em relação ao colono, que é o Futuro em relação ao marciano, cuja civilização encontra-se recentemente extinta.

“Eles apontaram um ao outro, com a luz das estrelas bronzeando seus membros como adagas e cristais de gelo e vaga-lumes, e então avaliaram seus membros novamente, cada um se sentindo intacto, quente, excitado, surpreso, assustado, e o outro, oh sim, que o outro estava lá, irreal, um prisma espectral reluzindo a acumulada luz de mundos distantes.” (“They pointed at each other, with starlinght burning in their limbs like daggers and icicles and fireflies, and then fell to judging their limbs again, each finding himself intact, hot, excited, stunned, awed, and the other, ah, yes, that other over there, unreal, a ghostly prism flashing the accumulated light of distant worlds.” p. 106)

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No filme The Martians Chronicles a cena se passa com o Coronel da Expedição, vejam
http://www.youtube.com/watch?v=wEMWtyAKRhQ
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Novas ondas de colonos se dirigem para Marte, em foguetes que atravessam um espaço de solidão, com tripulantes que nutrem uma esperança de riqueza, assim como os pioneiros das Grandes Navegações atravessavam os oceanos Atlântico, Índico e Pacífico rumo às Américas, rumo a Austrália, onde os europeus passariam a estabelecer civilizações dependentes da terra-mãe Europa.


Primeiro chegavam os tripulantes de expedições lideradas por militares, depois vieram os técnicos e os construtores, os engenheiros e os marceneiros, os mineradores, os encarregados-de-obras. Depois os pesquisadores, os cientistas, os intelectuais. E em seguida, chegavam as famílias. E outras famílias, com suas tradições e ambições terrestres.


Os colonos se apropriam das terras, das colinas e vales que outrora abrigaram a majestosa civilização marciana, e agora renomeiam, rebatizam com topônimos terrestres – assim como os europeus re-batizaram as terras e águas dos povos nativos, dos ameríndios – com algumas exceções, pois ainda encontramos alguns lagos e rios com nomes indígenas, por serem tradicionais, adotados pelos desbravadores.


O sentimento de 'posse' do mundo marciano faz com que se estabeleça um 'continuísmo' de tradições e superstições terrestres que são inadequadas em Marte – onde o ser humano (pelo menos para otimista Capitão Wilder) poderia aprender uma nova vida e não repetir os erros do passado, ao destruírem o planeta-mãe, a Terra. Mas parece que as profecias do paranóico Spender se concretizam, pois não tardam as formações de aparatos burocráticos e repressores nos moldes do militarismo e imperialismo terrestres.


Assim os burocratas, a polícia política, os repressores logo descem para trazer 'ordem' e 'disciplina' sobre a colonização. Aqui há uma crônica central - chamada Usher II , numa referência ao conto de Edgar Allan Poe – onde o terror (ainda que técnico-mecanizado) se instala na Ficção Científica. É o modo que o construtor da casa-máquina-mal-assombrada encontra para protestar contra a repressão exercida através da censura contra as obras de arte, contra a literatura, que chega ao extremo de condenar e queimar as 'obras proibidas' – atitude típicas dos regimes totalitários, vejamos o Japão militarista, a Itália fascista, a Alemanha nazista e a Rússia estalinista, a China maoísta.

Encontramos várias referências e citações de contos macabros de Poe, por exemplo, os sete salões de sete cores – Mask of Red Death , o coração pulsante de Tell-Tale Heart, o macaco que enfia o cadáver na chaminé – Murders of the Rue Morgue, o poço e o pêndulo – de O Poço e o Pêndulo, o enterro prematuro do conto de mesmo nome – The Premature Burial , o enterro-emparedamento de O Barril do Amontillado e obviamente A Queda da Casa de Usher.


Além de referências aos Contos de Fadas, sejam dos irmãos Grimm, de Perault ou de Andersen, tais como Rapunzel, e/ou de fantasia, tipo Alice (in Wonderworld), e do Mundo de Oz (O Mágico de Oz, de L. Frank Baum), onde os seres e aberrações são reproduzidos por robôs controlados por um computador integrado à casa-inteligente, que re-cria os enredos de terror e fantasia – para a escândalo das autoridades!


Aqui aparecem robôs, verdadeiros andróides idênticos aos humanos – dificilmente são distinguíveis dos humanos reais – segundo encontramos nas obras de Isaac Asimov, o criador das Leis da Robótica. Claro, que aqui os robôs tem algo de sinistro, de unheimilich, segundo percebemos.

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Mais sobre os Robôs de Asimov em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_da_Robótica
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O idealizador da casa, um milionário excêntrico - cujo nome em composto de nomes evocativos de autores famosos , assim como outros personagens aqui – William Stendahl procura se vingar das autoridades, dos burocratas repressores, que incendiaram seus livros, ao promover agora uma 'escandalosa' festa das bruxas, um Halloween subversivo.


“Sim, eu e minha biblioteca. E uns poucos iguais a mim. Oh, Poe foi esquecido há muito tempo, e Oz e as criaturas. Mas eu tenho minha reserva modesta. Nós tínhamos nossas bibliotecas, uns poucos cidadãos livres, até vocês enviarem seus homens com tochas e incineradores e empilharem milhares de livros e queimando-os todos. Do jeito que enfiaram uma estaca no coração de Halloween e disseram aos seus produtores de cinema que se eles fizessem algo que deveriam é filmar e refilmar Ernest Hemingway. Ó Céus! Quantas vezes eu vi 'Por quem os Sinos Dobram?'! Umas trinta versões diferentes. Todas realistas. Oh, o Realismo! Oh, eis, oh, que inferno!” (Usher II)
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“Yes, me and my library. And a few others like me. Oh, Poe's been forgotten for many years now, and Oz and the creatures. But I had my little cache. We had our libraries, a few private citizens, until you sent your men around with torches and incinerators and tore my fifty thousand books up and burned them. Just as you put a stake through the heart of Halloween and told your film producers that if they made anything at all they would have to make and remake Ernest Hemingway. My God, how many times have I seen For Whom the Bells Tolls done! Thirty different versions. All realistic. Oh, realism! Oh, here, oh, now, oh hell!” pp. 172-173


Eis as figuras eficientes e sombrias dos bombeiros que incendeiam livros – de bibliotecas inteiras, sejam públicas ou particulares. Será a temática central de outra obra clássica de Bradbury, “Fahrenheit 451”, que será abordada na categoria Distopias, em Meu Cânone Ocidental.

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Info sobre Fahrenheit 451
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fahrenheit_451
http://recantodasletras.com.br/resenhasdelivros/504918
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Podemos tecer algumas comparações internas entre os contos/crônicas, quanto as temáticas e obsessões que cercam os invasores e os poucos nativos marcianos sobreviventes – no presente ou no passado – por exemplo nos contos/crônicas “O Marciano” e “A Terceira Expedição”. Ambos tratam do poder telepático dos marcianos e como tal poder vem agir sobre os terráqueos.


As identidades dos marcianos se adaptam aos desejos e expectativas dos terráqueos. Os marcianos telepaticamente 'colhem' os desejos e ambições na mente do terrestre e por telepatia e hipnose 'convencem' o outro que ele/ela (marciano/a) é quem o outro espera que ele/ela seja!

Eu sou quem você quer que eu seja! E ambos os contos falam de sonhos e entes perdidos, de imagens do passado que 'assombram' os expedicionários cheios de repressões e saudosismos. Os marcianos aprendem assim a 'manipular' as obsessões dos terrestres contra os próprios terrestres!

As casas, os móveis , as pessoas tudo é 'recriado' a partir das imagens dolorosas e obsessivas das mentes dos visitantes. Para os marcianos é fácil fazer a confusão ideia-realidade: o que o terráqueo pensa e deseja é prontamente encontrado: amores do passado, um irmão que morreu na juventude, uma avó querida, uma família já desfeita.


“Mas eu devo considerar estas pessoas agora. Como elas se sentiriam se, de manhã, eu fosse embora novamente, quando tudo ia bem? De qualquer modo, a mãe sabe quem eu sou; ela percebeu, do mesmo modo que você. Acho que eles percebem, mas não questionam. Você não questiona a Providência. Se você não pode ter a realidade, um sonho é tão bom quanto. Talvez eu não seja a morta que voltou, mas sou algo quase melhor para eles; um ideal formatado pela mente deles. Eu tenho que escolher entre magoá-los ou magoar a sua esposa.” diz o marciano-mutante em “O Marciano”, quando um colono, pai saudoso, insiste que o pequeno ser pode ser seu filho, seu falecido filho, o ente querido que ele deseja de volta.

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“But I must consider these people now. How would they feel if, in the morning. I was gone again, this time for good? Anyway, the mother knows what I am; she guessed, even as you did. I think they all guessed but didn't question. You don't question Providence. If you can't have the reality, a dream is just as good. Perhaps I'm not their dead one back, but I'm something almost better to them; an ideal shaped by their minds. I have a choice of hurting them or your wife.” p. 198


Vivemos agora, nos anos 2000, a época da ficção de Bradbury. Nos anos 50, o Autor julgava que a Terra – em 2005 – teria 2 bilhões de habitantes. Ele certamente errou feio! Será que ele poderia imaginar que vinte anos antes dessa data já seríamos uns 5 bilhões? A ficção, afinal, não é exercício de futurologia ou profecia, mas um ideal de futuro – ou ideal invertido, nas Distopias – quando percebemos o que as gerações anteriores esperam das gerações seguintes.


O que um Autor dos anos 50 pensava sobre a época em que vivemos agora? Há um tom de ironia amarga, ainda que algum otimismo – há tecnologia para levar os colonos a Marte, logo ainda não voltamos a Idade Média da barbárie, pelo menos no que diz respeito a tecnologia, porque quanto ao respeito ao meio-ambiente ainda precisamos aprender muito.


Notamos a indiferença ecológica dos colonos, por exemplo, no conto “A Baixa Estação” que trata de um tripulante da 4ª Expedição (o conto “E a Lua ainda brilha...”), um ex-militar que se torna vendedor de hot-dogs! O que é isso? Marte a se tornar o país do fast-food? Mais descartáveis para os recém-inaugurados lixões de Marte? Mas o comerciante tem a companhia dos poucos marcianos sobreviventes, não mais que 150... (Os marcianos que agora podem ser comparados aos povos nativos das Américas – povos indígenas – que foram exterminados ao longo da colonização europeia.) Os sobreviventes, sempre encarados como hostis, e exterminados, apenas desejam avisar das calamidades da própria Terra.


O conto/crônica Os longos anos – com data de Abril de 2026 - também sobre a 4ª Expedição, aquela do Capitão Wilder, sempre referencial. O Capitão que retornaria então de uma expedição até Júpiter, Saturno e Netuno! (Como eram otimistas – e irônicos? - estes autores de Sci Fi nos anos 40 e 50! ) O tempo passa e comprova que os produtos terrestres são descartáveis – desaparecem antes das antiquíssimas cidades marcianas, depois que os moradores teriam retornado para a Terra, quando estourou outra Grande Guerra em escala mundial. A terceira ou quarta guerra, não sabemos, que guerra é um vício explosivo que os povos ditos civilizados não podem evitar...


Encontramos novamente a temática dos robôs – aqui a família de andróides a ocupar o lugar da família humana – a dependência dos humanos em relação às máquinas – a angústia da solidão no meio do planeta novamente deserto. Afinal, o pano de fundo é a guerra global – o fim da Terra? – quando os colonos abandonam Marte e retornam ao planeta natal em extertores! A Terra que perde novamente os habitantes para o terror das guerras – agora atômicas, em hecatombes nucleares, presentes na paranoia da Guerra Fria – pano de fundo da 'Corrida Espacial'.


Sentimos o desamparo do ser humano no angustiante conto “Chegarão chuvas suaves” (“There will come soft rains”) onde uma casa-inteligente se move sozinha, a operar o cotidiano de uma família de classe média que faleceu com os ataques. O computador central está intacto e continua executando todas as tarefas – enquanto nada mais resta dos moradores da casa.


“Até este dia, a casa mantivera bem a sua calma. Quão cuidadosamente perguntava. 'Quem vem lá? Qual a senha?' e, não tendo respostas de raposas solitárias e gatos lamuriantes, ela fechava as janelas e descia as persianas numa preocupação de velha-governanta com tanta proteção que beirava uma paranóia mecânica.”
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“Until this day, how well the house had kept its peace. How carefully it had inquiered. 'Who goes there? What's the password?' and, getting no answer from lonely foxes and whining cats, it had shut up its windows and drawn shades in an old-maidenly preoccupation with self-protection which bordered on a mechanical paranoia.” p. 250


É em plena Grande Guerra com o bombardeamento de London, New York, e o total arrasamento da Austrália – que os terráqueos percebem que a civilizações são mortais... Os colonos retornam ao planeta-mãe, mas inutilmente, a guerra é inevitável e global. Quem sobreviver, buscará abrigo no planeta-vermelho, de onde contemplam a Terra agonizante.


“Timothy olhou para o profundo céu oceânico, tentando ver a Terra e a guerra e as cidades em ruínas e os homens matando uns aos outros desde o dia em que ele nasceu. Mas ele nada via. A guerra estava bem longe igual a duas moscas lutando até a morte no arco de uma grande e silenciosa catedral. E sem qualquer sentido.”
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“Timothy looked at the deep ocean sky, trying to see Earth and the war and the ruined cities and the men killing each other since the day he was born. But he saw nothing. The war was as removed and far off as two flies battling to the death in the arch of a great high and silent cathedral. And just as senseless.” pp. 257-258


Assim os terrestres sobreviventes preferem roubar os foguetes que sobraram e seguir rumo a Marte, com o propósito de começarem uma nova civilização, que supere aquela terrestre, numa nova colônia agora de novos marcianos. A família recém-chegada admira a solidão e a paz do novo mundo. “Eles ficaram lá, Reis da Colina, Topo da Elite, Governantes de Tudo O Que Descobriam, Monarcas Absolutos e Presidentes, tentando entender o que significa ter um mundo e quão grande um mundo realmente era.” (“They stood there, King of the Hill, Top of the Heap, Ruler of All They Surveyed, Unimpeachable Monarchs and Presidents, trying to understand what it meant to own a world and how big a world really was.” p. 265)



Abr/mai/11


Leonardo de Magalhaens

http://leoliteraturaescrita.blogspot.com/



Mais sobre As Crônicas Marcianas
http://pt.wikipedia.org/wiki/Crônicas_Marcianas



Alguns filmes sobre viagens espaciais
e sobre colonização de Marte

filme baseado em “Martian Chronicles

The Martian Chronicles
série anos 80
http://www.youtube.com/watch?v=wEMWtyAKRhQ

http://www.disclose.tv/action/viewvideo/56210/the_martian_chronicles_1980__ep1_pt1_6/

Outros videos
http://wn.com/Ray_Bradbury__The_Martian_Chronicles



Alguns filmes sobre choques de civilizações
com os terrestres rumo a outros planetas

Solaris

1972
http://www.youtube.com/watch?v=1Tob56MebI8&feature=related

2001
http://www.youtube.com/watch?v=J2i9BjClEX8&feature=related


Blade Runner (1982)
http://www.youtube.com/watch?v=KPcZHjKJBnE&feature=fvst

Total Recall (1990)
(no Brasil: O Vingador do Futuro)
http://www.youtube.com/watch?v=WFMLGEHdIjE&feature=related

Avatar (2009)
http://www.youtube.com/watch?v=d1_JBMrrYw8


Quando os marcianos invadem a Terra

War of the Worlds
(baseados na obra de H. G. Wells)

1953
http://www.youtube.com/watch?v=P9T9f3UbGuo&feature=related

2005
http://www.youtube.com/watch?v=MJYnHA2OzfA&feature=related


Independence Day (1996)
http://www.youtube.com/watch?v=NZZvtQtdbzM

The Salena Incident (2005)
http://www.youtube.com/watch?v=kHQqanIAcPw

Skyline (2010)
http://www.youtube.com/watch?v=qdOGJi5Sne4

Battle Los Angeles (2011)
http://www.youtube.com/watch?v=ORb3zC8z94w



Algumas obras musicais inspiradas em Marte
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o cantor inglês David Bowie se celebrizou pelo álbum de 1972
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars
e as canções “Life on Mars?”, “Starman” , “Space Oddity”
e “Ziggy Stardust”
http://www.youtube.com/watch?v=cpvpNFLqH74&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=muMcWMKPEWQ&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=XXq5VvYAI1Q&feature=related
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A banda húngara Solaris gravou em 1984 o álbum Marsbéli Kronikak
que significa justamente “Martian Chronicles
http://www.youtube.com/watch?v=EJQsBL6vEk4&feature=related
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O projeto musical prog-metal Ayreon tem também um álbum conceitual
(The Universal Migrator, 2000) com cenário em Marte
http://www.youtube.com/watch?v=Yqqsbd9ZYmw





LdeM


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quinta-feira, 19 de maio de 2011

sobre 'Segunda Fundação' - de I. Asimov (3/3)










sobre “Fundação” (“Foundation”)(1942, 1951, 1955)
obras (Trilogia e série) do
autor Isaac Asimov
(URSS, 1920-EUA,1992)


Literatura enquanto relatos de tempos futuros



3:3

Segunda Fundação / Second Foundation


O Mulo, depois de perder a valiosa pista da Segunda Fundação - fruto das pesquisas do psicólogo Ebling Mis, morto por um providencial gesto de Bayta Darell - no final do Livro 2 (Fundação e Império) – o grande conquistador volta para o planeta Kalgan, agora centro de um Império, e se dedica a 'consolidar' as conquistas.


Estabelecido e sem inimigo – por enquanto – o mutante Mulo cria uma Côrte de 'convertidos' mentais que são totalmente devotados e fiéis, incapazes de desobediência e muito menos traição.


Qual é o poder do Mulo? Basicamente, ele - não exatamente humano, mas uma mutação, um ser humano disforme com um cérebro altamente sensitivo e influente – pode sentir as emoções alheias e agir sobre as mesmas de modo a modificá-las para um outro padrão que seja de seu desejo. O mutante pode transformar o maior inimigo no maior devoto – pode transmutar ódio em adoração!


Sequer precisa de guarda-costas, guarda palaciana, outros soldados, nada disso. Ele 'ergue' um campo mental ao redor de si e pode perceber se há alguma animosidade contra ele. Ele sente o inimigo e pode derrotá-lo mentalmente. “O Mulo não precisa de proteção. O Mulo é o seu próprio melhor e mais poderoso protetor.” (“The Mule had need of no protection. / The Mule was his own best, all-powerful protector.” p. 12)


O Mulo apenas 'ajudou' a fortalecer a Fundação? Afinal “aquilo que não me destrói, me fortalece”, dizia o pensador alemão Nietzsche. Assim como Napoleón, no fim das contas, acabou por fortalecer a Grã-Bretanha; e assim Hitler acabou por 'abafar' a Europa e permitir a hegemonia norte-americana... Se a na primeira aparição o Mulo era uma espécie de Hitler conquistador, na segunda aparição – aqui em Segunda Fundação – ele se parece mais com um Stálin – um nomeado 'Primeiro Cidadão' – mais preocupado em 'consolidar' suas posições de ditador.

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Quando volta a perseguir o inimigo – prefere utilizar um não-convertido que ousa em procurar o mundo dos 'telepatas' onde ninguém antes pensara. Nem o general Pritcher – o inimigo que se tornou um dos maiores aliados! - em suas buscas nas circunferências e diâmetros da Galáxia. Pesquisas que resultaram em perda de tempo – como identificar um mundo de telepatas? Somente um Mulo poderia perceber e - agir contra - um mundo cheio de outros 'Mulos'. Todo um mundo que as forças do Mulo poderiam bombardear e arrasar fisicamente. E é exatamente o que ele ordena assim que julga ter sido guiado até o tão procurado mundo dos 'telepatas', num planeta sem renome, Tazenda.

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Afinal, o Mulo tem certeza de que o não-convertido nada mais é do que um 'agente' e por pouco não é desintegrado – somente sua força mental pode salvá-lo da vingança do mutante. Enquanto este perde tempo em duelos mentais – que duram questões de segundos! - outro agente ( seguramente alguém mais poderoso) adentra o 'campo de força mental' do mutante e aproveitará um momento propício para 'moldar' a mente do mutante – para que ele se contente em 'consolidar' o império e desista de mais conquistas.


“No desespero daquele momento, quando a mente do Mulo se abriu, o Primeiro Orador – pronto para aquele momento e seguro desde antes de sua natureza – entrou rapidamente. O que requereu uma insignificante fração de segundo para completar completamente a mudança.” (“In the despair of that moment, when the Mule's mind lay open, the First Speaker – ready for that moment and pre-sure of its nature – entered quickly. It required a rather insignificant fraction of a second to consummate the chage completely.” p. 68 )


Outra questão é saber quem é o 'narrador' de Segunda Fundação. O Narrador demonstra um temor e um fascínio pela figura e personalidade do Mulo – ou seja, não é tão 'imparcial' quanto o Narrador dos dois primeiros volumes (Fundação; Fundação e o Império). Certamente é alguém que viveu próximo a época – podemos até suportar a neta de Bayta, a romancista Arkady Darell, que o leitor conhece na Parte II.

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Sobre Arkady Darell
http://asimov.wikia.com/wiki/Arkady_Darell
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Imaginamos a romancista Arkady como uma possível narradora não apenas porque ela seja declaradamente uma 'escritora', mas porque explicaria a presença de uma heroína numa série repleta de heróis – Seldon, Hardin, Mallow – onde faltava uma presença feminina forte e marcante. Temos Bayta que sabe salvar a situação no momento certo, com sangue-frio e personalidade. A neta Arkady estaria explicitando sua admiração pela avó Bayta ao narrar o confronto sutil entre a heroína e o astuto mutante.


Mas o quanto Arkady saberia sobre a Segunda Fundação? Afinal, ela é uma habitante da Primeira Fundação (ou simplesmente Fundação) e nada entenderia de 'poderes mentais', próprios da 'outra' fundação.

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Nos momentos – alguns flashs – nos quais aparecem cenas da Segunda Fundação o tom narrativo é evasivo, incompleto, reticente, sigiloso, ou seja, ou o Narrador sabe pouco sobre o caso, ou omite informação de propósito. Possivelmente esta última hipótese, pois parece conhecer muito bem a organização, os 'cargos' exercidos, na fundação telepata. Ainda que não tenhamos os nomes dos protagonistas da 'outra' fundação, não saibamos onde vivem nem o que fazem – têm, porventura, nomes e profissões?

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São realmente seres de carne e osso? Se reúnem fisicamente ou mentalmente? Cidadãos comuns ou autoridades? Possuem dupla identidade? A atmosfera criada aqui é de incerteza e quase fantasia. Como entenderemos um grupo de praticamente 'telepatas' que nem sequer usam a 'linguagem' para se expressar? Usam expressões faciais, números e emoções disciplinadas ? Serão os Übermenschen, seres além-do-humano, imaginados por Nietzsche? Serão os homens ideais idealizados por A. Huxley?

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Não há hierarquia – todos conhecem plenamente o Plano de Seldon – mas uma organização ou uma cooperação onde os dados são compartilhados para a melhor compreensão de todos e uma defesa mútua. Afinal, nada ameaça o grupo internamente – visto que não podem ocultar emoções uns dos outros, não podem ser hipócritas ou hostis sem revelarem telepaticamente aos outros. Precisam confiar plenamente, ou o grupo já teria se desfeito tempo antes...!


“Considere uma sala!

A localização da sala não está em questão neste momento. É suficiente dizer que nesta sala, mais do que em qualquer outro lugar, a Segunda Fundação existia.



Primeiramente havia uma coisa na sala – protegida por uma ciência mental ainda imbatível pelo combinado poder físico do resto da Galáxia – o Primeiro Radiante, que conserva em sua essência o Plano de Seldon – completo.

Em segundo lugar havia um homem, também, naquela sala – o Primeiro Orador.

Ele era o décimo-segundo na linhagem de chefes-guardiões do Plano, e seu título não tinha nenhuma significância do que o fato de que nos encontros de líderes da Segunda Fundação, ele falava primeiro.”

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“Consider a room!

The location of the room is not in question at the moment. It is merely sufficient to say that in that room, more than anywhere, the Second Foundation existed.



For one thing, there was in that room – protected by a mental science as yet unassailable by the combined physical might of the rest of the Galaxy – the Prime Radiant, which held in its vitals the Seldon Plan – complete.

For another, there was a man, too, in that room – The First Speaker.

He was the twelfth in the line of chief guardian of the Plan, and his title bore no deeper significance than the fact that at the gatherings of the leaders of the Second Foundation, he spoke first.”
pp. 82-83


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Um Primeiro Orador que não tem qualquer oratória – afinal sequer fala! Tendo superado a linguagem, tendo se libertado das palavras – ambíguas e arbitrárias – por símbolos matemáticos e lógica aplicada, por controle de emoções e raciocínio avançado – o Primeiro Orador é capaz de se expressar sem subterfúgios ou vícios de linguagem. Certamente uma personalidade pouco poética – afinal a Poesia requer certo emocionalismo lírico e alguma ambiguidade – mas liberta dos males da incomunicabilidade.


“A fala, originalmente, foi uma invenção por meio da qual o ser humano aprendeu, imperfeitamente, a transmitir os pensamentos e emoções da própria mente. Ao dispor arbitrariamente sons e combinações de sons para representar certas nuances mentais, ele desenvolveu um método de comunicação – mas um cuja, em sua inabilidade e entorpecida inadequação fez degenerar toda a delicadeza da mente numa sinalização grosseira e gutural.” (“Speech, originally, was the device whereby Man learned, imperfectly, to transmit the thoughts and emotions of his mind. By setting up arbitrary sounds and combinations of sounds to represent certain mental nuances, he developed a method of communication – but one which in its clumsiness and thick-numbed inadequacy degenerated all the delicacy of the mind into gross and gutural signaling.” p. 83)


Percebemos que não há desconfianças no mundo do Primeiro Orador. A desconfiança surgiria do medo. Medo que surge do não-conhecimento do Outro por deficiência da linguagem – estamos incomunicáveis. Há todo um 'ruído de comunicação' entre nós – então temos medo e desconfiança. Queremos dominar o Outro – porque temos medo. Mas na Segunda Fundação há uma comunicação plena que supera as linguagens humanas 'comuns'. A fala é superada e com ela se supera a insegurança e a hostilidade – mais subprodutos do medo.


É o desenvolvimento da ciência mental – e não apenas da ciência física, científica, técnica – que liberta o ser humano. Uma sociedade que usa a linguagem – a fala incomunicável – está fadada ao fracasso, pois sofre de medo e, portanto, de desconfiança e desejo de dominar. Uma vez libertos da linguagem ineficiente – pela quase-telepatia dos símbolos e gestos, das emoções disciplinadas – os seres humanos desenvolvem sociedades não hierárquicas que preferem a total democracia da cooperação e do altruísmo. A Segunda Fundação, assim, equivale a uma Utopia em futuro distante.

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Se antes os cidadãos da Fundação, no planeta Terminus, sabiam da existência da Segunda Fundação, em algum lugar no 'extremo da Galáxia', nunca se preocuparam realmente – muito menos sabiam dos poderes da mesma – depois da 'resistência' ao Mulo passam a suspeitar de um 'governo paralelo' ou 'grupo de espiões' que domina a política que julgavam deles mesmos.


A Segunda Fundação seria um grupo de Mentes Superiores a conduzir a humanidade para as 'trilhas' do Plano de Seldon -e agem influenciando sutilmente aqueles que são influentes – os políticos, os cientistas, os empresários, os artistas, os sacerdotes, etc – assim como se fossem uma 'sociedade secreta', uns Illuminati, uns maçons do Espaço, a agir nos bastidores.

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Quem manipula quem? É a velha 'teoria da conspiração'. Sejam maçons, templários, Illuminati, ETs repetilianos, os 'poderes ocultos' sempre despertaram suspeitas. Estaremos sendo manipulados? E eis justamente o que incomoda os pensadores e os cidadãos da Fundação – que se sentem 'manipulados' por um poder externo, a tal Segunda Fundação. O que deveria ser uma aliada – pois faz parte do Plano de Seldon – acaba por surgir como uma ameaça.


O pai da Arkady – o Dr. Darell – estuda os padrões mentais dos humanos – como neurologia do futuro – para detectar se os cérebros (ou antes, os padrões mentais) estão sofrendo algum tipo de 'interferência', se estão sendo 'manipulados' por uma ação mental externa. E descobre que os 'poderes ocultos' são mais fortes do que imaginam. Podem 'moldar' emoções! Ou seja, um grupo de 'Mulos' em algum lugar da Galáxia...!


“Não havia realmente hostilidade na pergunta dele. Talvez nada mais que precaução; mas, de algum modo, causou uma longa pausa. Darell olhava de um para outro de seus convivas, então disse bruscamente, 'Porque não havia sentido na luta de Kleise. Ele estava competindo com um adversário muito forte em relação a ele. Ele estava detectando o que nós – ele e eu – sabíamos que detectaríamos – que nós não éramos nossos próprios mestres. E eu não queria saber! Eu tenho meu amor próprio. Gostava de pensar que nossa Fundação era a capitã da alma coletiva; que nossos antepassados não tinham lutado e morrido em vão. Eu pensava que seria mais simples virar a face quando eu não estava tão certo.”
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“There wasn't actually hostility in his question. Perhaps nothing more than caution; but, at any rate, it resulted in a long pause. Darell looked from one to another of his guests, then said brusquely, “Because there was no point to Kleise's battle. He was competing with an adversary too strong for him. He was detecting what we – he and I – knew would detect – that we were not our own masters. And I didn't want to know! I had my self-respect. I liked to think that our Foundation was captain of his collective soul; that our forefathers had not quite fought and died for nothing. I thought it would be most simple to turn my face away as long as I was not quite sure. [...]” pp. 97-98


Assim, um grupo de 'conspiradores' da Primeira Fundação começa a coletar 'padrões mentais' de vários cidadãos e lideranças da Fundação – e outros planetas sob hegemonia fundacional – para verificar quem foi 'moldado' (tampered) pelos agentes da Segunda Fundação. E fazem exames consigo mesmos para saberem quem é moldado ou não. A desconfiança está no ar – e ninguém confia nem em si mesmo! Confiar em si mesmo é sinal de não estar moldado Ou o contrário?


Mas será a Segunda Fundação apenas uma organização de agentes espiões ou uma instituição em algum planeta? Questão para quem 'acredita' na tal 'sociedade secreta'. Mas alguns acham que é apenas uma superstição – assim como muitos desdenham ETs e espíritos obsessores, atualmente – que é um mito criado por Seldon, e que nem teria tanta importância.


Os conspiradores acreditam que os agentes tudo observam e que os planos não podem levantar suspeitas. Então agem o mais 'comumente' possível. Mas Arcady quase 'ameaça' atrapalhar os planos quando ela embarca como passageira clandestina na espaçonave privativa de um dos conspiradores que é aficcionado por museus e coleciona tudo sobre o finado Mulo. Rumo ao palácio de Kalgan, ele pretende adentrar mais mistérios do mutante conquistador.


Assim, Arcady se descobre em Kalgan, o centro das intrigas da iminente guerra entre as forças do que restou do Império do Mulo e os planetas sob hegemonia da Fundação – assim como, na época da Segunda Guerra, eram Casablanca, Madrid ou Cairo – e a mocinha se imagina num romance! Mais metalinguístico impossível, ainda mais que a Arkady deseja ser escritora. Kalgan que fora outrora um planeta de veraneio, uma espécie de Acapulco ou Miami planetária que acabou por virar um centro de poder – e não conseguiu mais se libertar dos ambiciosos e ávidos por conquistas.


Logo a clandestina precisará sair de Kalgan – ela pode ser vítima das intenções matrimoniais do chefe local – o proclamado Lord Stettin- e acaba indo para Trantor em companhia de um casal de simpáticos anciãos, que tratam de negócios, representando uma colônia agrícola. O simpático casal de camponeses – mama e papa – que lembram muito os camponeses do Meio-Oeste norte-americano, ou do sul da Itália – camponeses bonachões e bem-humorados.


Simpáticos camponeses que sabem mais do que aparentam e deixam o leitor sempre um pouco 'desconfiado' – afinal estavam no lugar certo e na hora certa e resolvem tudo plenamente para que a mocinha consiga fugir! Ou a administração do Lord é muito ineficiente ou o casal de simpáticos anciãos 'movem algumas peças' que desconhecemos.


Kalgan, Trantor, novas peregrinações galácticas em 'saltos no hiperespaço', furando o tecido espacial em distâncias astronomicamente inimagináveis que somente velocidades acima da velocidade-da-luz poderiam percorrer em períodos temporais, digamos, humanos. Estas viagens por toda a Galáxia é o que tem de mais fantástico na série Fundação – que não se mostra exatamente científica' – ou forçadas 'explicações científicas' para fatos explicitamente fantasiosos. Mas como se trata de uma obra de ficção, nós, os leitores, desculpamos com prazer.


Pois bem, em peregrinações – mas se aproximando ou se afastando da Segunda Fundação? A pergunta que nunca se silencia: ONDE está o mundo dos telepatas? Se a localização pode ser Kalgan? Planeta de veraneio que foi conquistado pelo Mulo e, mesmo a pós a morte deste, é ainda um dos focos de militarismo e imperialismo na Periferia da Galáxia. E em que proporção os agentes da Segunda Fundação agem sobre os militaristas de Kalgan?


Não seria estranho que a sede fosse no centro do antigo Império – Trantor – de onde os agentes poderiam observar os movimentos nas Periferias. Mas o que restou nas ruínas da metrópole-planetária saqueada? Quem poderia 're-aproveitar', re-processar enfim, todo o conhecimento estocado nos corredores vazios da vasta e empoeirada Biblioteca Imperial?

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Para Arcady o 'outro extremo' de um círculo – a forma da Galáxia - é a volta ao ponto de origem. Logo o outro extremo de Terminus é o próprio Terminus. Uma 'intuição' que o Dr. Darell aceita e aplica. Pois, a Segunda Fundação pode ficar na própria Fundação em Terminus. Qual o lugar mais propício para 'manipular' os eventos? Qualquer pacato cidadão de Terminus pode ser um 'agente'? É paranóia?


Os conspiradores – eles próprios – podem ser moldados para 'conspirar'? As mudanças de humor podem indicar 'manipulação' mental? Como atuam os agentes da 'subversão' mental? A quem evitar e a quem salvar num mundo relativamente povoado onde se insinuam 'mentes superdotadas' que agem em prol de uma Causa a longo prazo? Dentre os conspiradores pode se levantar um traidor? De fato, pode haver um agente infiltrado...


(Lembramos o contexto histórico, a época em que foi escrito o livro 3 da trilogia. Após a Segunda Guerra Mundial o que ocorreu? Uma 'guerra fria' entre os norte-americanos e os soviéticos pela 'hegemonia mundial'. E agentes soviéticos e os comunistas se infiltravam em departamentos e setores políticos da Europa e da América. Tanto que resultou em perseguições na França e Grã-Bretanha, e no macartismo nos EUA. O comitê anticomunista perseguiu intelectuais, artistas, cidadãos que eram 'suspeitos comunistas'. Um dos casos mais noticiosos foi o o caso do Casal Rosenberg, em 1953.)

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mais info em

http://historiativanet.wordpress.com/2010/08/01/guerra-fria-o-que-foi-o-macarthismo/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Macartismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Julius_e_Ethel_Rosenberg
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Teria sido a Guerra Kalganiana (ou Stettiniana) incentivada pelos agentes da Segunda Fundação? Afinal de onde viria tamanha autoconfiança dos oficiais e soldados da Fundação ao enfrentarem as poderosas forças de Kalgan? Certamente a Segunda Fundação atuaria em Kalgan e Terminus ao mesmo tempo: nas forças do planeta agressor, os agentes instilam o 'derrotismo', e nas forças do planeta agredido, eles promovem a 'confiança na vitória'.


A vitória da Fundação sobre as forças agressoras de Kalgan vem a reforçar o sentimento de hegemonia dos fundacionais – mas não é o suficiente. Afinal, ainda há a Segunda Fundação. E precisa ser encontrada e neutralizada – ou até destruída. É então necessário que os agentes 'se deixem' encontrar. (Ameaçados por um invento do próprio Dr. Darell – um aparelho que produz uma 'estática mental' que praticamente tortura os telepatas...!) E, por fim, que alguns sejam até sacrificados – como se fossem mártires – para que os fundacionais acreditem que agora são os únicos 'líderes' da Galáxia.


“Ele [o Dr. Darell] franziu as sobrancelhas.

Mesmo que ele nada dissesse, seus pensamentos gritavam.

Tinha sido muito fácil – muito fácil. Eles tinham caído, estes invencíveis, caídos como vilões de romance, e ele não gostava disso.

Galáxia! Quando pode um homem saber que é um fantoche? Como pode um homem saber que ele não é um fantoche?”
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“He frowned.

Though he said nothing, his thoughts were shouting.

It had been too easy – too easy. They had fallen, these invincibles, fallen like book-villains, and he didn't like it.

Galaxy! When can a man know he is a puppet? How can a man know he is not a puppet?"

p. 181



Mas quando o Dr. Darell pensa que não é mais um 'fantoche' é justamente porque é um fantoche que não pode pensar que é um fantoche. Toda a vida dele e da filha Arcady foi apenas mais um 'elo' na cadeia de eventos do Plano de Seldon 'remediado' após a interferência dos poderes mentais do mutante Mulo.


O Estudante, futuro Orador, entende enfim a amplidão do Plano de Seldon ao compartilhar considerações psicohistóricas com o Primeiro Orador. (Primeiro Orador que participou ativamente dos bastidores dos eventos narrados, segundo percebemos nos parágrafos finais!) O quanto o sacrifício dos 'mártires' faz parte de uma cadeia de eventos que faz sentido a longo prazo.


“Essencialmente, foi necessário para as pessoas da Primeira Fundação serem completamente convencidas que elas localizaram e destruíram a Segunda Fundação. Deste modo, haveria uma reversão ao plano original. Para todos os efeitos, Terminus voltaria a nada saber sobre nós; a incluir-nos em nenhuma de seus cálculos. Nós estamos novamente ocultos, e salvos – ao custo de inquenta pessoas.” (“Essentially, it was necessary for the men of the First Foundation to be thoroughly convinced that they had located and destroyed the Second Foundation. In that way, there would be reversion to the intended original. To all intents, Terminus would once again know nothing about us; include us in none of their calculations. We are hidden once more, and safe – at the cost of fifty men.” p. 183)

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Assim, com a auto-estima da Fundação revigorado, o Plano de Seldon pode seguir adiante, a conservar o conhecimento e preservar o que restou da civilização imperial, através da Enciclopedia Galáctica, através da expansão dos usos da energia atômica, a progredir rumo a edificação do glorioso Segundo Império – ainda meio milênio no futuro.


abr/ mai / 11


Leonardo de Magalhaens

http://leoliteraturaescrita.blogspot.com/

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Asimov Enciclopedia
http://asimov.wikia.com/wiki/Isaac_Asimov

videos sobre Asimov's Foundation
http://www.youtube.com/watch?v=tZIGHbDsZl0&NR=1

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site (español)
sobre Fundação
http://usuarios.multimania.es/isaacasimov/Personajes_D-E.htm



Para a distinção entre Ficção Científica Hard e Soft
de acordo com a presença/ aplicação
de explicações / teorias científicas



Sci Fi Hard
ênfase mais ciências fisicobioquímicas
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficção_científica_Hard

.
Sci Fi Soft
ênfase mais ciências humanas e/ou fantasia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficção_científica_Soft

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Outros Autores Importantes da
Sci Fi

Ray Bradbury (1920-)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ray_Bradbury
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Arthur Clarke (1917-2008)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arthur_C._Clarke
.
Robert Heinlein (1907-)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_A._Heinlein
.
Frank Herbert (1920-1986)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Frank_Herbert
.
Aldous Huxley (1894-1963)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Aldous_Huxley
.
Philip K. Dick (1928-1982)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Philip_K._Dick
.
Stanislaw Lem (1921-2006)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Stanisław_Lem

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videos sobre Foundation
http://www.youtube.com/watch?v=EyApU_fUXXs&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=Gp708cvfsbM&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=Gp708cvfsbM&feature=related

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filmes sobre viagens estelares

2001 Space Odissey
http://www.youtube.com/watch?v=2DXMVG8fo3g&feature=related
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Solaris

1972
http://www.youtube.com/watch?v=1Tob56MebI8&feature=related

2001
http://www.youtube.com/watch?v=J2i9BjClEX8&feature=related
.
Star Wars (desde 1977)
http://www.youtube.com/watch?v=9gvqpFbRKtQ
.
Star Trek
http://www.youtube.com/watch?v=hdjL8WXjlGI
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Buck Rogers
http://www.youtube.com/watch?v=Qok-MJ8r38U
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Battlestar Galactica
http://www.youtube.com/watch?v=xHD1uPVkyk0
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Alien Oitavo Passageiro (1979)
http://www.youtube.com/watch?v=rCQj5xEc3Fg
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Starship Troops / 1997
Tropas Estelares
http://www.youtube.com/watch?v=Y07I_KER5fE

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Dune (2000)
(baseado no romance de Frank Herbert)
http://www.youtube.com/watch?v=xYWJn2GolrI


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Referências


ASIMOV, Isaac. Foundation. London: Granada, 1982

___________ Foundation and Empire. London: Granada, 1982

___________ Second Foundation. London: Granada, 1982



homepages / sites


sobre o 'universo' de Asimov
http://anglopor8a09.vilabol.uol.com.br/index.htm


na Wikipedia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Foundation
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LdeM

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quinta-feira, 12 de maio de 2011

sobre 'Fundação e Império' (Foundation) - de Asimov (2:3)











sobre “Fundação” (“Foundation”)(1942, 1951, 1955)
obras (Trilogia e série) do autor Isaac Asimov
(URSS, 1920-EUA,1992)


Literatura enquanto relatos de tempos futuros






2:3


Fundação e Império / Foundation and Empire

Parte I


Estamos diante do duelo entre a Fundação em plena ascensão e o Império em decadência. O segundo livro da Trilogia começa com a figura do eficiente General Bel Riose, originário do planeta Siwena, que já aparecera antes – aquela visita de Hober Mallow a um velho refugiado político, cerca de 4 décadas antes.



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Aqui aparece a figura de Ducem Barr, o filho de Onum Barr, o refugiado (Ver a Parte V, 9, de “Foundation”). Ducem acredita que não há Magos estelares, aqueles poderosos 'feiticeiros' da Fundação. Apenas acontece que nos mundos bárbaros a alta ciência se tornou para eles uma forma de magia. Tal foi a decadência após a fragmentação do Império! Todo o conhecimento científico se perdeu, e somente a Fundação pôde resguardar os dados, as pesquisas, ao criar a Enciclopedia Galáctica.


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Os cidadãos do planeta Siwena, o povo de Onum Barr, foram humilhados, saqueados e escravizados pelos vice-reis imperiais. Aliás, Riose é um dos últimos imperiais, ao ser um General do último Imperador forte, Cleon II.

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O desejo, a ambição do General recuperar para o Império os sistemas solares da Periferia – que se 'desligaram' do centralismo desde as revoltas de Anacreon, três séculos antes. Riose procura os Magos, ou seja, os sábios da Fundação (a Primeira Fundação) que possuem armamentos poderosos, e campos-de-proteção eletromagnéticos-atômicos pessoais!

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Resumo: no início do segundo livro temos os resumos dos eventos do primeiro livro, é um recurso sempre utilizado pelo Autor – funciona aqui como uma espécie 'flashback' – para re-situar o Leitor na cronologia da série.

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Riose está estupefato com o orgulho dos cidadãos comuns da Fundação. A ideia de vitória, de evolução, da criação de um novo Império. “Os maiorais nada dizem. Eles falam apenas de negócios. Mas eu conversei com pessoas comuns. Eu absorvi as ideias do povo comum; este 'destino manifesto' deles, a pacífica aceitação deles quanto a um grande futuro. Eis uma coisa que não pode ser ocultada; uma otimismo universal que eles sequer tentam ocultar.” (“The officials said nothing. They spoke business exclusively. But I spoke to ordinary men. I absorbed the ideas of the common folk; their 'manifest destiny', their calm accpetance of a great future. It is a thing that can't be hidden; a universal optimism they don't even try to hide.” p. 21)

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O poder do general – aliás Governador militar de Siwena – é subordinado ao poder do Imperador, que bem desconfia de militares arrivistas. Afinal, Riose é um jovem general que sonha com novas conquistas para o Império – e glória para o seu nome. Ou seja, a ambição de um general conquistador. (O problema em Roma era que tais generais geralmente davam um golpe e se tornavam eles-mesmos os próximos Imperadores. Não seria diferente na História Galáctica...) A questão é saber se Riose é um proto-general romano, um pretenso Napoleão. Um obcecado com conquistas – ou um obcecado com o trono imperial?

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O próprio Imperador pouco sabe sobre a Fundação – que durante três séculos se tornou independente. É o Secretário quem deve revirar os arquivos. “Não há registro sobre isso [a Fundação], Senhor. Procurei nos arquivos cuidadosamente. A área da Galáxia indicada se encontra dentro da antiga província de Anacreon, que ao longo de dois séculos se entregou aos saques, barbarismo e anarquia. Não há qualquer planeta conhecido como Fundação no província, de qualquer forma. Há uma vaga referência a um grupo de cientistas que foram enviados para aquela província um pouco antes de se separarem de nossa proteção. Eles foram preparar uma Enciclopedia. Creio que eles a chamavam Fundação Enciclopedia.”
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There is no record of it, sire. I have searched the archives carefully. The area of the Galaxy indicated falls within the ancient province of Anacreon, which two centuries since gave itself up to brigandage, barbarism, and anarchy. There is no planet know as Foundation in the province, however. There was a vague reference to a group of scientists sent to that province just before its separation from our protection. They were to prepare an Encyclopedia. I believe they called it the Encyclopedia Foundation.” pp. 27-28


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O General Riose aprisiona um mercador, que pouco acredita no tal 'Plano de Seldon', afinal um homem de negócios é um pragmático, não se preocupa com 'idealismos' – ou com coisa de políticos. O mercador não se preocupa com guerras entre forças imperiais e da Fundação – não importa quem vença, o vencedor vai precisar dos mercadores para manter as rotas de comércio. Devido a sua profissão, o mercador é indiferente a 'nacionalismos', o que lhe interessa é o lucro. “Faríamos um melhor negócio com o Império. Sim, faríamos; e sou um homem de negócios. Se o Império trouxer mais lucro, estou com ele” (“We'd make a better deal with the Empire. Yes, we would; and I'm a man of business. If it adds up to a plus mark, I'm for it.”p. 35)

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Os Mercadores usam a própria ambição de Riose contra ele-mesmo, quando aproveitam a divisão de interesses dentro do Império: o Imperador desconfia dos poderes ampliados dos Militares – assim como, em Roma, César foi um militar e um dos que sufocaram a República Romana, assim como, séculos depois, Napoleão sufocaria a Revolução Francesa. Ver o tópico Bonapartismo.

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Interessante que quanto mais 'político' e 'sociológico' segue o enredo, menos encontramos descrições – incluindo de batalhas – pois apenas colhemos menções e referências nos diálogos – bem ao contrário de Star Wars, que, sendo um filme, sempre mescla diálogos com cenas de batalhas estrelares.

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O patrício de Siwena – que já eliminara um vice-rei umas quatro décadas antes – não hesita em atentar contra o general conquistador – mas e o mercador? É mesmo mercador? Quem é o audacioso Lothan Devers?

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Os fugitivos da nave-capitânia seguem para Trantor, o planeta-cidade, a capital do Império Galáctico. Eles esperam conseguir uma audiência com o Imperador – e assim denunciar as conspirações do General e do Secretário Imperial Brodrig.

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Em Trantor, o patrício siweniano Barr e o mercador Devers não conseguem a audiência com o Imperador Cleon II, quando pretendiam acusar o 'jogo duplo' dos súditos imperiais Riose e Brodrig. Mal se aproximam das autoridades competentes, os dois 'subversivos' são rastreados pela Polícia Imperial e somente resta fugir.

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Independente do que possam fazer o patrício e o mercador, em suas aventuras em Trantor ou no hiperespaço – a guerra acabou. Afinal, o Imperador já desconfiava das ambições de seu General e das 'jogadas' de seu Secretário e decide intervir no avanço da guerra antes que o General seja vitorioso. Enquanto isso, começa a revolta em Siwena, que passa do domínio do Império para a hegemonia da Fundação.

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Só resta aos navegantes retornar para Terminus, onde são condecorados. Mas Barr explica que nada do que fizessem poderia mudar os acontecimentos – já calculados pelas equações psicohistóricas. Seria a 'mão morta' de Seldon agindo três séculos depois – um conjunto de equações em sequência que constitui tudo um Plano. Agora elucidado pelo estudioso Ducem Barr.

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Por exemplo, a questão do imperador forte e do general forte – única conjugação de eventos que ameaça e ao mesmo tempo protege a Fundação. “Podemos ver agora que o pano-de-fundo social do Império faz as guerras de conquista impossíveis para este. Sob imperadores fracos, este [o Império] é dividido por generais competindo por um trono sem valor e certamente fatal. Sob imperadores fortes, o Império está congelado num rigor paralítico no qual a desintegração aparentemente cessa por um momento, mas apenas com o sacrifício de toda expansão possível.

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“Um general fraco nunca poderia nos ameaçar, obviamente. Um general forte durante o tempo de um Imperador fraco nunca poderia ter nos ameaçado, também; pois ele teria voltado seus exércitos para um alvo mais proveitoso. Os eventos têm demonstrado que três em cada quatro Imperadores dos últimos dois séculos foram generais rebeldes e vice-reis rebeldes antes de serem Imperadores.”

“Assim é apenas a combinação de um Imperador forte e um general forte que pode ameaçar a Fundação; pois um Imperador forte pode não ser destronado facilmente, e um general forte é forçado a seguir para além das fronteiras.

“Mas, o que mantem o Imperador forte? O que mantem Cleon forte? É óbvio. Ele é forte porque não permite súditos fortes. Um cortesão que se torna muito rico, ou um general que torna-se muito popular é perigoso. Toda a recente história do Império prova que para um Imperador inteligente basta ser forte.

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“We can see, now, that the social background of the Empire makes wars of conquest impossible fo it. Under weak Emperor, it is torn apart by generals competing for a worthless and surely death-bringing throne. Under strong Emperors, the Empire is frozen into a paralytic rigor in which disintegration apparently ceases for the moment, but only at the sacrifice of all possible growths.”
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“A weak general could never have endangered us, obviously. A strong general during the time of a weak Emperor would never have endangered us, either; for he would have turned his arms towards a much more fruitful target. Events have shown that three-fourths of the Emperors of the last two centuries were rebel generals and rebel viceroys before they were Emperors.
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“So it is only the combination of strong Emperor and strong general that can harm the Foundation; for a strong Emperor can not be dethroned easily, and a strong general is forced to turn outwards, past the frontiers.
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“But, what keeps the Emperor strong? What kept Cleon strong? It's obvious. He is strong, because he permits no strong subjects. A courier who becomes too rich, or a general who becomes too popular is dangerous. All the recent history of the Empire proves that to any Emperor intelligent enough to be strong.”
pp 61 / 62

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Então o Imperador resolve parar o avanço do General Riose e abafar as glórias do possível 'general rebelde' que pode ameaçar o soberano. General que ironicamente nem era rebelde, tendo tão-somente obedecido 'até bem demais' as ordens do soberano! (No Império Romano do Oriente, ou Bizantino tal conjuntura ocorreu com o Imperador Justiniano e o General Belisário, no século 6 d.C., fato histórico que certamente influenciou o Autor.) Afinal, as leis da Psicohistória mostram o quanto personalidades determinam eventos, e complexos sociais-políticos-econômicos determinam personalidades. Para as equações são necessárias características de indivíduos cujas decisões atuam sobre aglomerados, estes estatisticamente previsíveis.


No momento em que as forças imperiais abandonam a Periferia, e Siwena entra em acordo com a Fundação, pode-se se perguntar se a Fundação tem inimigos. Afinal, o Império – após Cleon II – mergulha em guerras civis e não será ameaça à Fundação. A Periferia está 'pacificada' pela hegemonia da tríade Ciência-Religião-Comércio com centro na própria Fundação. Nenhum inimigo?

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E quanto a Segunda Fundação? Aliada ou concorrente? Onde estará? O que significa 'no outro extremo da Galáxia'? Ou 'fim das estrelas' (Star's End)?

E os inimigos internos? Os ambiciosos, os antidemocráticos? Não serão eles aqueles que vão implodir a Fundação?


Parte II


É bom não cantar vitória antes da hora. O título da Parte II já atrai dúvidas e suspeitas: o que é isso de “Mulo”?

O fato é que aprecem em cena uma noiva e um noivo. Um casal recém-casado rumando para Haven, o planeta-natal do noivo. A noiva aqui – Bayta – é a primeira personagem feminina de destaque – após 250 páginas, no meio do Livro II – numa galeria de vultos masculinos: Seldon, Hardin e Mallow.

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Também é a primeira vez que o Narrador focaliza vidas pessoais de 'cidadãos comuns' – e não políticos ou cientistas ou mercadores – e o estilo é mais descritivo, mais psicológico, visto que o foco é um casal em viagem de núpcias (ou 'lua de mel'), onde o noivo é um provinciano, filho de mercador, enquanto a noiva é uma filha da Fundação, uma descendente de Mallow.

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Os modos dos mercadores – os desbravadores do Meio-Oeste? - destoam dos modos da Fundação – os WASP da costa leste? - em muitos trechos, Fundação é demasiadamente norte-americana. Isto é, percebe-se a autoria norte-americana – enquanto numa obra de Sci Fi seria interessante uma 'universalização' até porque trata-se de povos de pelo menos 40 mil anos no futuro, espalhados por toda a Galáxia...


Percebe-se que tanto os Fundacionistas quanto os Mercadores compartilham a confiança-devoção em Seldon. (Afinal, o autor do 'destino manifesto' / 'manifest destiny' da Fundação, ou seja, a formação do Segundo Império.)

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Recapitulando. Passaram-se 300 anos após o início do Plano de Seldon e ainda não se visualiza qualquer era de prosperidade – ao contrário: continua a fragmentação, as guerras, etc. O 'milenarismo' de Seldon não se concretiza? Em que ponto a fragmentação será contida e se poderá iniciar a nova centralização?

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Estamos num dia de comemoração do dia de nascimento de Hari Seldon assim como se lembra do Thanksgiving Day, do Dia da Ação de Graças. Em momento tão solene, como se fosse um almoço de Natal, Bayta aponta os defeitos da política da Fundação: inércia, despotismo, força, má distribuição de renda, etc. Ou seja, justamente o que enfrentava o mundo nas décadas de 1930 e 1940. E ainda se acreditava na Democracia...

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Nas palavras de Bayta, “Bem, parece-me que a completa essência do Plano de Seldon era de criar um mundo melhor que o antigo do Império Galáctico. Que estava se desfazendo, aquele mundo de três séculos atrás, quando Seldon primeiro estabeleceu a fundação – e se a História diz a verdade, estava decaindo devido a tripla doença da inércia, do despotismo e da má-distribuição dos bens do universo.”

Ela continua: “Se a história de Seldon é verdadeira, ele preveu o completo colapso do Império através das leis da psicohistória, e foi capaz de prever os necessários trinta mil anos de barbarismo antes do estabelecimento de um novo Segundo Império para restaurar a civilização e a cultura para a Humanidade. Era o objetivo pleno de todo o trabalho de sua vida ao estabelecer tais condições poderiam garantir um rejuvenescimento mais rápido.”

O quão determinísticos são as ciências historiográficas? Bayta esclarece mais, “As leis da história são tão absolutas quantos as leis físicas, e se as probabilidades de erro são maiores, é apenas porque a história não lida com tantos humanos quanto a física lida com átomos, assim as variações individuais contam muito. Seldon previu uma séries de crises através de mil anos de crescimento, cada uma delas forçaria a um novo desvio de nossa história numa trilha pré-calculada. Foram assim as crises que vieram – e assim uma crise deverá vir agora.

O problema é quando a fundação repete os erros do Império decadente, segundo Bayta, “Agora! Há quase um século desde a última, e neste século, cada vício do Império tem se repetido na fundação. Inércia! Nossa classe dirigente não conhece outra lei; nenhuma mudança. Despotismo! Eles conhecem apenas uma regra; a força. Má-distribuição! Eles conhecem apenas um desejo; o manter o que é deles.”

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“Well, […] it seems to me that the whole essence of the Seldon's Plan was to create a world better than the ancient one of the Galactic Empire. It was falling apart, that world, three centuries ago, when Seldon first established the Foundation – and if history speaks truly, it was falling apart of the triple disease of inertia, despotism, and maldistribution of the goods of the universe.”
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“If the story of Seldon is true, he foresaw the complete collapse of the Empire through his laws of psycho-history, and was able to predict the necessary thirty thousand years of barbarism before the establishment of a new Second Empire to restore civilization and culture to humanity. It was the whole aim of his life-work to set up such conditions as would insure a speedier rejuvenation.
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“The laws of history are as absolute as the laws of physics, and if the probabilities of error are greater, it is only because history does not deal with as many humans as physics does atoms, so that individual variations count for more. Seldon predicted a series of crises through the thousand years of growth, each of which would force a new turning of our history into a pre-calculated path. It is those crises which direct us – and therefore a crisis must come now.
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“Now!” she repeated forcefully. “It's almost a century since the last one, and in that century, every vice of the empire has been repeated in the Foundation. Inertia! Our ruling class knows one law; mo change. Despotism! They know one rule; force. Maldistribution! They know one desire; to hold what is theirs.”
p. 69


Os chefes da Fundação enriquecem – enquanto os mercadores perdem lucros. Daí surgir a desarmonia entre os dois grupos – que na época de Hardin (dois séculos antes) faziam parte do mesmo propósito, da mesma estratégia: a hegemonia da Fundação nos sistemas solares da Periferia.


Os mercadores murmuram contra a hegemonia da Fundação – mas não podem se rebelar, abertamente. Afinal, rebelar-se sem apoio contra a Fundação? Contra o inexorável Plano de Seldon? O próprio Devers, o mestre-mercador, desafiou os chefes da Fundação e acabou nas minas de escravos (cerca de 80 anos antes dos eventos deste capítulo)


É a autoconfiança dos líderes da Fundação que leva aos excessos – centralismo, corrupção, despotismo. Os descontentamento será facilmente 'manipulado' por um inimigo: o tal Mulo.


Quem é o Mulo? Uma espécie de humano mutante. Uma espécie de Napoleão mesclado com Hitler. Um poder (militar? espiritual? psicológico?) não previsto pelo Plano de Seldon. Tanto Napoleão quanto Hitler ganharam ajuda de algumas 'quinta-colunas' dentro dos países que pretendiam dominar. Povos e exércitos que não queriam lutar contra eles. Vejamos os italianos diante das tropas francesas comandadas por Napoleão, ou vejamos as tropas francesas diante das tropas alemãs-nazistas.

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É atrás deste novo 'senhor-da-guerra' - que derrota exércitos inteiros simplesmente porque os defensores mudam de lado! - que segue o casal em lua-de- mel rumo ao planeta Kalgan, onde pretendem descobrir mais sobre o Mulo, cujo nome verdadeiro ninguém conhece (nem o Narrador). Kalgan é um planeta de praias, esportes, tipo planeta-de-veraneio, tipo as cidades tropicais de Miami, Acapulco, Rio de Janeiro...

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Os Prefeitos criam 'dinastias' e sufocam as 'eleições livres' – ou seja, é a morte da democrática Fundação e o início de uma galeria de ditadores. Assim explica-se que o Prefeito Indbur III seja filho do Prefeito Indbur II que é filho do Prefeito Indbur I. É como se agora o Prefeito tivesse um protocolo de monarca! Onde ficou o republicanismo? A Fundação se iguala assim aos reinos de Anacreon, Korell, Smyrno, Siwena, ou seja, bárbaros e antidemocráticos.


O casal encontra o bobo (clown) do poderoso Mulo – o palhaço se nomina grandiloquente “Magnifico Giganticus” - que foge das forças de segurança. O bobo logo atrai as simpatias da jovem esposa Bayta. E é mesmo um bobo muito 'sabido', parece mais aquele Bobo de “King Lear” ou o Primeiro Coveiro de “Hamlet” (ambas são obras de Shakespeare), com todo um saber que parece deslocado, a causar um estranhamento.


Qual o objetivo dos Mercadores ao desejarem um 'contato com o poderoso 'warlord' Mulo? É que a Federação dos Mercadores contava com o apoio do novo militarista para enfraquecer a Fundação – e assim retirar os prefeitos-tiranos do poder, e reinstaurar a Democracia. O caso é que os tiranos acreditam que não é possível derrotar a Fundação, devido a inexorabilidade do Plano de Seldon. As Elites da Fundação se julgam invencíveis porque a Fundação é invencível ! O Plano de Seldon seria assim a proclamação de um glorioso “destino manifesto”, como já vimos.


E as Elites não hesitam em culpar os 'democratas' por espalharem dissidências e derrotismo. (Na França de 1940, os comunistas foram rotulados de dissidentes, que levaram à derrota dos franceses diante dos nazistas alemães) Mas os Mercadores não querem derrotar a Fundação, mas esmagar a tirania. Uma guerra civil é tramada nos subterrâneos. E o Mulo é hábil em explorar estas dissidências dentro da hegemonia da Fundação (Mercadores X Elites) e quando a guerra começa, o 'mutante' ataca tanto as forças da Fundação quanto da Federação dos Mercadores.


Alguns Mercadores percebem que não é possível se aliar ao Mulo contra os prefeitos-tiranos – mas antes devem (em nome da Fundação, não das Elites) combater o mutante. (O próprio 'Mulo' assim se intitula por ser um híbrido, tal a mula, no cruzamento entre cavalo e burra, égua e burro, que não deixa descendente fértil. Ou seja, se o Mulo for detido, não deixará descendente para estabelecer uma Dinastia...)


Em momento de crise, como esta agora, são necessários as mentes bem pensantes. Eis que a Fundação tem uma – apenas uma. Ebling Mis lembra-me muito o jeito intelectual-libero-pensatore, outsider-esquerdista, cientista-louco de Doc (do romance “Cannery Row”, de Steinbeck). E o psicólogo deseja examinar o 'clown' mais de perto – afinal, assim saberemos mais sobre o tal Mulo (que simplesmente não aparece na narrativa, é sempre alguém se referindo a ele, nunca ele mesmo em cena...)

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Para melhor interagir com o 'paciente', o psicólogo usa um instrumento musical que emite ondas luminosas, imagens tridimensionais, um tal 'Visi-Sonor', mistura de teclado, sintetizador e projetor de imagens, para que o clown possa relaxar e aceitar o 'interrogatório'. O que presenciamos -a partir da perspectiva de Bayta – é um show musical e imagético, numa cena descritiva-onírica.


“Um pequeno globo de cor pulsante crescia num jorro rítmico e explodiu no meio do ar em gotas disformes que girou acima e caiu como raios curvilíneos em padrões entrelaçantes. Eles se aglutinaram em pequenas esferas, nenhuma semelhante em cor – e Bayta começava a descobrir coisas.

Ela notava que fechando os olhos os padrões de cores se faziam mais claros; que cada pequeno movimento da cor tinha seu pequeno padrão de som; que ela não podia identificar as cores; e, ao fim, que os globos não eram globos mas pequenas figuras.

[…]

Um cintilante carpete projetou-se ao redor, girando, tecendo uma teia sem-substância que engolfava todo o espaço, e disto luminosos tiros golpearam acima e se ramificaram em árvores que entoavam uma música própria.

Bayta sentou-se aconchegada. A música ondulava ao redor dela em voos rápidos e líricos. Ela alcançava além para tocar um frágil árvore e espículas em florescência flutuavam abaixo e desvaneciam cada um claro e diminuto tilintar.

A música fragmentou-se em vinte címbalos, e diante dela uma área se inflamou num jorro e caiu em cascata em invisíveis passos no colo de Bayta, onde transbordou e floresceu em rápida corrente, erguendo-se a faísca ardente até a cintura, enquanto através de seu colo havia uma ponte-arco-íris e sobre esta as pequenas figuras -”

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“A little globe of pulsing color grew in rhythmic spurts and burst in midair into formless gouts that swirled high and came down as curving streamers in interlacing patterns. They coalesced into little spheres, no two alike in color – and Bayta began discovering things.
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She noticed that closing her eyes made the color pattern all the clearer: that each little movement of color had its own little pattern of sound; that she could not identify the colors; and, lastly, that the globes were no globes but little figures.
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Little figures; little shifting flames, that danced and flickered in their myriads; that dropped out of sight and returned from nowhere, that whipped about one another and coalesced then into a new color.

[…]

A glittering carpet shot out and about, whirling, spinning an insubstancial web that engulfed all space, and from it luminous shoots stabbed upward and branched into trees that sang with a music all their own.
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Bayta sat inclosed in it. The music welled about her in rapid, lyrical flights. She reached out to touch a fragile tree and blossoming spicules floated downwards and faded, each with its clear, tiny tinkle.
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The music crashed in twenty cymbals, and before her an area flame up in a spout and cascaded down invisible steps into Bayta's lap, where it spilled over and flowed in rapid current, raising the fiery sparkle to her waist, while across her lap was a rainbow bridge and upon it the little figures -”
pp 107-08


O talentoso bobo sempre se mostra modesto e até auto-depreciativo, com seu nome pomposo “Magnifico”, sempre a provocar um sentimento que temos diante dos 'menos favorecidos', dos disformes, dos 'deficientes' – a nossa simpatia, piedade, comiseração, sentimento de culpa. Assim, tanto Bayta quanto Mis incentivam o talento de Magnifico – ele pode ser um, digamos, pop-star. Sendo um pop-star, o Bobo (mas será mesmo um 'bobo'?) pode emocionar plateias inteiras com sua música-espetáculo.


Enquanto isso as Elites da Fundação acreditam na invencibilidade (assim como acreditavam-se os franceses em 1940, e depois os alemães em 1941/42, até El Alamein e Stalingrad ) ainda mais quando os Mercadores resolvem declarar guerra ao Mulo – ou seja, a dissidência de ontem torna-se a coalização de agora (qualquer semelhança com a 'aliança estranha' dos Aliados – anglo-saxões e russos soviéticos – na II Guerra Mundial é mera coincidência? Lembramos que os 'contos' de Fundação foram escritos na segunda metade dos anos 40...)


As forças do Mulo avançam sobre os mundos dos Mercadores e ameaçam um cerco ao planeta Terminus – assim como planejara um século antes o General Bel Riose, do decadente Império Galáctico – enquanto as Elites aceitam que há realmente uma crise prevista por Seldon e esperam 'o cofre do tempo' (Time Vault) se abrir para nova mensagem do fundador-mor. A figura de Seldon aparece pela quinta vez, tal como fizera antes, a explicar alguns acontecimentos e prever a vitória da Fundação. E agora diante da ameaça do Mulo?


Mas as dissidências continuam – por exemplo, a estratégia de guerra – entre Mercadores e as Elites da Fundação. Ainda mais quando as forças dos Mercadores apresentam mais vitórias do que as da Fundação. Por que? As naves da Fundação se rendem por traição dos oficiais! Ou seja, as batalhas são vencidas pelo derrotismo dos defensores – a própria descrença na vitória diante do poderio do invasor. Como podem os Mercadores confiarem nos oficiais da Fundação? (Ver o caso da expansão do nazismo na Europa, desde meados dos anos 30 até o ápice do hitlerismo em 1943)


Enfim, a figura de Seldon: mas eis a decepção. O que ele agora 'prevê' é a dissidência – que se concretiza em guerra civil – entre as Elites e os Mercadores. A guerra civil teria aumentado o nível de democracia, etc. Após a guerra civil, o novo fôlego democrata, a Fundação se renovaria – e como inimigo apenas o Império decadente. E nenhuma palavra sobre o 'Mulo' ! O mutante que é uma variação, e causa uma variação... ele não foi previsto pelas equações da Psicohistória!


Seldon não previu o Mulo, mas a guerra civil – que quase se concretizou. Enquanto isso o pânico se alastra e Terminus sofre o primeiro ataque. O Mulo será mesmo o conquistador da Fundação, a tal 'invencível'? De fato é assim. Após a queda da Fundação, o Mulo se volta contra as forças da Federação dos Mercadores Independentes. (O Mulo cria uma 'realidade alterada' no mundo das equações de Seldon – onde após a guerra civil a Fundação retornaria aos ideais democráticos de um século e meio antes.)


Quando o planeta Terminus se rende sem lutar, apenas o planeta Haven resiste à expansão do Império do Mulo. Deve o planeta mercantil continuar a resistência? Ou se render tal como fizeram as forças da Fundação? O casal Toran e Bayta logo fogem – e não demora muito para que ela, Bayta, se torne conhecida – mas não tão 'popular' – em Haven, agora sob ataque.


Mas o derrotismo também se alastra em Haven! A produção bélica é insuficiente, o moral é baixo, existem dissidências. Por quanto tempo Haven continuará a ser uma Stalingrad? Único planeta na Periferia a não cair sob poder dos ambicioso Mulo, mas por quanto tempo? Nada adianta ter tropas e armas, se não há ânimo e crença na vitória...! (Sentimento belicioso que os oradores, warlords, sabem incentivar no povo, vide um Mussolini, um Hitler, um Churchill, um De Gaulle, etc)


Após a perda doo 'poder profético' de Seldon – que nunca poderia prever um ser mutante – os cidadãos da Fundação (e também os Mercadores) passam por um momento de frustração e insegurança, pois esqueceram o 'pensamento independente', e autonomia de ação – passaram a crer na própria religião que inventaram, onde Seldon figura como um... profeta!


Já psicólogo Mis não tem certeza que o Mulo seja mesmo um mutante – e que a Fundação deva ser mesmo derrotada – pois não acredita na invencibilidade do 'warlord': seria mais uma tática de propaganda. O poder do Mulo poderia ser meramente técnico – não mental – tipo uma máquina com radiação capaz de causar depressão mental, e assim tirar o ânimo dos inimigos. Afinal, a Fundação pouco resistiu – traição?


Desde que o Mulo prometesse garantir as propriedades das Elites, estas passariam a aceitar o poderio alienígena – independente da resistência do povo (qualquer semelhança com as 'quintas colunas' do fascismo-nazismo é mera coincidência?) E agora: onde está a Segunda Fundação? Questão que é essencial tanto para o conquistador quanto para os poucos resistentes. Dentre estes últimos os democratas do subterrâneo, os subversivos antes 'caçados' pelos Prefeitos e agora 'rastreados' pelos oficiais do Mulo.


Dentre os conspiradores um ao menos nós conhecemos. O Capitão Han Pritcher, que não aceita a hegemonia do Mulo, assim como não aceitava antes a dinastia dos Prefeitos-tiranos. Resistir ao Mulo – será isso possível? Assim como muitos democratas, socialistas e até comunistas trocaram de lado e seguiram o Führer Hitler em suas conquistas – pelo menos até 1943 – assim todos os opositores passam de inimigos a 'convertidos' do Mulo – que, certamente, sabe fazer seguidores...!


A conversão ao Mulo não é racional – é de todo emocional: aqueles que odiavam o Mulo, os que emocionalmente eram inimigos, passam a idolatrar o Mulo – é questão de converter o sinal negativo (a aversão) em positivo (a adoração). O ex-capitão, o militar da Inteligência, agora é um conspirador, com nova identidade – um simples operário numa fábrica de armamentos. Pronto para um ação conspiratória: um atentado contra o próprio Mulo !


Mas atentar contra a pessoa do Mulo mudaria alguma coisa? Afinal, o sistema é mais complexo que um indivíduo (Matar Hitler, como desejavam alguns oficiais alemãs, seria acabar com o Nazismo? Será que o Conde Stauffenberg pensou nisso?) Mas o Mulo ocupa mesmo o Palácio do Prefeito? O Mulo que é 'modesto' – nunca aparece em público, não faz pronunciamentos. Pois, o homem-bomba Pritcher adentra os jardins do Palácio-Prefeitura e pretende se explodir junto o odiado Mulo. Mas Pritcher encontra um tão somente vice-rei...


O vice-rei (ninguém menos que o 'warlord de Kalgan', o primeiro derrotado pelo mutante) ironiza a tentativa de atentado – já informado pelos espiões – e revela que o Mulo sabe reconhecer as qualidades dos inimigos e – tal um Big Brother, do 1984 de Orwell – 'converte' o talentoso adversário em eficiente seguidor!


Até porque a conquista da Fundação é apenas mais um passo para o conquistador – ele deseja imperar sobre toda a Galáxia! Um novo império – e 700 anos antes da 'profecia' do Plano de Seldon! Mas a que preço? A não-democracia, a ditadura do mutante que controla emoções, a submissão irracional de sistemas planetários inteiros! Até dos mundos dos mercadores – os últimos resistentes. Inclusive Haven, de onde fogem o casal e o psicólogo Mis, levando junto o clown do Mulo.


Em pleno “Interlúdio no Espaço”, temos a descrição de batalha espacial ao estilo que seria famoso no cinema com o sucesso de Star Wars e Star Trek (séries inclusive ironizadas pelo Autor Asimov que não perdoava o dramatismo, os excessos da space opera (ópera-espacial), e o som de disparos de laser, além de explosões no espaço, fenômeno absurdo visto que no quase-vácuo não há propagação de som, nem se inflamam os incêndios...) quando a imprensa do Mulo anuncia a derrota dos planetas dos Mercadores – Iss, Mnemon, Haven. Este último, sem luta.

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Mais sobre o sub-gênero Space Opera
http://pt.wikipedia.org/wiki/Space_opera


Enquanto os planetas Iss e Mnemon suportaram a luta por uns três meses -tanto Terminus quanto Haven caíram sem qualquer resistência significativa. Por que? O tal raio de 'Depressor de Vontade' não foi usado em Iss e Mnemon do jeito que foi usado em Terminus e Haven?


A nave da Bayta e Toran – com Mis e Magnifico a bordo – segue para Trantor, a grandiosa capital do Império Galáctico. E atravessam o que sobrou deste Império decadente e fragmentado. Atravessam territórios de 'reinos' e 'autarquias' – uma galáxia agora 'feudal', cheia de retalhos e 'warlords'. Tal qual percebemos no final do Império Romano, após a invasão dos povos 'bárbaros'...


Uma nave de inspeção aborda a nave de Bayta – tanto Toran quanto o clown são levados. Mas será mesmo uma nave de inspeção? Ou uma nave da Fundação – e, portanto, sob controle do Mulo? Um encontro casual – ou uma perseguição através do hiperespaço? Então por que a nave de inspeção permite que a nave de Bayta siga adiante? Para saber o destino dos viajantes...?

Mas o clown Magnifico confessa ter reconhecido o Capitão Pritcher entre os membros da tripulação. Por que o capitão seguiria os fugitivos? Ou o capitão é quem suspeita que os outros o estão seguindo?


O que encontram no planeta-cidade Trantor? Apenas ruínas. Depois do 'Grande Saque', ocorrido 4 décadas antes, pois assim como Roma sofreu com os saques dos bárbaros, Trantor sofreu com os ataques das guerra civil, que obrigou o último Imperador a se refugiar no planeta batizado de Neotrantor.


Trantor que foi capital do Império durante uns 2 mil anos e foi destruída em apenas um mês! E o que sobrou do vasto Império? Vinte mundos agrícolas ao redor de Neotrantor, nova morada do Imperador senil e seu filho proto-déspota. O humilhado Dagobert IX ainda espera 'vencer' os líderes da guerra civil, acontecida meio século antes.


Para narrar toda esta história – cada vez mais agigantada e detalhada! - o Autor usa e abusa de flashbacks para situar o leitor no meio das ruínas que sobraram do 'Grande Saque' (mais ou menos 250 Era Fundacional). O planeta Trantor apresenta 'lacunas' na carapaça de metal – e passa a permitir as práticas agrícolas – grandes fazendas...


Não mais uma capital, mas um mundo agrícola, Trantor jaz no isolamento. O povo de Trantor passa a exportar metal, chapas de aço já moldadas, e assim a terra é recuperada, exposta ao sol e preparada para o cultivo. Grupos de fazendeiros se auto-organizam. Uma nova Idade Média, um novo feudalismo. Do complexo a queda, o retrocesso ao simples. Nem hidroponia pôde ser conservada. Apenas o cultivo direto da terra. Uma cultura patriarcal se restabelece – o ciclo se reinicia – onde o artesanal substitui o industrial do antigo mundo sofisticado.

Esta ideia do ciclo – sofisticação e queda, e recomeço, até nova sofisticação e queda – morte de uma civilização e início de outra – é um tema presente em outra obras do Autor, tais como Fim da Eternidade e Cair da Noite.

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Mais info em
http://pt.wikipedia.org/wiki/The_End_of_Eternity
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nightfall
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Os estrangeiros visitam as ruínas da Universidade – aliás bem mais conservada que as demais áreas bombardeadas durante a guerra civil. No silêncio das ruínas irá trabalhar o último psicólogo da Primeira Fundação, o agora febril Ebling Mis. Enquanto isso o casal mantem a humilde morada, e o clown passa o tempo na biblioteca – aliás, videoteca – onde 'lê' romances projetados em tela...


A febre de pesquisa do psicólogo Mis torna-se um 'fanatismo' de intelectual, concentrado inteiramente na leitura dos textos antigos (de 3 séculos antes) quando dos estudos de Hari Seldon. Enquanto isso Mis perde o vigor físico e quase nem reconhece o casal, pois o pesquisador passa muito mais tempo em companhia do clown.


Poderá o psicólogo encontrar os registros sobre a localização da Segunda Fundação? Enquanto isso, aparece o Capitão Pritcher, agora coronel no Exército do Mulo. Um exército de 'controlados emocionalmente' – oficias fanáticos e incapazes de trair o líder! (Eis um poder que Hitler adoraria ter! Afinal, ele nunca conseguiu controlar plenamente os próprios generais!)


Segundo as palavras do convertido coronel Pritcher, “Eu quero dizer que isto [o controle emocional] é uma coisa fácil para ele ao instilar num general capaz, digo, a emoção de completa lealdade ao Mulo e a completa crença na vitória do Mulo. Seus generais são emocionalmente controlados. Eles não podem traí-lo; eles não podem se desanimar – e o controle é permanente. Seus inimigos mais capazes tornam-se seus mais fiéis subordinados. O senhor-da-guerra de Kalgan entregou o planeta e tornou-se o vice-rei da Fundação. […] A dádiva do Mulo funciona ao reverso ainda mais efetivamente. Desespero é uma emoção! No momento crucial, os homens-chaves na Fundação – homens-chaves em Haven – desesperaram. Seus mundos caíram sem muita luta.”
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“I mean that it is an easy matter for him to instill into a capable general, say, the emotion of utter loyalty to the Mule and complete belief in the Mule's victory. His generals are emotionally controlled. They can not betray him; they can not weaken – and the control is permanent. His most capable enemies become his most faithful subordinates. The warlord of Kalgan surrenders his planet and becomes his voctory for the Foundation.” p. 154

O convertido Pritcher explica as estratégias do poderoso Mulo para unificar a Galáxia sob a hegemonia do mutante. Um novo Império construído em menos de uma década e 7 séculos antes do Segundo Império profetizado pelo Plano de Seldon. Mas Pritcher não convence os fugitivos, os último resistentes, que desafiam o próprio Mulo, pois guardam uma última esperança: a revanche da Segunda Fundação.


Mis explica porque a presença do Mulo causa um desvio no Plano de Seldon – é algo 'imprevisto', tal qual uma 'nova tecnologia', e não poderia ser equacionada. Afinal de contas, telepatia não está entre os 'talentos' humanos... Ou seja, não são as armas do Mulo – inventadas por cientistas humanos – mas a singular mente do mutante! (Assim como não foi apenas a Blitzkrieg, com seus blindados e aviões-de-mergulho, que possibilitou as primeiras vitórias alemãs, mas as 'quintas-colunas', exércitos inteiros que se rendiam ao poder carismático do Führer.)


O pesquisador, nas sombras da Biblioteca, não passa de um anêmico semi-louco, obcecado em reconstituir a Psicohistória de Seldon. E parece não sobreviver sem a presença do clown Magnifico. Todos esperam a localização da Segunda Fundação, que seria um reduto de psicólogos, pois se a Primeira Fundação é um mundo de cientistas, físicos, engenheiros, etc, a outra Fundação é uma imagem invertida: um mundo de 'técnicos' do poder mental. Poder mental: justamente o que torna o mutante 'singular' e desvia os cálculos estatísticos – é uma variável não previsível.


Se a Segunda Fundação não derrotar o Mulo – o que acontecerá? É o fim da hegemonia do Homo Sapiens – e a ascensão de uma classe de 'convertidos mentais' e de uma raça de descendentes do mutante Mulo. Mas sendo estéril, e não deixando descendentes, o Mulo ao morrer apenas deixará um um império sujeito à fragmentação do poder entre os interesses dos generais e os 'senhores-da-guerra' (warlords), tal como a História registra a fragmentação do império de Alexandre Magno (356 – 323 a.C.) devido as lutas entre os generais. Todo este 'futuro distorcido' arruinará o Plano de Seldon e abandonará a Galáxia aos horrores da Barbárie.


Em semelhante crise, Bayta passa a ficar paranóica, a andar armada, temendo a chegada do Mulo. É quando Mis descobre onde está a Segunda Fundação e vai revelar ao casal e ao clown. Mas imediatamente Bayta o fulmina! Será Mis o Mulo? Ou será Bayta uma 'convertida' do Mulo?


Não. Mis não é o Mulo – pois teria percebido a emoção de Bayta e impedido o disparo. O Mulo só pode ser o tal clown! Onde o palhaço se 'desmascarou'? Naquele episódio em Neotrantor, quando a música composta pelo Magnifico acabou por matar o Príncipe imperial. Matou com a música ou com a força da mente?



Mas o Mulo confessa uma fraqueza: quer ser compreendido, quer ser aceito, ele que é o exótico, o bizarro, que despreza porque é desprezado! E ele narra a própria história ao casal. De como descobriu o efeito emocional que causa nos demais humanos 'normais', quando ele passa a 'condicionar' as emoções alheias! Toran, assim, descobre que tem sido controlado emocionalmente desde o primeiro encontro 'casual' com o clown lá nas praias de Kalgan.


Controle emocional? Exato. Pois bem, os concertos pop de visi-sonor promovidos para o 'talentoso' Magnifico era uma excelente (ainda que primitiva) forma de 'controle emocional' (aliás, como se percebe em shows musicais, onde os fãs se exaltam ou se deprimem estimulados pela performance do(s) artista(s)). Acontece que os shows ajudam a promover o derrotismo diante das forças do Mulo.


Enquanto isso o Mulo 'ativava' as potencialidades intelectuais do psicólogo Mis. Assim como potencializou a mente dos técnicos que criaram novas máquinas de guerra para os exércitos em Kalgan.


O próprio Mulo explica como vê a mente dos humanos comuns, “A mente humana funciona com baixa eficiência. Vinte por cento é o gráfico básico. Quando, momentaneamente, há um relâmpago de poder maior é denominado premonição, ou discernimento, ou intuição. Descobri cedo como poderia induzir a um uso contínuo da alta eficiência cerebral. É um processo fatal para a pessoa afetada, mas é útil – O depressor de campo atômico que eu usei na guerra contra a Fundação foi o resultado de alta-pressão sobre um técnico de Kalgan. Novamente eu trabalhei através de outros.” Aqui ele se refere-se, obviamente, ao psicólogo Mis.
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The human mind works at low efficiency. Twenty per cent is the figure usually given. When, momentarily, there is a flash of greater power it is termed a hunch, or insight, or intuition. I found early that I could induce a continual use of high brain-efficiency. It is a killing process for the person affected, but it is useful – The atomic field-depressor which I used in the war against the Foundation was the result of high-pressuring a Kalgan technician. Again I work through others.” p. 170

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O Mulo potencializa a mente de Mis, ainda que o corpo do psicólogo se fragilize em estresse e anemia. E quase por um instante, o Mulo teria conseguido a localização da Segunda Fundação. O erro do Mulo foi não ter 'condicionado' as emoções de Bayta – pois ela não o rejeitou, ao contrário o aceitou, se apiedou, sendo simpática e amável com ele. Assim, o Mulo se apaixonou!


Por ação providencial de Bayta, o conquistador Mulo não sabe onde fica a Segunda Fundação, e por cautela (afinal, ele desconhece o inimigo) resolve voltar para o planeta Kalgan e estabilizar a ordem nos mundos já conquistados. A expansão de seu poder será momentaneamente contido – até que ele possa descobrir e dominar – ou exterminar – a Segunda Fundação.


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